Cartel de traficantes paralisa parte da Colômbia em plena campanha à Presidência

Cartel de traficantes paralisa parte da Colômbia em plena campanha à Presidência

Em desafio ao governo de Iván Duque, Clã do Golfo determina suspensão de atividades em regiões e cidades como protesto pela extradição do líder

Porto Velho, RO
— O presidente Iván Duque parecia satisfeito. O Exército acabara de capturar Otoniel, o líder do Clã do Golfo, estrutura paramilitar dedicada ao narcotráfico. Duque até assegurou que a ação marcava "o fim" do grupo armado. 

A realidade, porém, tem sido bem diferente. Somente nos últimos quatro dias, o grupo foi responsável pelo assassinato de 26 pessoas, incluindo dois agentes da polícia. Houve outras 37 tentativas de homicídio contra civis e forças públicas. As imagens mais espetaculares foram produzidas pelos insurgentes, com a queima de 118 carros e a paralisação de 54 linhas de transporte.

Em clara reação ao governo, o Clã do Golfo paralisou algumas partes do país em resposta à extradição de Otoniel para os EUA, no dia 4 de maio. As imagens de lojas fechadas, ruas desertas e carros queimados em muitas partes do país dão uma ideia do enorme poder desse cartel que se financia vendendo drogas para as máfias mexicanas. A Colômbia é o maior país produtor de cocaína do mundo.

Duque levou a questão quase para o lado pessoal. Em uma intervenção na televisão, ele anunciou o aumento da recompensa para Chiquito Malo e Siopas, os dois sucessores de Otoniel. Ele os quer vivos ou mortos. Malo e Siopas comandaram essa ofensiva que, segundo analistas de segurança, demonstra mais uma vez que o Estado não tem controle de parte de seu território.

As áreas mais afetadas estão no Norte do país: Antioquia, Sucre, Córdoba, Chocó, Bolívar e La Guajira. Os habitantes dessas regiões estão acostumados a conviver com essas células criminosas, que cobram pedágios nas rodovias ou impostos sobre empresas. Seu controle ali, principalmente nos corredores por onde passa a droga, é quase absoluto.

O ministro da Defesa, Diego Molano, deu ordem de combate aos criminosos que intimidam a população. A polícia prendeu 92 pessoas envolvidas em tais atos.

A chamada "greve armada" termina nesta segunda-feira, após quatro dias intensos. A Jurisdição Especial para a Paz (JEP), sistema de justiça transnacional que julga os responsáveis por crimes de guerra na Colômbia após o acordo de paz, informou que duas regiões inteiras foram imobilizadas: La Guajira e Chocó. Em 16% dos municípios do país, alguma ação foi perpetrada pelo clã, um número chocante.

Agora, muitos descobriram a capacidade de mobilização de uma organização que ocupa os territórios que controla com três letras: AGC. São as iniciais de outro de seus nomes, Autodefensas Gaitanistas de Colombia, em dúbia homenagem a Jorge Eliécer Gaitán, político de esquerda muito popular assassinado em 1948. Os descendentes de Gaitán pediram ao clã que parasse de usurpar seu nome — como se vê, sem sucesso.

Estreitas colaborações

Otoniel foi preso em outubro de 2021, após intensa perseguição pela selva que faz fronteira com o Panamá. Seus advogados sustentam que foi uma entrega acordada. As autoridades negam e argumentam que foi sua escolta pessoal que o abandonou e o deixou à mercê de seus captores.

Seja como for, a prisão de Otoniel abriu um novo debate na Colômbia. Ele declarou perante a JEP que há fortes laços entre o clã e algumas estruturas do Exército colombiano. Assegurou, ainda sem que isso tenha sido verificado, que seus homens, em aliança com soldados, participaram da matança de civis indefesos e sem qualquer vínculo com a guerrilha para cobrar recompensas do Estado. Depois de matá-los, eles os vestiram como combatentes. Mais de 6.400 pessoas foram mortas nas mãos daqueles que deveriam protegê-las.

Otoniel também revelou estreitas colaborações com um general aposentado, empresários e políticos. O seu testemunho tem de ser colocado em quarentena, mas parece óbvio que, sem essa infiltração nas instituições e no mundo empresarial, o grupo não conseguiria deter um poder tão grande.

Muitas vítimas e políticos da oposição queriam que Otoniel ficasse mais tempo no país para que as autoridades judiciárias pudessem investigar sua declaração. O governo, no entanto, apressou sua extradição, solicitada por um tribunal de Nova York que quer julgá-lo por tráfico de drogas.

Os críticos de sua transferência para os EUA argumentam que sua saída favoreceu algumas estruturas do Estado que não quiseram enfrentar o que o narco-paramilitar disse. Desde 2016, quando foi assinada a paz com os guerrilheiros das Farc, há um anseio de verdade e reparação no país em busca de uma reconciliação nacional que deixe para trás as múltiplas guerras simultâneas que se travam na Colômbia há meio século.

'Desafio ao Estado'

A questão entrou plenamente na campanha da campanha presidencial. O candidato do centro, Sergio Fajardo, atacou duramente a política de segurança do presidente Duque, descrevendo-a como um fracasso.

— A greve armada é um desafio ao Estado. Leva-nos de volta a capítulos que gostaríamos de esquecer em nosso país, mas que estão lá, massacres, criminalidade, intimidação, muitas populações com medo. Isso é uma falha de segurança. É uma falha da liderança do Estado — disse Fajardo.

O favorito nas pesquisas, Gustavo Petro, culpou o ex-presidente Álvaro Uribe por ter promovido pequenas cooperativas de segurança privada que colaboraram com as autoridades durante seu governo. A partir daí surgiram alguns grupos paramilitares que se tornaram incontroláveis.

Uribe respondeu que essas faíscas de violência derivam da paz assinada pelo presidente Juan Manuel Santos, que defende Petro. Por sua vez, Fico Gutiérrez, candidato de direita, disse que é urgente restabelecer a ordem e enviou todo o seu apoio ao Exército e à Polícia.

A AGC emitiu um comunicado, na noite de domingo, anunciando o fim do bloqueio. No texto, que foi distribuído nas redes sociais, asseguram que a sua intenção era demonstrar ao governo a sua capacidade política e militar.

Não é fácil medir o poder e o impacto de uma organização clandestina como esta, mas o certo é que ela não está à beira da extinção. Ou, se foi o caso, escondeu muito bem. Em plena campanha eleitoral, o clã conseguiu captar toda a atenção do país.


Fonte: O GLOBO

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