Venda do Twitter alerta para importância de leis para regular ‘big techs’

Venda do Twitter alerta para importância de leis para regular ‘big techs’

Brasil ainda não tem legislação deste tipo, o que amplia riscos. Europa avisa Musk: ‘o pássaro terá que voar sob nossas regras’

Porto Velho, RO -
Diante de possíveis mudanças na política de moderação de conteúdo do Twitter após a compra da companhia por Elon Musk — que se diz contra banimento permanente de usuários, por exemplo —, cresce o debate sobre a importância de regulações específicas para plataformas digitais. A Europa corre na frente.

No Brasil, pela ausência de uma legislação desse tipo, os riscos em caso de mudança nas regras do Twitter permitindo propagação de desinformação e conteúdo de ódio são maiores, dizem especialistas.

Na sexta-feira, o comissário para o Mercado Interno da União Europeia (UE), Thierry Breton, alertou o Twitter de que, para operar na região, deverá seguir as regras que regem as grandes plataformas digitais no bloco. Afirmou num tuíte que “na Europa, o pássaro voará de acordo com as nossas regras”.

Foi uma resposta ao tuíte de Musk, que escreveu em sua conta na rede social que “o pássaro é livre”

O símbolo do Twitter é um pássaro azul.Sydney Sanches, presidente da Comissão de Direito Autoral da OAB Nacional, destaca que o esforço crescente em regulação de conteúdo nas grandes plataformas digitais foca na preservação de um amplo conceito de Direitos Humanos, porque há efeito dessas redes na estrutura da sociedade:

— Há uma diferença entre quatro pessoas conversando numa mesa de bar de quando se entrega a uma pessoa milhões de acessos (numa rede social), criando o atual problema das democracias, que estão sendo corroídas por dentro.

Isso vai abrindo espaço, como disse (o escritor Giuliano da) Empoli, para uma espécie de paraestado atuar dentro do Estado, ocupando espaços de poder para propagar essa agenda de extrema direita. E as grandes plataformas digitais são as maiores responsáveis por essa debilidade da democracia.

O que se entendia por uso do espaço público para exposição de ideias, hoje, continua ele, se dá de forma “extensiva e alarmante” nas redes sociais.

'O pássaro é livre', diz Musk após a compra do Twitter — Foto: Bloomberg

— E com um agravante: elas utilizam um algoritmo que vai entregando cada vez mais aquilo que o usuário quer ler e ouvir. Por isso, a nova regulação europeia vem com a preocupação de ter transparência (do funcionamento) desses algoritmos. As big techs são conglomerados transnacionais, não são apenas um negócio. Alteram a vida e as escolhas das pessoas, impactam os países — frisa o advogado.

Motor de intolerância

Para ele, o instrumento principal para que o atual nível de intolerância persista são as redes sociais. E afirma que é necessário contar com uma regulação específica para essas plataformas, adequada à cultura e à realidade das diversas localidades, capaz de determinar obrigações e penalidades, a exemplo do que está sendo feito na Europa:

— O Brasil não tem isso ainda. O que temos é o projeto de lei 2630/2020, que não é perfeito, mas tenta um caminho de regulação e de transferência de responsabilidade para as plataformas pelo conteúdo que propagam. 

O que temos hoje é o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) atuando com uma dificuldade enorme para inibir o fluxo de fake news nas eleições. Se não temos mecanismos, fica um ambiente fértil para essa política do Musk.

No Brasil, a legislação em vigor é o Marco Civil da Internet, de 2014, que aborda a questão da moderação de conteúdo em seu artigo 19, lembra Ricardo Campos, diretor do Legal Grounds Institute:

— O artigo 19 determina que a palavra final sobre o que é ou não lícito nas plataformas é sempre do judiciário, pois essas empresas não podem ser responsabilizadas por conteúdo de terceiros se não descumprirem decisão judicial de remoção. 

Elas são livres para adotarem suas regras e suas operações de moderação de conteúdo, mas não serão obrigadas a indenizar por não atenderem a demanda extrajudicial de um usuário.

Em seu tuíte, Breton, da UE, mencionou a Lei de Serviços Digitais (DSA, na sigla em inglês), como um dos projetos de lei com os quais o bloco busca regular o funcionamento das plataformas de internet. O texto foi publicado esta semana, e a maior parte das cláusulas entra em vigor em 2024.

Efeito da Europa no mundo

Na União Europeia, Campos diz que já se percebe maior regulamentação em moderação de conteúdo, citando a aprovação da DSA. A legislação tem como complemento a Lei dos Mercados Digitais (DMA, na sigla em inglês), como via para a UE “pôr fim aos abusos de poder dos gigantes do setor”.

— Espera-se que a DSA tenha reflexos diretos em legislações e na atuação das plataformas em todo o mundo. Inclusive, no Brasil, o PL 2630/2020, que dispõe sobre a responsabilidade e transparência na internet, já busca algumas inspirações no texto do novo regulamento europeu — frisa Campos.

 — Por enquanto, o que temos é o Marco Civil da Internet. Mas muito provavelmente, no futuro, veremos uma maior rigidez no controle das plataformas no país.

A posição de Musk sobre moderação de conteúdo também tem de ser lida considerando a jurisdição do empresário, diz o especialista. É que nos Estados Unidos, a liberdade de expressão é “tida como um valor virtualmente absoluto, em razão da primeira emenda à Constituição”. E a Seção 230 da Lei de Decência das Comunicações determina que a moderação de conteúdo é “aplicável somente em casos excepcionais”.


Fonte: O GLOBO

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