Guerra na Ucrânia remodela mercado de petróleo e fortalece parceria de Rússia e China

Guerra na Ucrânia remodela mercado de petróleo e fortalece parceria de Rússia e China

Chineses e indianos aumentam importações de petróleo da Rússia, que pode conseguir amortecer impactos do embargo europeu

Porto Velho, RO - A invasão russa na Ucrânia vem causando rebuliços no mercado internacional de petróleo, que atravessa uma reconfiguração de forças quatro meses após o início do conflito. Impactada pelas sanções ocidentais que miram suas exportações, a Rússia olha cada vez mais para o Oriente, fortalecendo seus laços com a China e a Índia, que podem lhe dar condições para amortecer até mesmo os impactos do do recém-anunciado embargo da União Europeia.

Para comprar da Rússia, a China reduz seus negócios com o Irã que, pressionado por draconianas sanções internacionais, tem grande dependência de Pequim para manter o que resta de sua economia funcionando. A Europa, em paralelo, recorre cada vez mais a importações da África, de quem a Índia cortou quase pela metade as importações entre março e abril.

São as mudanças mais significativas no mercado de petróleo e gás desde a chamada Revolução do Xisto, após a crise econômica de 2007. À época, os Estados Unidos lançaram mão de novas tecnologias de fratura hidráulica e perfuração horizontal para aumentar sua produção de petróleo e gás, diminuindo a dependência de importações e fomentando sua economia. Se esse processo ocorreu ao longo de anos, desta vez as mudanças ocorrem em ritmo mais vertiginoso.

Logo após o início da invasão, em 24 de fevereiro, países como os Estados Unidos, o Reino Unido e Austrália anunciaram boicotes ao petróleo russo. A UE, que tem enorme dependência de Moscou para sua malha energética — em 2020, 29% do petróleo e 43% do gás importados pelo bloco vinham da Rússia —, anunciou um veto parcial na segunda-feira. Os detalhes ainda não foram anunciados, mas o acordo deve levar a uma redução de dois terços nas importações.

Antes disso, ao menos 26 grande refinarias e comercializadoras europeias já haviam suspendido ou sinalizado um abandono gradual do petróleo russo, segundo uma análise da JP Morgan, o que equivale a 2,1 milhões de barris por dia. 

O impacto dos cortes e sanções, contudo, não tem sido tão significativo até o momento: segundo dados da Agência Internacional de Energia, as exportações russas retornaram em abril ao patamar anterior à invasão, ultrapassando 8 milhões de barris diários.

Foco na Ásia

Diante do alto preço do petróleo, a Rússia vende com grandes descontos, abaixo do preço de mercado, mirando os compradores chineses e indianos. No mês passado, a Ásia ultrapassou a Europa e tornou-se pela primeira vez a maior compradora de Moscou, diferença que só deve aumentar em maio. No total, o fluxo marítimo de petróleo para a Ásia aumentou ao menos 50% desde o início do ano.

Segunda maior economia e maior importadora de petróleo do planeta, a China havia pisado no freio na compra do produto russo há pouco mais de um mês. Os temores principais eram dois: que suas empresas ficassem vulneráveis a sanções e que o governo de Xi Jinping demonstrasse apoio demasiado às ações do presidente Vladimir Putin. Desde então, a postura de Pequim vem mudando gradual e silenciosamente, ocupando parte do vácuo deixado pelos países ocidentais.

As importações marítimas de petróleo russo pela China irão chegar a 1,1 milhão de barris por dia em maio — quase um recorde —, em comparação com 750 mil no primeiro trimestre e 800 mil em 2021, segundo uma análise da Vortexa Analytics. 

A aproximação vem também em outros setores: em 2021, Pequim foi responsável por 18% do total do comércio exterior russo, e as trocas registraram alta de 28% no primeiro trimestre, em comparação com o mesmo período do ano passado.

A Índia, por sua vez, terá ao fim de julho importado mais de 30 milhões de barris de petróleo nos últimos três meses, segundo a Kpler, uma empresa especializada na coleta e análise de dados. É mais que o dobro de todo o volume comprado da Rússia em 2021.

Neutralidade estratégica

Tanto Pequim quanto Nova Délhi nunca se posicionaram tão veementemente quanto as nações ocidentais sobre a crise ucraniana. Não há sinais de que nenhum dos dois países tenha apoiado a Rússia em suas operações militares, mas ambos endossam retoricamente Moscou, abstendo-se em votações nos organismos das Nações Unidas para condenar as agressões russas, por exemplo, e defendendo uma solução negociada. Mesmo quando criticam as mortes de civis, evitam apontar culpados.

Como as sanções americanas, europeias e britânicas impedem que os navios cargueiros russos ou de bandeira russa atraquem em vários portos, os compradores recorrem a outras técnicas para a transferência do petróleo. A principal delas é uma operação conhecida como ship-to-ship, ou navio para navio, quando o material é passado de uma embarcação para a outra no mar.

À Reuters, o presidente da Petro-Logistics, empresa que monitora o fluxo de cargueiros, disse que cerca de 400 mil barris por dia são transferidos por dia em operações deste tipo, mais custosas e com maior risco de derramamento. A esta quantia, somam-se outros 2,3 milhões de barris transferidos diretamente.

Quem lidera as compras chinesas são a Unipec, um braço da gigante refinaria Sinopec, e a Zhenhua Oil, parte do conglomerado de defesa Norinco, apontam dados obtidos pela Reuters. Os preços mais baixos oferecidos por Moscou são bem recebidos pelas refinarias chinesas, que veem seus lucros caírem em uma economia que perde fôlego.

Irã escanteado

Quem vem se prejudicando com a intensificação das relações entre Pequim e Moscou é o Irã. Encurralado pelas sanções americanas que foram retomadas após o ex-presidente Donald Trump retirar os EUA do acordo nuclear de 2015, Teerã tem dependência econômica vital de suas vendas para a China, que em março eram estimadas entre 700 mil e 900 mil barris por dia.

Em abril, contudo, o volume viu uma queda aproximada de 200 mil a 250 mil barris diários, segundo a consultoria FGE. Hoje há cerca de 37 milhões de barris em navios cargueiros na Ásia esperando compradores, 15 milhões de barris a mais que no início de abril.

À Reuters, um comprador chinês disse que “ninguém está olhando mais para o petróleo iraniano, pois os produtos russos têm muito mais qualidade e preços muito menores” — por ter maior quantidade de enxofre, o refino do material iraniano é mais caro. Isto, reconhece o comprador, “põe muita pressão sobre os vendedores iranianos”.

O Kremlin, por sua vez, discute negócios com Teerã, confirmou na semana passada o vice-premier russo, Alexander Novak, afirmando que a experiência do país persa com as sanções pode trazer ensinamentos. A República Islâmica, ele disse, pode se tornar um pólo de transporte e logística para as exportações de Moscou, que facilitaria também a comercialização dos bens iranianos.

Já a Europa olha para a África para ocupar o vácuo deixado pela Rússia, aumentando em 17% suas importações de petróleo bruto do continente em comparação com a média vista entre 2018 e 2021. 

Segundo dados da Eikon, cerca de 660 mil barris por dia chegaram ao noroeste europeu em maio, principalmente da Nigéria, da Angola e de Camarões. As importações vindas do Norte da África aumentaram 30% desde maio, de acordo com a Petro-Logistics.


Fonte: O GLOBO

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