Na espera desde que nasceu, o pouco amado príncipe Charles ganha protagonismo no jubileu da mãe

Na espera desde que nasceu, o pouco amado príncipe Charles ganha protagonismo no jubileu da mãe

Sem a mesma popularidade de Elizabeth II, homenageada pelos seus 70 anos de reinado, herdeiro conta com filho para conquistar súditos

Porto Velho, RO - Há exatos 73 anos, seis meses e 15 dias, Charles Philip Arthur George se prepara para ser rei. São 644,6 mil horas ou 38,7 milhões de minutos desde seu nascimento. Aos quatro anos incompletos, ele foi a primeira criança na linha de sucessão ao trono britânico a testemunhar presencialmente a cerimônia de coroação de seu genitor, a filha primogênita do rei George VI, Elizabeth II , que, numa série de cerimônias de 2 a 5 de junho, no fim desta semana, será homenageada por seu jubileu de platina, isto é, sete décadas de reinado.

Naquela época, quando as imagens chegaram ao público de forma inédita pela televisão, tecnologia então nascente, as 27 milhões de famílias conectadas ao aparelho mundo afora puderam ver o ar entediado do menino. Paciência é o que descreve a trajetória do primogênito da rainha Elizabeth II, que somente agora, avô de cinco netos, amplia suas funções constitucionais num processo de transição que, segundo especialistas, ele próprio vem conduzindo.

Charles deve abrir um novo capítulo na história deste reino que se prepara para uma nova geração dos Windsor, em pleno século XXI, quando a própria ideia de soberanos hereditários parece cada vez mais anacrônica. Ele terá o imenso desafio de ocupar o lugar de uma rainha que por sete décadas foi símbolo da estabilidade e unidade do país, em momentos de glória e crises. Pesquisa do Yougov do primeiro trimestre deste ano mostra que, enquanto 75% dos britânicos têm uma opinião positiva de Elizabeth II, o índice para Charles é de 50%. Seu filho William, segundo na linha de sucessão, tem 66%.

— Será difícil preparar os súditos para seu reinado iminente. Sem a popularidade da mãe ou do filho mais velho, Charles vai enfatizar a marca da família real para garantir que William e sua mulher, Kate Middleton, possam brilhar e ganhar mais responsabilidades, o que já começou a acontecer — disse ao GLOBO Pauline Maclaran, professora de pesquisas sobre marketing e consumo na Royal Holloway, da Universidade de Londres, e coautora do livro “Royal fever: the British monarchy in consumer culture” (Febre real: a monarquia britânica na cultura do consumo).

Segundo MacLaran, Charles se apresentará como guardião do posto, vinculando-se cada vez mais à grande popularidade do filho.

— Em outras palavras, a monarquia do futuro deve ser um trabalho de equipe —diz ela.

Possível regência

Até lá, enquanto a mãe, de 96 anos, tiver saúde, Charles segue esperando. Atuará como seu representante, como no início do mês, quando leu o tradicional Discurso do Trono na sessão de abertura do Parlamento. Este terá sido o momento mais importante da sua vida, segundo a mídia especializada. Estava acompanhado do filho. 

A lei precisou ser mudada para que isso acontecesse. Ambos os herdeiros permaneceram no salão diante da suntuosa coroa de Elizabeth II, sinal da presença da monarca, que não pretende abdicar do trono até segunda ordem.

Na família real britânica, segundo o historiador da realeza Ed Owens, abdicação é uma palavra feia desde que Eduardo VIII desistiu do trono para se casar com a americana Wallis Simpson. Mas, se os problemas de saúde da rainha se complicarem, Owens aposta em uma espécie de regência, como aconteceu com George III, quando seu filho mais velho, George IV, o então príncipe de Gales, se tornou príncipe regente.

Owens destaca que, nos últimos anos, o Palácio de Buckingham deixou a cargo de William e Harry a responsabilidade de construir a nova imagem da monarquia. Ao perceber que eram o futuro, a rainha lhes deu o palco para atuarem. Essa foi a estratégia para levar a instituição adiante de 2010 a 2020, quando o príncipe Harry deixou a corte.

— Os irmãos também foram chave para reabilitar a imagem de Charles — explica ele.

Negócios com orgânicos

Charles, que nunca disfarçou a vontade de interferir em certos temas da vida pública britânica, terá de se contentar com o silêncio, ainda que se trate de assunto que o apaixone. Nos últimos anos, manifestou-se em questões ambientais, defendeu medicamentos homeopáticos no sistema de saúde público e melhores equipamentos para os soldados britânicos no Iraque. 

Também advoga ardorosamente determinados estilos arquitetônicos que, segundo ele, deveriam inspirar as novas construções residenciais. Em 2015, depois anos brigando na justiça, o jornal The Guardian, ganhou o direito de revelar o conteúdo de 27 cartas de próprio punho que o príncipe endereçou a integrantes do governo para, suspeita-se, interferir em suas decisões. O caso ficou conhecido como os “arquivos aranha negra”, apelido que ganharam as missivas por causa da caligrafia peculiar do príncipe herdeiro.

A vida amorosa do príncipe também se manteve sob os holofotes, do conto de fadas com a carismática Diana, mãe de seus dois filhos, ao escândalo com Camilla Parker-Bowles. A morte de Diana em um acidente de carro em Paris em 1997 criou grande comoção e está por trás de boa parte da antipatia por Charles. Camilla, a ex-namorada de juventude, com quem admitiu, em 1994, ter um caso extraconjugal, tornou-se sua mulher em 2015.

Enquanto espera, Charles se dedicou, entre outros projetos, a negócios com produtos orgânicos. Em 2021, contudo, entregou a fazenda em que produzia desde 1985 à marca Duchy Organic, que ele próprio havia fundado. Um novo contrato de exploração o prenderia por mais 20 anos à empreitada, o que julgou complicado diante da iminente tarefa de ocupar o trono. A paixão pelos orgânicos, contudo, segue no Palácio de Sandringham, onde assumiu a produção do pai, o duque de Edimburgo, morto em 2021 aos 99 anos.

Maldição dos Charles

Para especialistas, os súditos aprenderão a gostar do próximo rei e suas excentricidades — como cadarços de sapato passados a ferro ou a caixa de café da manhã que carrega em todas as suas viagens com itens orgânicos, incluindo seis tipos de mel. 

Também terão de acostumar-se a chamá-lo de Charles III, ou outro nome de sua preferência. Há quem diga que já cogitou usar George VII, dadas as biografias dos outros dois reis Carlos. O primeiro, coroado em 1625, dissolveu o Parlamento três vezes, reinando pelo período que ficou conhecido como “11 anos de tirania”. Após duas guerras civis, foi julgado, condenado como “tirano, traidor e inimigo público da nação” e decapitado. Seu filho, Carlos II, foi mais popular, mas teria tido ao menos 14 filhos ilegítimos.

Charles tentará renovar a imagem da monarquia, e já avisou que a corte será mais enxuta sob sua gestão. A pauta da mudança do clima, outra de suas favoritas, também deve ajudá-lo a se colocar como um monarca atrelado a um propósito nobre para a Humanidade. 

Para o ator Josh O'Connor, que o interpretou na série “The Crown”, do Netflix, Charles vive uma situação bizarra: “Ele não quer necessariamente o poder, mas até ela [a rainha] morrer, que diabos ele faz? O que é a sua existência? Não tem um propósito”, disse à revista Esquire UK em 2020.


Fonte: O GLOBO

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