Após chegar perto do Eliseu, Le Pen desaparece em campanha legislativa

Após chegar perto do Eliseu, Le Pen desaparece em campanha legislativa

Política de extrema direita volta a radicalizar discurso antes de pleito para Assembleia Nacional francesa, nos dias 12 e 19 deste mês

Porto Velho, RO - O que aconteceu com Marine Le Pen? No início de abril, a política de extrema direita chegou às eleições presidenciais em melhores condições do que nunca. Algumas pesquisas a colocavam perto da vitória. A líder da Reunião Nacional (RN) havia suavizado sua imagem e polido as partes mais ásperas de sua mensagem. 

Comparada com o candidato de ultradireita, Éric Zemmour, parecia quase uma moderada. Ainda que tenha perdido para o presidente Emmanuel Macron, teve o melhor resultado de sua carreira: 13 milhões de votos, ou 41,5%.

É uma realidade distante: agora ela está desaparecida. Meses depois, no dia 1 de junho, Le Pen participou de uma entrevista coletiva em um local pequeno e escuro em Calais, cidade portuária conhecida internacionalmente como ponto de chegada para imigrantes e refugiados que se arriscam na travessia do Mediterrâneo. 

Estava lá, diante de uma dezena de jornalistas, para apresentar os candidatos locais da RN nas eleições legislativas que serão disputadas neste mês: o primeiro turno no domingo e o segundo, no dia 19. E também para denunciar que a França está à beira do caos. Voltou a acirrar a retórica anti-imigração, como se buscasse recuperar o terreno perdido para Zemmour.

— Este governo está nos levando ao abismo — disse Le Pen, que concorre para continuar a representar um distrito da região no Congresso francês.

Para a filha de Jean-Marie Le Pen, a confusão antes e depois da final da Liga dos Campeões, disputada entre Real Madrid e Liverpool no dia 28 de maio no Stade de France, reflete “um país que, diante da pressão da imigração e dos delinquentes, se converte em uma zona sem lei”. Prometeu que, se lhe derem “entre 100 e 150 deputados, tudo mudará”.

A mesma candidata que em abril esteve perto do Palácio do Eliseu agora se resigna a não ganhar as eleições legislativas e, possivelmente, não ser nem o maior grupo de oposição no Legislativo. Para o cientista político Jean-Yves Camus, ela é “realista”:

— Todos cometem um erro comum ao pensar que o resultado das eleições presidenciais se projeta nas eleições legislativas. Não tem nada a ver — disse ele, afirmando que ela é prejudicada pelo sistema eleitoral, mas também por ter decidido não firmar alianças. — Se tiver sorte, a RN terá uma bancada parlamentar, ou seja, 15 deputados. E já será melhor que na legislatura atual.

Segundo uma projeção do instituto Ifop, a RN deve receber cerca de 21% dos votos no primeiro turno. Ficaria atrás da República em Marcha, de Macron, e da França Insubmissa (PI), partido radical de esquerda encabeçado por Jean-Luc Mélenchon, que viu sua intenção de voto para presidente disparar na reta final do pleito de abril em um movimento de voto útil da esquerda.

No segundo turno, a RN aparece como a terceira ou quarta força, com algo entre 20 e 50 deputados — uma fração dos 577 assentos da Assembleia Nacional. A esquerda seria a primeira força de oposição.

O anticapitalista e eurocético Mélenchon faz campanha argumentando que, se os franceses lhe derem a maioria parlamentar, Macron será obrigado a nomeá-lo como primeiro-ministro. Le Pen, a principal rival do atual presidente nas últimas duas eleições, já admite que não terá a maioria e que, portanto, esta não é sequer uma possibilidade:

— Não há qualquer chance disso acontecer — disse à emissora France Blue quando a questionaram sobre essa hipótese. — Tenho que dizer a verdade aos eleitores.

Nas sombras

O evento em Calais aconteceu em um dia ensolarado, e tudo ia bem para Le Pen na praça do mercado de Audricq, um povoado de 4,5 mil habitantes, até que um homem se aproximou e começou a gritar:

— É uma vergonha! É uma vergonha que você esteja aqui.

Até este momento, Le Pen tirava fotos com mulheres e crianças. Elas a chamavam de Marine, como se fosse da família. Pediam selfies e seguiam em frente sem falar de política, fazer perguntas ou discutir. Nada similar ao que acontece com Macron em eventos similares, onde há discussões intermináveis e por vezes tensas com cidadãos que se aproximam para criticá-lo ou fazer queixas.

A política de extrema direita continuou com as selfies, mas o homem continuou a gritar até que uma simpatizante da candidata retrucou, mandando que ele fosse embora. A candidata, por sua vez, entrou em um café e, minutos depois, foi levada embora de carro. A visita inteira durou cerca de meia hora e a maioria das pessoas que passavam pela imensa praça nem perceberam que passou por ali.

É um microcosmos do que ocorre na França na reta final desta eleição legislativa: Le Pen não conta e não é vista. Não é nem um fator na disputa entre Macron e Mélenchon.

É possível que ela esteja sentindo o desgaste do pleito presidencial e de um resultado que, apesar de tê-la aproximado do Eliseu, foi sua terceira derrota na busca pela Presidência. Nos dias após a reeleição de Macron, optou por tirar uns dias de folga. 

Depois, recusou aliar-se a Zemmour. Mélenchon fez o contrário: desde o início diz que quer ser primeiro-ministro e forjar uma aliança de esquerdas com os verdes, comunistas e socialistas. Enquanto a direita e a extrema direita andam em vias distintas, as esquerdas, da moderada à radical, caminham unidas.

Múltiplos problemas

Ela também sofre de problemas que transcendem a campanha atual. A primeira é a fraqueza de seus candidatos: lidera um partido centrado em si e familiar, herdado de seu pai, Jean-Marie Le Pen. Não tem quadros suficientes para ganhar assentos. O segundo é que seus eleitores habituais, a classe trabalhadora e os jovens, se mobilizam menos em eleições legislativas.

A terceira desvantagem está no próprio sistema eleitoral. As eleições legislativas, na prática, são 577 pleitos simultâneos em dois turnos e em 577 distritos eleitorais. Como nas eleições municipais e regionais, quando um candidato da RN passa para a segunda etapa, os adversários e a maioria dos eleitores se unem para impedir sua vitória.

Ganhar um assento na Assembleia Nacional é, por si só, uma proeza. Há cinco anos, Le Pen ganhou 11 milhões de votos nas eleições presidenciais, mas a RN elegeu apenas oito deputados nas legislativas. Por mais que agora deva superar o número de 2017, o número de cadeiras não refletirá o apoio obtido na corrida pelo Eliseu.

— Após obter 42% dos votos no segundo turno das eleições presidenciais, será um escândalo democrático se a RN não tiver uma bancada parlamentar — queixou-se Le Pen em Calais. — Fico chocada de ver nas pesquisas que, apesar das classes populares e médias serem as mais afetadas pela política tóxica de Emmanuel Macron, são as que menos comparecerão as urnas. Conto com elas.


Fonte: O GLOBO

Postar um comentário

Please Select Embedded Mode To Show The Comment System.*

Postagem Anterior Próxima Postagem