Embaixador da UE defende adesão do Brasil a sanções contra Rússia: 'Essa não é só uma guerra europeia'

Embaixador da UE defende adesão do Brasil a sanções contra Rússia: 'Essa não é só uma guerra europeia'

No entanto, Ignacio Ybañez, representante da União Europeia em Brasília, diz que posição do Brasil não afetará acordo com Mercosul, no qual o mais importante é o fim do desmatamento

Porto Velho, RO — Diretamente afetada pela guerra na Ucrânia, a União Europeia (UE) não se conforma com a não adesão do Brasil às sanções econômicas contra a Rússia.  

Por mais que essas medidas tenham sido descartadas pelo Palácio do Planalto e o Itamaraty, sob o argumento de que, como não é previsto na legislação do país, esse mecanismo precisaria ser aprovado pelo Conselho de Segurança da ONU, os europeus continuarão tentando convencer não apenas o governo, mas a opinião pública brasileira, incluindo partidos da oposição e representantes da sociedade civil, a mudar de opinião.

Em entrevista ao GLOBO, o representante da UE em Brasília, Ignacio Ybañez, afirma que o bloco europeu reconhece que essa linha da diplomacia brasileira é histórica, mas pode ser revista neste momento de crise. Ybañez, que chegou ao Brasil em 17 de julho de 2019, ressalta que as sanções são o único caminho para evitar uma nova guerra mundial.

Ele também fala sobre o papel da China na resolução do conflito, na urgência de se concretizar o sonho de um sistema de defesa europeu e no que chamou de "unidade transatlântica" entre União Europeia e Estados Unidos.

Em uma reunião virtual com os presidentes do Conselho Europeu e da Comissão Europeia, Charles Michel e Ursula von der Leven, o presidente chinês Xi Jinpinp disse que as negociações de paz são a única forma de evitar uma escalada de tensões, em vez de “jogar lenha na fogueira”. Ele criticou as sanções contra a Rússia e afirmou que a solução é levar em conta as preocupações “legítimas” de segurança de todas as partes. Qual a sua opinião?

Em grandes linhas concordamos com ele. Para nós, a via da negociação é e continua a ser a única via. O problema é quando há regras estabelecidas que precisam ser cumpridas pelos parceiros internacionais e um deles, que é membro permanente do Conselho de Segurança, que é a Rússia, descumpre essas regras e invade o território do vizinho, que tem menos capacidade de defesa. 

Se voltarmos à situação prévia, ou seja, antes da invasão da Ucrânia e do reconhecimento de territórios ucranianos como independentes, com a Rússia respeitando a soberania da Ucrânia, acreditamos que a negociação é a melhor forma. A China sempre teve um papel importante para nós e continua tendo. É um país que está respeitando de forma clara a legalidade internacional. 

Tanto no Conselho de Segurança, como na Assembleia Geral da ONU, a China vem se abstendo, ou seja, manifesta que não está concordando com a invasão. As lideranças europeias vão continuar conversando com a China, que é parte da solução.


Apesar do esforço conjunto de vários países na aplicação de sanções econômicas contra a Rússia, o presidente Vladimir Putin se mantém firme e a impressão é que a Europa parece ter se consolidado como um foco de instabilidades. O senhor acredita em uma nova guerra mundial?

O projeto europeu surgiu depois de uma guerra terrível, com consequências devastadoras no mundo inteiro. A guerra é destrutiva. A paz e o respeito às regras são o caminho que temos que seguir. Estamos fazendo tudo para evitar um conflito e, se estamos ajudando a Ucrânia a se defender, é porque é a parte débil desse conflito. 

Mas não estamos participando, pois sabemos do risco que isso significa. Se somos parte da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), qualquer confronto com a Rússia teria uma dimensão que é melhor nem pensarmos. As sanções são nossa resposta, porque não queremos chegar a um conflito militar. 

Sabemos que as sanções não têm efeito imediato, mas são apoiadas por parceiros muito importante. Estamos na quarta rodada de sanções e queremos que sejam mais focadas, não queremos prejudicar o povo russo, e sim a liderança russa que tomou esse caminho, assim como o governo da Bielorrússia. 

Não é fácil para nós mesmos, pois significa sacrifícios para a nossa economia, mas quanto mais mostrarmos unidade na comunidade internacional, mais rapidamente elas vão funcionar. O Irã é um exemplo. O governo só se sentou na mesa para negociar, porque as sanções estavam causando danos à economia iraniana.

O presidente francês Emmanuel Macron tem conversado bastante com Putin e criticou uma declaração do americano Joe Biden de que o líder russo deveria deixar o poder. Há divisão entre União Europeia e Estados Unidos sobre que estratégia tomar em relação à guerra?

Estamos muito unidos e vemos isso nos encontros que acontecem em todos os níveis. Logicamente, cada um tem uma forma de apresentar sua visão, mas nesse esforço com as sanções, por exemplo, compreendemos melhor como fazer a Rússia sofrer e evitar uma escalada bélica, por exemplo E temos propostas comuns na ONU. Há uma unidade transatlântica.

Essa guerra reforça o projeto de criação de um plano de defesa europeu?

Sim. Antes da guerra, já exista uma convicção entre diferentes capitais europeias de que era preciso fazer isso no processo de unificação. Os desafios que surgiram com essa guerra reforçam essa ideia. A presidência francesa na União Europeia tem esse elemento como uma de suas prioridades e estamos dando passos importantes. 

A União Europeia se construiu sempre depois de uma crise. Por exemplo, a pandemia da Covid foi um salto importante, com a compra coletiva de vacinas, o que nunca havíamos feito. E no âmbito militar isso vai acontecer, tanto na indústria de armamentos como em projetos de construção conjunta. Vamos dar um passo ainda mais à frente e trabalhar juntos na área de defesa. 

Esse projeto de defesa comum foi uma das primeiras ideias que surgiram no bloco europeu. Não deu certo, mas chegou com muita força. Isso não significa ir contra ninguém, e sim de termos a capacidade de reagir do ponto de vista militar para nossa segurança e do mundo todo.

O chanceler Carlos França e sua equipe já disseram várias vezes que o Brasil não vai aderir às sanções contra a Rússia. Os europeus continuam tentando convencer as autoridades brasileiras a mudarem de opinião?

Estamos muito satisfeitos com a adesão do Brasil em cada uma das importantes votações que aconteceram no Conselho de Segurança e na Assembleia Geral da ONU. Mas sabemos que há uma linha tradicional da diplomacia brasileira, que não é seguida apenas pelo atual governo, mas também por governos anteriores, que explica essa posição contrária às sanções. 

Mas não concordamos com essa linha. Para nós, as sanções têm de ser vistas como um meio para chegar a um fim. E o fim que estamos buscando é o restabelecimento da paz e da legalidade internacional. 

Uma intervenção do Conselho das Nações Unidas na crise, para nós, seria sem dúvida muito bem-vinda. Mas sabemos que, por ser a Rússia um membro permanente do Conselho (com poder de veto), isso não poderá acontecer. 

E sabemos que, se houver um ataque, a Rússia pode responder e começaremos com uma guerra de dimensões realmente inacreditáveis. Queremos ampliar esse grupo de países que aderiram às sanções, e gostaríamos muito que o Brasil estivesse entre eles.

Além da posição histórica contra sanções unilaterais, ou não aprovadas multilateralmente, o Brasil teme reflexos negativos na economia brasileira...

Compreendemos essa preocupação com a agricultura, da qual nós também dependemos, porque compramos produtos brasileiros, que são essenciais para o mundo inteiro e para a segurança alimentar. E também sabemos que há desafios no âmbito dos fertilizantes. Mas podemos dizer que também na Europa temos grandes desafios. 

A nossa energia continua a depender muito da Rússia e estamos fazendo esforços diários para conseguir reduzir essa dependência. Se o Brasil pensa nos efeitos que possam surgir, vamos ajudar. É importante que fique bem claro que reconhecemos cada um dos votos do Brasil na direção que consideramos correta. 

Tivemos reuniões om o Itamaraty em diferentes níveis e vamos continuar esse diálogo com o governo, com os partidos de oposição e a sociedade brasileira em conjunto. Queremos que a opinião pública brasileira compreenda que essa não é só uma guerra europeia e que o desafio que a Rússia está trazendo para o conjunto da comunidade internacional é para cada um de nós. 

Se ficarmos próximos, vamos muito longe. Se a Ucrânia quer estar mais próxima da União Europeia, quem é a Rússia para dizer que não pode? Se a Ucrânia quer fazer uma opção olhando para o futuro da sua população e tem o apoio, através de sua democracia, para fazê-lo, quem é a Rússia?

Como a UE vê a atuação do Brasil no Brics (bloco formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul)?

O Brasil ter sido o único que condenou a invasão russa é importante e temos que reconhecer sua liderança nessa área. Para nós é bom que o Brasil fale com a Rússia no âmbito do Brics e expresse a sua condenação.

Um acordo comercial é uma aposta de dois parceiros, que dizem: acredito em você como meu parceiro comercial e quero desenvolver uma relação baseada na confiança e no respeito mútuo. E o acordo entre Mercosul e União Europeia é precisamente isso. Estamos num momento em que precisamos ter parceiros confiáveis. 

O Brasil é uma grande potência em recursos naturais, não somente no âmbito mineral e energético, mas ainda mais no âmbito agrícola. Logicamente, todos vamos buscar parcerias e ter relações com toda a União Europeia. Por exemplo, buscávamos no passado de forma intensa com a Rússia, continuamos a buscar com a China. 

Mas, se você quer buscar parceiros que compartilhem os valores, compartilhem a história, compartilhem um modelo econômico que querem para os seus cidadãos, esses são a América Latina e a Europa, sem dúvida. 

Nesse momento de crise é importante saber claramente para onde temos de colocar nossos esforços. E eu diria dos dois lados, incrementar a cooperação entre a América Latina e em particular entre o Brasil e a União Europeia. Tem também a candidatura do Brasil à OCDE. 

O Brasil quer ter o mesmo modelo que a OCDE tem, baseado na democracia, na economia de mercado, e no princípio de sustentabilidade. Vamos apoiar os esforços que o Brasil terá de fazer, desde que haja certas mudanças na agenda, como o fim do desmatamento.

A adesão do Brasil às sanções ajudaria o país a entrar na OCDE e a acelerar a ratificação do acordo Mercosul-União Europeia?

A questão das sanções é parte de um diálogo entre parceiros que temos que progredir. Queremos levar ao Brasil a esse convencimento, mas eu não colocaria isso como uma pré-condição para uma relação mais estável, e sim como uma aspiração da União Europeia. 

O único empecilho que temos em relação ao acordo comercial diz respeito ao desmatamento e aos direitos dos povos indígenas. Quando o Brasil começar a realmente converter os seus compromissos em realidade, o acordo vai ter muitíssimas possibilidades de ir adiante.

Há um projeto de lei, que está no Congresso, que permite a exploração de minério em terras indígenas. A medida foi defendida pelo presidente Jair Bolsonaro, ao falar sobre a crise dos fertilizantes. Isso prejudicaria o acordo?

Minhas opiniões, os comentários que a União Europeia faz, são com pleno respeito à soberania parlamentar, à soberania legislativa do Brasil, não entramos no mérito. Mas podemos dizer que algumas propostas que estão a ser consideradas no Parlamento para nós não vão em boa direção. 

São medidas que respondem mais a uma visão do passado que do presente e do futuro. As atividades mineiras têm os direitos já estabelecidos pela própria Constituição brasileira e o Brasil faz parte de convenções internacionais. Há alguns projetos que acompanhamos com preocupação, que vão contra o que a União Europeia considera que é a direção da direção da sustentabilidade.

Com esse conflito no Leste Europeu, é possível deixar de lado ou suspender medidas como as punições à Polônia e à Hungria por violações do Estado de direito? Fundos de recursos retidos poderiam ser liberados, por exemplo?

Os valores são a base do projeto europeu. Se não conseguimos que cada um dos estados membros seja um promotor e defensor dos valores da democracia, dos direitos humanos, de sistemas judiciários que sejam como parte do Estado de direito, estamos colocando dentro do projeto europeu um câncer que vai destruí-lo. 

 Outro dia, ouvi de um colega meu que está na Hungria que o primeiro-ministro [Viktor Orbán] falou que a prioridade é responder a ameaça da Rússia sobre o mundo inteiro. Se a Hungria fala isso, qualquer líder de qualquer outro país diria o mesmo. 

A Rússia está ficando bem isolada e Putin precisa deixar essa carreira suicida. Há explicações que tentam dar nas escolas russas coisas que não são verdadeiras. A palavra guerra tem que ser introduzida no diálogo.


Fonte: O GLOBO

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