No Dia Mundial da Saúde, ex-atletas contam como mantêm rotina saudável, sem a pressão do alto rendimento

No Dia Mundial da Saúde, ex-atletas contam como mantêm rotina saudável, sem a pressão do alto rendimento


Cesar Cielo, Fabiana Murer e Flávio Canto não só praticam esportes por prazer como promovem a saúde por meio de projetos sociais, clínicas e atendimentos personalizados

Porto Velho, RO - "Esporte é saúde". A máxima não se refere ao alto rendimento, quando o atleta e a dor são praticamente sinônimos. No Dia Mundial da Saúde, comemorado nesta quinta-feira, ex-atletas (ou quase) contam como têm sido a transição para a prática esportiva apenas como prazer e bem-estar, sem a pressão excessiva por resultados e os treinos até o limite do corpo.

Cesar Cielo, por exemplo, não se considera um ex-nadador, porém está longe das competições internacionais desde o Mundial de 2018, quando conquistou dois bronzes em revezamentos, mesmo com ritmo de treinamento bem mais leve. Hoje, comanda projetos do instituto que leva seu nome em Itajaí (SC) e Valinhos (SP) e não descarta participação em competições locais com seus beneficiados. Afinal, ele explica, a natação é sua essência.

O que mudou? Ele deixou a profissão, que era o alto rendimento, e passou a nadar por prazer:

– A natação para mim é como escovar os dentes. Como não escová-los todos os dias? Não vou parar de fazer algo que me faz bem e que eu gosto. Me transformei neste ser, um cara que é pai, filho, amigo e etc. mas também nadador – diz Cielo, que admite, porém, sentir falta dos desafios. – Para mim, hoje, o esporte é diversão. Tanto na piscina, quanto no beach tenis e no padel. 

Vou para buscar prazer e normalmente é uma competição. Mesmo na batidinha de bola. Quero sentir que estou melhor do que na semana anterior, mas, claro, não treino como antes.

Ele afirma que sua carreira foi estendida ao máximo porque era algo que ele quis. Diz que foi "até onde dava" e que nunca foi "daqueles que param no auge". A chave mudou em 2018 quando percebeu que não queria mais pagar o preço do alto rendimento e que já tinha conquistado tudo o que queria. Foi quando entendeu que "esta profissão já não era mais para mim".

Atleta desde a infância, Cielo também não se imagina com outro biotipo aos 35 anos. Para manter o corpo talhado, além do exercício atividade, ainda que não consiga cair na água com a mesma frequência. Continua a ter uma dieta saudável mas também ataca o chocolate, algo impensável na época áurea.

– Eu não gostaria de ficar completamente fora de forma. Algo natural para os atletas quando param, aqueles dois anos de loucura, 20, 30 quilos a mais... Não vou desandar total. Mexe com a minha personalidade. 

A essência do atleta ainda está dentro de mim – diz o medalhista de ouro olímpico, recordista e tricampeão mundial nos 50m livre, homem mais rápido da história nos 100m livre e atleta brasileiro com mais medalhas em Campeonatos Mundiais.

–Quero que as crianças pensem que me matei no alto rendimento porque tinha um sonho e batalhei como um doido para isso. Mas fiz porque gostava e continuo fazendo, só que de outra maneira.

Canto, que mora no Rio de Janeiro, pratica mais modalidades do que antigamente: natação, corrida, kite surfe, judô, jiu-jistu e surfe. Além de meditação e yoga. Foto: PABLO JACOB / Agência O Globo

Pique para uma trilha

Há ex-atletas, porém, que colocam a saúde na frente do lazer. A ex-saltadora Fabiana Murer, de 41 anos, dona de quatro medalhas em Mundiais e duas em edições da Diamond League, sente falta de ficar de cabeça para baixo, de ter a sensação de voar, impulsionada pela vara. 

A ex-atleta se aposentou do alto rendimento em 2016 mas continua a treinar com afinco. Faz, inclusive, muitos dos exercícios que aprendeu ao longo da carreira. E hoje trabalha como fisioterapeuta, com foco em postura e prevenção.

– O alto rendimento não é sinônimo de saúde, mas o esporte é. E gosto de fazer esporte desde pequena. Comecei na ginástica artística aos 7. A criança introduzida ao esporte leva isso ao longo da vida – opina Murer, que não sente falta da rotina exaustiva e dos treinos massacrantes da época das competições. – Ficava cansada, muitas vezes frustrada... mas gostava de estar lá. 

As memórias boas ajudam a se manter no esporte. Muita gente tem mais memórias sofridas e abandonam. Não consigo mais saltar com vara, precisaria de treino. Nunca fui forte e veloz e tinha de treinar bastante para o alto rendimento. Sinto falta, mas ficou a lembrança. Sei que nunca mais sentirei isso.

Murer, mãe de Manuela, de 4 anos, conta que não tem mais a rotina de antes mas sempre arruma um tempinho para seus exercícios. Diz que "o corpo pede". Treinou durante toda a gravidez, incluindo corridas longas (até o sétimo mês), e doze dias após o parto, estava de volta aos exercícios. Acredita que sua vida atlética lhe permitiu conhecer os limites do corpo, lhe apresentou exercícios e formas de treino, além, é claro, do prazer ao executá-los e de subir no pódio.

– Meu corpo tem essa memória e tenho facilidade para me manter em forma. Hoje em dia eu treino para ter qualidade de vida, para ser saudável, manter mobilidade e força, para fazer as coisas que eu gosto. Estou preparada para uma trilha difícil em qualquer viagem que eu faça.

ES São Paulo ( SP ) 05/04/2022 Ex-saltadora Fabiana Murer, dona de quatro medalhas em Mundiais indoor e outdoor, três medalhas em Jogos Pan-Americanos e em duas edições da Diamond League.Foto: Edilson Dantas / O Globo Foto: Edilson Dantas / Agência O Globo

Ela conta que a intensidade mudou. Se antes fazia agachamento com 140 quilos, hoje coloca 80. Além da musculação, manteve exercícios de ginástica e funcional e incluiu corridas longas e aulas de tênis. Ela costuma se exercitar na clínica Insport, em São Paulo, local criado por ela, pelo marido e treinador Elson Miranda e alguns colegas. 

Ela se formou em fisioterapeuta pela UniABC, em Santo André, em 2004, antes mesmo de viajar o mundo com o salto com vara.

– Os exercícios que passo aos alunos são os que eu fazia quando atleta e que me fizeram bem, principalmente para postura, fortalecimento e para evitar lesões. Mas sem exageros. Isso não quer dizer que eu não ache que as pessoas tenham de se manter na zona de conforto. Pode puxar um pouco mais, pode ter um desafio.

Mudança tranquila

Psicóloga do esporte e maratonista, Vanessa Protasio, de 68 anos, explica que o processo de transição é muito individual e depende, sobretudo, da relação do atleta com o esporte. Aqueles com perfil desafiador e com envolvimento profundo com a modalidade estão mais propensos a se manterem ativos no pós-carreira.

– Eles têm as ferramentas que aprenderam a usar no alto rendimento e serão importantes na transição, como disciplina, equilíbrio, boa alimentação. Mas vão adaptar a um novo modelo. Podem continuar no mesmo esporte mas agora não de alto rendimento e sim de alta felicidade –encerra Protasio, que é colaboradora da Maratona do Rio.

RI - Rio de Janeiro. ( RJ) - 02/08/2019 - O que se faz no inverno do Rio. Atleta Flavio Canto. Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo Foto: Hermes de Paula / Agência O Globo

Há 10 anos, o ex-judoca Flávio Canto, de 46 anos, bronze nos Jogos de Atenas, parou de competir no alto rendimento. A sua transição foi tranquila, pois o esporte, de uma forma geral, sempre fez parte do seu dia a dia desde a infância.

Hoje, pratica mais modalidades do que antigamente, inclusive: natação, corrida, kite surfe, judô, jiu-jistu e surfe. Além de meditação e yoga. O campeão pan-americano ainda pretende inserir o ciclismo nessa rotina proporcionada, sobretudo, por morar no Rio de Janeiro, uma cidade propícia aos esportes ao ar livre.

Mas ele sabe que não é assim para todo ex-atleta. Alguns simplesmente não querem mais praticar nada após anos de abnegação.

– No judô, sofremos muito ao longo da carreira para nos manter dentro do peso nas competições. Brinco que a maioria quando para vai para a churrascaria. Eu, quando tinha 18 anos, mudei de categoria para não passar a vida inteira viajando o mundo e sofrendo.

Ele conta que a primeira sensação que teve após três semanas da aoposentadoria foi a de que não tinha nenhuma dor. E olha que sempre conviveu com ela.

Hoje, Canto, não apenas pratica esporte como os estimula esporte em vários projetos, como o Instituto Reação, de judô, programas para o desenvolvimento da educação física em escolas privadas e públicas e aplicativo de bem-estar.


Fonte: O GLOBO

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