Com país à beira de um ataque de nervos, Argentina tem jogo crucial na Copa

Com país à beira de um ataque de nervos, Argentina tem jogo crucial na Copa

Além do risco de eliminação precoce, há receio de que mau desempenho contra o México neste sábado aprofunde clima de mal-estar social entre a população

Porto Velho, RO
- O resultado da partida de hoje da seleção argentina contra o México, às 16h, em Lusail, não definirá apenas as chances de o país ganhar uma vaga nas oitavas da Copa. Muito mais está em jogo, e o governo do presidente Alberto Fernández sabe disso. Em conversas informais, dirigentes peronistas admitem a diplomatas estrangeiros o receio de que um mau desempenho no Mundial possa aprofundar o clima de mal-estar social e até mesmo desencadear protestos por uma situação econômica asfixiante, com uma das inflações mais altas do mundo.

As pressões sobre o time de Messi são enormes. Na Argentina, antes da inesperada derrota para a Arábia Saudita, se instalara a ideia de que a seleção era uma das favoritas ao título. O fato de ser a última Copa do camisa 10 também havia aumentado o otimismo na conquista do tricampeonato, que daria uma alegria em meio ao mar de problemas com os quais os argentinos convivem — até conseguir figurinhas do álbum da Copa é complicado.

Antes da trágica estreia, a ministra do Trabalho argentina, Raquel Kismer de Olmos, fez uma brincadeira que pegou muito mal num país onde a escalada de preços virou pesadelo:

— Depois continuamos trabalhando com a inflação, mas primeiro que a Argentina ganhe. Temos de trabalhar o tempo todo pela inflação, mas um mês nas nossas vidas não fará diferença e, em contrapartida, do ponto de vista anímico, pensando no que isso (vencer a Copa) significa para a maioria, queremos a Argentina campeã — disse a ministra.

Nas ruas de Buenos Aires, o ânimo que tanto preocupa o governo está em baixa. Na famosa Rua Florida, no centro da capital, o ambulante Francisco Gutiérrez reduziu o preço dos bonés com o logo da seleção, mas, mesmo assim, as vendas seguiram em queda após a derrota na estreia.

— Estou disposto a baixar ainda mais — desabafa o vendedor.

Num país onde tudo aumenta de preço, sua estratégia de vendas está na contramão de grande maioria dos comerciantes.

Os bares portenhos se preparam para receber os torcedores que mantêm esperanças numa volta por cima da seleção. Imagens de Messi se misturam às de Maradona, cuja morte completou dois anos ontem. Quem conhece bem a relação entre argentinos e futebol desconfia de que o resultado de hoje pode ter consequências além das esportivas, como temem peronistas.

— O mal-estar social pode piorar — diz Joaquim Pereyra, empresário do futebol, que vê uma diferença essencial entre brasileiros e argentinos.

— Para nós, o futebol é uma religião, temos um clube em cada bairro de Buenos Aires. Para os brasileiros, é um espetáculo — diz ele.

Joaquim conhece bem o Brasil, seu destino frequente, entre outros motivos, para acompanhar a carreira de Fausto Vera, do Corinthians. Na última sexta-feira, ambos se reuniram com o embaixador argentino no Brasil, Daniel Scioli, em Buenos Aires, e o assunto Copa do Mundo obviamente não podia faltar. Todos analisaram o jogo contra a Arábia Saudita com frieza e concluíram que esta Copa está sendo bem diferente do que muitos argentinos imaginavam. O favoritismo inicial perdeu força e restou a confiança de que a seleção conseguirá superar o primeiro tropeço, mas sem arrogância e com a clara consciência de que nada será tão fácil como dava a entender.

Receio do pior


O treinador da Argentina, Lionel Scaloni, conversa com Messi no treino de véspera da partida contra o México — Foto: Juan Mabromata / AFP

De acordo com pesquisa divulgada pelo jornal Perfil, 71% dos argentinos acreditam que o resultado da seleção na Copa não afetará o governo de Fernández e Cristina Kirchner em 2023, quando o país terá eleições presidenciais. Só 12% dos entrevistados creem que o desempenho no Catar influa no pleito.

A História confirma a tendência apontada pela maioria. Em 1987, um ano depois de o país conquistar a Copa no México com Diego Maradona brilhando, o governo do presidente Raúl Alfonsín (1983-1989) sofreu um revés nas eleições legislativas de meio do ano. A lembrança circula entre peronistas que temem o pior em termos de futebol.

Nas últimas semanas, o governo de Alberto Fernández aprovou um aumento de 20% do salário mínimo, 15,62% para aposentadorias mínimas e 40% para programas de alimentação. A sucessão de medidas confirma o medo de um fim de ano conturbado, como já aconteceu muitas vezes nas últimas décadas.

Dezembro costuma ser um mês difícil na Argentina (nesse mês em 2001 o país teve cinco presidentes em uma semana), e a Casa Rosada sabe que este ano não teria por que ser diferente. Ficar fora da Copa não está nos planos de um governo enfraquecido e que não tem apresentado soluções para os principais problemas do país.

Um dos memes que circularam esta semana em grupos de WhatsApp reflete este delicado panorama: “Se vocês estão mal por causa de um jogo… imagem o governo, cujo único plano é que a Argentina ganhe a Copa”.


Fonte: O GLOBO

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