Inflação, alimentada pela guerra, provoca queda da popularidade de Biden em ano eleitoral

Inflação, alimentada pela guerra, provoca queda da popularidade de Biden em ano eleitoral

Taxa anual chegou a 8,5% em março, a maior desde dezembro de 1981, e pode significar derrota democrata na eleição legislativa de novembro

Porto Velho, RO - A cerca de sete meses de eleições que podem moldar o restante de seu mandato, o presidente americano Joe Biden se vê em um momento crítico: no exterior, a guerra da Ucrânia testa sua capacidade de liderança no cenário internacional; dentro do país, apesar da economia em recuperação e o desemprego em queda livre, a inflação chegou ao maior patamar em décadas, resultado também do conflito no Leste Europeu.

Os resultados são taxas de aprovação em torno dos 40%, comparáveis apenas às de presidentes impopulares e que governaram os EUA por apenas um mandato, e o risco dos democratas perderem o controle de ao menos uma das Casas do Congresso em novembro.
Em março, o Índice de Preços ao Consumidor, principal indicador inflacionário dos EUA, registrou uma taxa anual de 8,5% — a maior desde dezembro de 1981 — e de 1,2% em relação a fevereiro, segundo analistas, sob forte impacto do aumento dos combustíveis. No caso da inflação do atacado, a alta em termos anuais chegou a 11,2%, confirmando uma sequência de três meses com o índice acima dos 10%.

Antes mesmo da divulgação dos números, a Casa Branca já esperava um resultado negativo, e foi rápida em apontar um “culpado”: Vladimir Putin.

— Desde que a concentração militar do presidente Putin [na fronteira com a Ucrânia] teve início em janeiro, os preços médios da gasolina aumentaram mais de US$ 0,80 [por galão, 3,8 litros] — disse, na segunda-feira, a secretária de Imprensa, Jen Psaki. — Boa parte do aumento ocorreu no mês de março e, de forma geral, os preços da gasolina estão US$ 1 acima dos vistos antes do início da invasão.

Na terça-feira, Biden reforçou a ideia de que a inflação está diretamente ligada às ações do presidente russo, no que parece ser uma estratégia dos democratas para abafar o impacto do aumento dos preços entre os eleitores.

— A invasão da Ucrânia elevou os preços da gasolina e de alimentos ao redor do mundo, os maiores produtores de alimentos do mundo, China, Ucrânia e Rússia, não estão produzindo em níveis normais, então tudo está aumentando — afirmou Biden, em discurso em Iowa.

Contudo, nem toda a “conta” da inflação pode ser creditada ao líder russo. Antes mesmo do início da invasão, os preços nos EUA já estavam em disparada — em janeiro, o índice foi o mais alto desde 1982, reproduzindo uma tendência vista ao longo de 2021.

Para analistas, esse aumento é resultado da retomada da demanda global após a suspensão da maior parte das restrições ligadas à pandemia, quebras em cadeias de suprimento, especialmente as relacionadas à China, e fatores sazonais. Há ainda a pressão inflacionária em setores como os de serviços e de moradia, que não estão exatamente relacionados à guerra.

Com isso, o impacto sobre o governo Biden foi inevitável.

— Em questões políticas, nada é mais importante [que a alta de preços] — afirmou à AFP Charlie Cook, fundador do site Cook Political Report.

De acordo com o site de análises políticas Five Thirty Eight, a aprovação média de Joe Biden no cargo é de 41,8%, enquanto seu governo é desaprovado por 52,4%. Em comparação com governos passados, os números são similares aos de presidentes como Gerald Ford (1974-1977), Jimmy Carter (1977-1981) e seu antecessor, Donald Trump (2017-2021). Em comum, são três líderes que ficaram na Casa Branca por apenas um mandato.

A pesquisa mais recente, divulgada na terça-feira pela agência Reuters e o Instituto Ipsos, põe a aprovação do presidente em 41%, contra 53% que desaprovam sua gestão.

Batalha eleitoral

Embora a eleição presidencial ainda esteja distante, em 2024, o presidente enfrentará o que promete ser uma difícil disputa pelo controle do Congresso: em novembro, todas as 435 cadeiras da Câmara e 35 das 100 cadeiras do Senado estarão em jogo. 

Segundo projeções, o Partido Democrata corre o risco de perder o controle de uma ou mesmo das duas Casas, o que pode atrapalhar a implementação de planos de Biden para o restante de seu governo.

Por isso, o combate à inflação é tema central: afinal, se os preços continuarem em alta, os fatos positivos que os governistas têm para apresentar, como a forte queda no desemprego e o papel dos EUA em mobilizar seus aliados contra a Rússia, serão deixados de lado pelos eleitores.

— Com o tempo, o mercado de trabalho em ebulição deveria ser uma vantagem para o presidente — afirma Cook. — Mas neste momento as pessoas não fazem essa conexão, e a inflação é parte do problema.

Uma das ferramentas usadas para controlar o avanço dos preços é o aumento da taxa de juros: em março, o Federal Reserve (Banco Central americano) elevou a taxa pela primeira vez desde 2018, e economistas apostam em ajustes mais agressivos em maio e junho: segundo um grupo de 100 economistas ouvidos pela Reuters, o índice deve chegar a até 2,25% no final do ano. Mas alguns aliados do presidente acreditam que a Casa Branca demorou demais.

— O Fed e o governo não conseguiram agir rápido o suficiente, e os dados de hoje [terça-feira] são uma imagem das consequências sentidas ao redor do país — afirmou o senador democrata Joe Manchin ao Financial Times. Para ele, é um “desserviço ao povo americano tratar a inflação como um fenômeno novo”.

No caso dos preços dos combustíveis, espécie de símbolo da alta da inflação, o governo anunciou a liberação de um milhão de barris de petróleo por dia das reservas estratégicas, como forma de amenizar a alta global dos preços e a decisão da Casa Branca de suspender as importações da Rússia.

Na terça-feira, Biden anunciou planos de incrementar a venda de gasolina misturada com etanol, algo que poderia levar a uma queda de até US$ 0,10 no preço do galão neste tipo de combustível.

— Isso não vai resolver todos nossos problemas, mas vai ajudar algumas pessoas. Estou disposto a fazer o que puder para ajudar, mesmo que isso signifique um ou dois dólares no bolso quando for encher o tanque. Isso faz a diferença na vida das pessoas — disse Biden. — Seu orçamento familiar, sua capacidade de encher o tanque, isso não pode ser afetado pela decisão de um ditador declarar guerra e cometer genocídio a meio mundo de distância.

De acordo com economistas, a inflação deve reduzir o ritmo de alta em alguns meses, mas já pode ser tarde demais para Biden.

— Vamos ver uma redução significativa da inflação antes que a votação seja iniciada, em meados de setembro e outubro? Não creio que seja algo realista — concluiu Cook.


Fonte: O GLOBO

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