Cinco anos depois, residentes relatam ainda enfrentar violações de direitos humanos e questionam a lentidão da Justiça no tratamento do caso
O desastre ambiental, que poderia ser evitado segundo as autoridades, se tornou a maior tragédia humanitária do Brasil, com 270 mortos, inclusive duas grávidas. O acidente gerou milhares de processos judiciais, entre ações individuais e coletivas, mas ninguém foi condenado pelas mortes.
'É como acordar todo dia naquele 25 de janeiro de 2019'
O advogado Marco Antônio Cardoso — Foto: Arquivo Pessoal
Morador de Brumadinho, o advogado Marco Antônio Cardoso perdeu um familiar e amigos por conta da tragédia. Ele define a angústia despertada pela dificuldade de contato com familiares como a principal memória daquele dia.
— Meus pais moram muito próximos do local do rompimento e senti desespero por achar que todas as pessoas que eu amo estavam mortas. Continuamos enfrentando violações de direitos humanos mesmo cinco anos depois. É como se a gente acordasse todo dia naquele 25 de janeiro de 2019 — diz o advogado, que perdeu uma prima e amigos, em relação à impunidade.
'A sensação é de crime continuado'
— Foto: Arquivo pessoal
A dona de casa Michelle Rocha teve que lidar com a morte da prima Sueli Marcos, então funcionária do almoxarifado da Vale, no dia do desastre. Ela observa que os estragos provocados pelo rompimento da barreira permanecem na região, o que imprime uma sensação de continuidade da tragédia.
— A sensação é que a Justiça não tem agilidade. Não cumpre o que está previsto na lei. Sentimos que este é um crime continuado. Não podemos comer o que é plantado aqui e as condições ambientais favorecem o aparecimento de doenças. Me preocupo com o futuro dos meus filhos por conta disso — afirma a moradora de Betim.
'Minha renda caiu quase pela metade'
A pescadora Silvana Paraíso — Foto: Arquivo Pessoal
O rompimento da barragem impactou tanto o trabalho quanto o psicológico da pescadora Silvana Paraíso. Cinco anos após a tragédia, ela permanece em tratamento com profissionais da saúde, com uso de remédios para controle de ansiedade, e tem renda muito abaixo da que possuía anteriormente.
— Arrecado mensalmente aproximadamente metade do que conseguia antes do rompimento da barragem. Trabalho com pesca há 30 anos e o peixe hoje não tem preço, pelo medo dos moradores de que ele esteja contaminado. Se você quiser vender, precisa ser abaixo do que era cobrado — relata.
'Situação é caótica, e a vulnerabilidade aumentou'
Tatiane Mendes (à direita) participa de protesto pelas condições de vida dos moradores afetados pelo rompimento da barragem — Foto: Arquivo Pessoal
Tatiane Mendes, que morava a 200 quilômetros da mina, ouviu pela televisão que o problema poderia atingir uma região muito maior do que Brumadinho. Ela não imaginaria, porém, que a água barrenta chegaria na área de sua plantação, no assentamento rural Queima Fogo, em Pompéu (MG). Sem condições de manter sua produção, ela hoje vive no centro urbano e vive do auxílio financeiro que a Vale precisa pagar.
— A situação continua caótica já que o estado de vulnerabilidade das famílias aumentou. A população na região de Pompéu diminuiu em cerca de 40% porque muitos venderam suas terras. Algumas comunidades continuam consumindo os peixes, por falta de alternativa, e estão adoecendo. Tem pescados com problema renal — disse Tatiane.
'Não fomos nós os criminosos, mas somos tratados como'
Marilei Aparecida Alves teve queda no faturamento de sua loja após o rompimento da barragem — Foto: Arquivo Pessoal
A loja de artigos de pesca de Marilei Aparecida Alves, no Shopping das Minhocas, teve uma perda grande nas vendas após o desastre ambiental. Com a queda no número de clientes, a moradora de Caetanópolis precisou fechar sua outra loja e demitir cinco funcionárias. Além de lutar pelas reparações socioambientais, a descendente do Quilombo da Pontinha organizou uma cooperativa feminina entre as vendedoras do shopping que existe há 101 anos para ajudar àquelas que não tem renda.
— Unimos o fornecimento de todas e assim vendemos suco, café, doces, queijo. Trabalhamos em cadeia — afirmou Marilei, que viu muitos vizinhos adoecerem por causa das necessidades. — Perdi cerca de 70% do meu faturamento. Hoje sou só eu e meu companheiro, trabalho dia e noite e também vendo lanches para complementar a renda. A gente vivia muito bem. Não fomos nós os criminosos, mas somos tratados como.
Fonte: O GLOBO
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