Martín Fernandez: a norueguesa que lembrou um assunto desconfortável para Fifa e Catar

Martín Fernandez: a norueguesa que lembrou um assunto desconfortável para Fifa e Catar

Lise Klaveness criticou a maneira como mulheres e gays são tratados no Catar e instou a Fifa a cuidar dos trabalhadores que se feriram

Porto Velho, RO - Aos 13 anos, Lise não desgrudava da bola de futebol. Uma bola laranja, para jogar nos campos de neve da Noruega, da qual não se separava nem para dormir. “A bola cheirava tão mal que meu gato fugia do travesseiro”. 

Aos 22, jogou sua primeira Copa do Mundo. Aos 24, fez dois gols na campanha que levou as norueguesas ao vice-campeonato europeu. Aos 26, disputou mais uma Copa — em que ajudou sua seleção a chegar até a semifinal.

Depois de 73 convocações em dez anos de carreira como meia e atacante, parou de jogar e iniciou uma bem sucedida carreira na área jurídica: foi juíza num tribunal em Oslo, trabalhou no Banco Central da Noruega. 

No último dia 7 de março, foi a primeira mulher da história eleita para comandar a Federação de Futebol do país. Ao assumir o cargo, afirmou: “É importante não apenas estar pronta para ouvir, mas também para liderar”.

Menos de um mês depois, durante o Congresso da Fifa, ontem, na véspera do sorteio para a Copa do Catar, Lise Klaveness provou que falava sério. Diante de uma plateia formada por quase 600 dirigentes de futebol, quase todos homens, e tendo como palco a capital do país-sede da próxima Copa do Mundo, ela discursou de maneira contundente durante seis minutos.

“Quando eu trabalhava como advogada e como juíza, muitas vezes o futebol era o único assunto sobre o qual eu podia falar com um cliente ou um acusado de crimes graves. Em tempos de desespero, o futebol pode ser o único idioma comum. Nosso jogo pode inspirar sonhos e derrubar barreiras.”

Lise lembrou um assunto desconfortável para Fifa e Catar — o conturbado processo de escolha, em 2010, da sede do Mundial de 2022. Criticou a maneira como mulheres e gays são tratados no país. Instou a Fifa a cuidar dos trabalhadores que se feriram e dos familiares daqueles que morreram nas obras para a competição. 

Lembrou que o país sede da última Copa do Mundo acaba de invadir brutalmente um outra nação que é membro da Fifa — e que a entidade inicialmente hesitou em agir para suspender a Rússia.

Num ambiente em que ex-jogadores são vistos com mais frequência endossando do que contestando as narrativas oficiais — o que não é demérito, é apenas uma constatação — o discurso de Lise Klaveness, ela própria uma ex-jogadora, com duas Copas no currículo, ganhou outra dimensão.

As ressalvas feitas à organização do Mundial de 2022 não são inéditas, mas certamente nunca haviam sido feitas de modo tão assertivo na presença do presidente da Fifa e das autoridades do Catar — que aliás responderam imediatamente, também de maneira firme e respeitosa.

Para além das críticas pontuais, a menina da bola laranja, como Lise Klaveness se apresentou, deu duas boas contribuições às discussões em curso sobre o futuro do futebol.

Primeiro, uma lição: “Muitas vezes me perguntam como é trabalhar num mundo de homens. Eu sempre respondo: não trabalho num mundo de homens. O futebol pertence a todas as meninas e a todos os meninos do mundo.”

Depois, uma preocupação: “Temo que nossos estádios fiquem vazios no futuro se ignorarmos a urgência do momento atual.”


Fonte: O GLOBO 

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