Movimento jurídico ultraconservador se prepara há 40 anos para proibir aborto nos EUA

Movimento jurídico ultraconservador se prepara há 40 anos para proibir aborto nos EUA

Senadora democrata diz que invalidar decisão Roe vs. Wade, de 1973, pode derrubar 'toda uma gama de outros direitos' adquiridos desde então

Porto Velho, RO - Em maio de 1987, o procurador-geral Edwin Meese viajou para St. Louis e falou diante de um grupo de membros do clero contrários ao aborto. Denunciando Roe vs. Wade, a decisão da Suprema Corte de 1973 que legalizou o procedimento em todo o país, Meese disse a eles que via motivos para esperar que “em nossas vidas” isso fosse jogado no “montão de cinzas da história jurídica”.

Trinta e cinco anos depois, um rascunho vazado sugere que a maioria conservadora da Suprema Corte está prestes a derrubar Roe vs. Wade, permitindo que os estados proíbam o aborto. Os progressistas podem estar horrorizados, mas para o movimento jurídico conservador, do qual Meese foi uma figura inicial chave, um momento de triunfo há muito esperado parece estar próximo.

— Isso parecerá uma tremenda justificativa para o movimento jurídico conservador — disse Mary Ziegler, professora visitante da Harvard Law School e autora de vários livros sobre o movimento antiaborto e sobre política. — O movimento vai além de Roe v. Wade, mas anular essa decisão tornou-se a preocupação do movimento e um teste de seu sucesso.

Se a Suprema Corte emitir uma opinião final que se pareça muito com o rascunho vazado, uma questão que o momento trará à tona é: o que o bloco conservador fará a seguir com seu controle sobre o Judiciário? De imediato, por exemplo, o tribunal decidiu ouvir um caso, em seu próximo mandato, que lhe dará a oportunidade de reduzir ações afirmativas baseadas em raça nas admissões de faculdades.

A facção progressista dentro do movimento quer coibir o poder do estado administrativo que cresceu durante o New Deal [série de programas implementados nos EUA entre 1933 e 1937, sob o governo de Franklin Roosevelt, para recuperar e reformar a economia], limitando a autoridade das agências reguladoras.

Já a facção conservadora cultural está focada na liberdade religiosa e nos limites dos direitos dos americanos que são lésbicas, gays, bissexuais ou transgêneros — incluindo o descontentamento persistente com uma decisão de 2015 que declara o casamento entre pessoas do mesmo sexo um direito constitucional.

A senadora Elizabeth Warren, de Massachusetts, estava entre os democratas que expressaram preocupação de que o projeto abriria caminho para que outros precedentes fossem derrubados, citando o caso que proíbe estados de impedirem que casais do mesmo sexo se casem, entre outros.

— [A questão] é terrível porque não tira apenas um pedacinho de Roe vs. Wade — disse Warren. — Ela senta uma picareta na decisão e, ao fazê-lo, abre-se o risco de derrubar toda uma gama de outros direitos dos quais dependemos.

O que vem por aí?

Mas há um amplo consenso de que nenhuma questão alimentou o movimento como o direito ao aborto. Ed Whelan, advogado do Departamento de Justiça do governo George W. Bush e comentarista jurídico conservador, disse que uma vitória há muito esperada pode sinalizar um ponto de virada.

— Se Roe é a cola que manteve o movimento jurídico conservador, o que acontece quando a decisão não estiver mais desempenhando esse papel? — disse Whelan. — Que outras prioridades unificarão o movimento? Não tenho certeza de qual é a resposta para essa pergunta.

O movimento jurídico conservador surgiu da reação a uma série de vitórias progressistas em decisões da Suprema Corte em uma série de questões nas décadas de 1960 e 1970. Pensadores jurídicos conservadores como o futuro juiz do tribunal de apelações Robert H. Bork começaram a argumentar que os juízes estavam usurpando o papel dos legisladores ao interpretar a Constituição como um documento cujo significado poderia evoluir ao longo do tempo, e deveria interpretá-la estritamente com base em seu texto e significado original.

Os liberais responderam que essa abordagem seria uma cobertura para o avanço das próprias preferências políticas dos conservadores. Mas o movimento jurídico conservador começou a ganhar peso político quando os pensadores de elite fundiram sua missão com os eleitores conservadores culturais e religiosos que queriam que o aborto fosse ilegal e ficaram indignados com Roe vs. Wade.

— O movimento conservador legal aconteceu por razões que foram significativamente separadas do aborto, mas o que lhes dá poder no Partido Republicano é sua conexão com esse grande e altamente mobilizado parceiro de coalizão, os conservadores religiosos de base — disse Steven M. Teles, professor de ciências políticas da Universidade Johns Hopkins.


Fonte: O GLOBO

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