Adeus Tchaikovsky e Tolstói: os ucranianos querem 'descolonizar' suas ruas

Adeus Tchaikovsky e Tolstói: os ucranianos querem 'descolonizar' suas ruas

Comissões em várias cidades mapeiam vias, estações de metrô e monumentos a figuras ligadas à Rússia, uma resposta à invasão militar iniciada em fevereiro

Porto Velho, RO - Longe dos combates no Leste na Ucrânia, uma nova batalha está sendo travada: não nas trincheiras, mas em torno de ruas arborizadas e avenidas largas. Ali, o inimigo é conhecido como Pavlov. Ou Tchaikovsky. Ou Catarina, a Grande.

Ao redor do país, políticos estão escrevendo projetos para, como dizem, “descolonizar” suas cidades. Ruas e estações de metrô cujos nomes evocam a história do Império Russo ou da União Soviética estão sendo questionados por uma população ansiosa para se livrar de traços da nação que os invadiu no final de fevereiro.

— Estamos defendendo nosso país, também na linha de frente da cultura — disse Andriy Moskalenko, vice-prefeito de Lviv e chefe de uma comissão que revisou os nomes de cada uma das mas de mil ruas da cidade. — E nós não queremos ter nada em comum com os assassinos.

A Ucrânia está longe de ser o primeiro país a realizar tal movimento histórico. Os EUA debateram, por décadas, renomear monumentos que celebravam a Guerra Civil. Tampouco é a primeira vez em que a Ucrânia realiza tal iniciativa: após a queda da União Soviética, o país foi um dos muitos no Leste Europeu a mudar os nomes de ruas e a remover estátuas dos tempos de um domínio comunista que ali se tornou sinônimo de totalitarismo.

Dessa vez, a decisão de apagar os nomes russos não é apenas um símbolo de desafio frente à invasão e à História da União Soviética, afirma Vasyl Kmet, um historiador na Universidade Nacional Ivan Franko, de Lviv. Ela também tem a ver com a reafirmação da identidade ucraniana, que muitos sentem ter sido reprimida por séculos de domínio por parte de seu vizinho mais poderoso, diz Kmet.

— O conceito de descolonização é um pouco mais amplo — declara Kmet. — A política russa hoje é construída em torno da propaganda de um chamado Russky Mir, o mundo russófono. Essa iniciativa [da Ucrânia] trata da criação de uma alternativa poderosa, um discurso nacional e moderno ucraniano.

Campanha de 'descolonização'

A cidade de Lviv, no Oeste ucrananiano, é uma das muitas áreas onde há uma campanha de “descolonização”. Assim como a cidade de Lutsk, no Noroeste, que planeja mudar os nomes de 100 ruas. Na cidade portuária de Odessa, onde a maioria dos moradores fala russo, os políticos discutem a possível remoção de um monumento em homenagem a Catarina, a Grande, a imperatriz russa que fundou a cidade em 1794.

Na capital, Kiev, a Câmara Municipal quer mudar o nome da estação de metrô que leva o nome do escritor russo Liev Tolstói para Vasyl Stus, um poeta e dissidente. A estação Minsk — que leva o nome da capital da Bielorrússia, aliada de Moscou na Invasão — pode mudar para “Varsóvia”, em homenagem ao apoio polonês à Ucrânia.

E não apenas os nomes russos estão em xeque. A comissão de Lviv quer apagar os nomes de ruas que levam o nome de alguns ucranianos. Uma dessas ruas é a Petro Kozlaniuk, um escritor que colaborou com agências de segurança soviéticas, incluindo a KGB.

A remoção dos nomes de alguns ícones culturais — algo que a comissão de Lviv disse ter feito após consultas a acadêmicos — não é uma unanimidade. A história de alguns desses ícones também pode ser complexa, como a de Pyotr Tchaikovsky: a família do compositor clássico tem raízes no que hoje se conhece como Ucrânia, e especialistas dizem que sua obra teve inspiração da música folclórica do país.

Trabalhadores de fábrica de placas de trânsito nos arredores de Lviv montam um novo modelo — Foto: Diego Ibarra Sanchez/NYT Photo

A alguns quilômetros de Lviv, Viktor Melnychuk, dono de uma fábrica de placas, está se preparando para montar novas sinalizações para as ruas que mudaram de nome. Mesmo sabendo que seu negócio se interessa muito por cada uma dessas alterações, ele se diz em dúvida sobre elas.

— Talvez fosse melhor manter alguns dos escritores clássicos ou poetas, se fossem de outros períodos. Não tenho certeza — afirma. — Não podemos rejeitar tudo completamente. Havia algo de bom ali.

Mas ele disse que vai apoiar as decisões da comissão, e a ordem ali foi unânime: não haverá mais uma rua Tchaikovsky.

— Quando mudamos o nome de uma rua, não estamos dizendo que “aquela pessoa não criou aquela invenção, ou não foi importante” — disse Moskalenko, vice-prefeito de Lviv. — Significa que o trabalho daquela pessoa foi usado como uma ferramenta de colonização.

Kmet, um historiador, viu ali uma oportunidade para homenagear as contribuições de alguns ucranianos cujos trabalhos ficaram perdidos nos séculos e décadas. Ele espera dar o nome de uma das ruas de Lviv a um obscuro bibliotecário, Fedir Maksymenko, que diz ter guardado itens culturais e livros ucranianos durante os tempos soviéticos.

— Eu e toda a cultura ucraniana devemos muito a ele — afirma. — Precisamos trabalhar muito hoje para preservar o que ele salvou.


Fonte: O GLOBO

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