Com guerra na Ucrânia, ajuda para emergências humanitárias no Oriente Médio, África e Ásia diminui

Com guerra na Ucrânia, ajuda para emergências humanitárias no Oriente Médio, África e Ásia diminui

Organizações como Médicos Sem Fronteiras fazem apelo por melhor distribuição de doações e contribuições de governos; atenção para conflitos esquecidos ajuda a mitigar violência, alertam

Porto Velho, RO - Uma menina de 12 anos e uma mulher de 50 chegaram mortas ao hospital, depois de um bombardeio que atingiu civis. O ataque feriu pelo menos dez pessoas, incluindo uma mulher grávida e crianças. 

Poderia ter acontecido na Ucrânia, mas foi numa região em conflito que está longe dos holofotes, o Iêmen, há mais de sete anos em guerra. Só em fevereiro, foram 700 ataques aéreos da coalizão liderada pela Arábia Saudita, e o número de mortos e feridos, confirma a organização humanitária Médicos Sem Fronteiras (MSF), tem aumentado.

O mundo está com os olhos direcionados para a invasão russa da Ucrânia, em grande medida pelo risco que o conflito representa para a Europa e seu impacto na geopolítica global. 

ONGs que atuam na Ucrânia, mas também em outras regiões de conflito, alertam para a importância de não abandonar vítimas de guerras em Iêmen, Afeganistão, Etiópia, Síria, República do Congo, Moçambique e Mianmar, entre outros países.

De acordo com dados da ONG britânica Mercy Corps, em 2021 pelo menos 235 milhões de pessoas no mundo precisavam de ajuda humanitária. 

Neste ano, o número já chega a 274 milhões. Como explica Samantha Federici, chefe do escritório de parcerias com o setor privado do Alto Comissariado da ONU para os Refugiados (Acnur), “o chamamento é que para as pessoas olhem também para as outras guerras”.

— O desafio é como aumentar o bolo, não redistribuir o mesmo bolo. Que os novos doadores que estão chegando agora enxerguem também outras guerras — afirma.
Atenção mitiga violência

A preocupação é compartilhada por Ana Lemos, diretora executiva da MSF no Brasil, que já atuou em campo e afirma que “a atenção dada à Ucrânia é compreensível, pela velocidade e dimensão única de uma guerra que já deixou 4 milhões de refugiados. Mas outras crises, ano após ano, continuam existindo”.

— Os conflitos na República do Congo, Sudão do Sul, Iraque, Afeganistão nunca tiveram a atenção e preocupação que merecem. E a atenção, de alguma forma, ajuda a mitigar a violência — aponta Lemos.

Vice-presidente do Mercy Corps, Craig Redmond esteve na semana passada na Ucrânia para conversar com parceiros e planejar as próximas ações da ONG no país e em suas fronteiras, notadamente na Polônia e na Romênia.

— Em menos de um mês, a meta inicial de assistência financeira estabelecida pela ONU para o conflito em solo europeu foi quase 50% atingida. Em comparação, a meta para os demais conflitos em todo o ano 2021 ainda não chegou à metade — pontua Redmond. 

— Apesar de celebrarmos a velocidade com que os doadores estão reagindo à crise na Ucrânia, incluindo a incrível generosidade de pessoas na Europa e nos EUA, registramos a diminuição de fundos e de energia dedicada a outros países enfrentando crises dramáticas, como Iêmen, Síria, Afeganistão e toda a região do Chifre da África.

O americano, que trabalha há 22 anos no Mercy Corps, pontua que os fundos disponíveis para ajuda no momento não são suficientes para aliviar a maior parte das populações em situação de emergência.

— Precisamos de soluções diplomáticas, e as ajudas, cruciais, são, porém, paliativas, não soluções. E em regiões como o Chifre da África, por exemplo, precisamos salvar vidas em risco e ao mesmo tempo direcionar fundos para ajudar comunidades já sofrendo com as mudanças climáticas, que só devem piorar — diz.

A pandemia e os próprios reflexos econômicos da crise da Ucrânia complicam ainda mais o quadro. A Mercy Corps é uma das principais vozes na campanha para que se restaure o compromisso do governo britânico de direcionar 0,7% do PIB à ajuda internacional. 

Redmond também criticou como pouco ambicioso o orçamento do governo Biden para o setor, embora a ajuda de Washington ao Iêmen tenha triplicado este ano em relação a 2021, de US$ 191 milhões para US$ 584 milhões.

— Por outro lado, caiu em um terço a doação de indivíduos. O Iêmen vive hoje uma das piores crises humanitárias do planeta, com 75% da população precisando de ajuda para viver. 

Também nos preocupam as 13 milhões de pessoas famintas no outro lado do Golfo de Áden, no Chifre da África. No meio de tudo isso, algumas áreas estão sofrendo com a pior seca em 40 anos. Não nos parece que a comunidade internacional esteja preparada para ajudá-las — afirma.

A atenção dada pela imprensa e pelos governos ocidentais à Ucrânia, acredita Redmond, “tem afetado o envio de fundos, de indivíduos, governos mais ricos e corporações, para outros países vivendo conflitos terríveis”.

— A cobertura da mídia é essencial para mostrar que o sofrimento em outros países vivendo conflitos armados, guerras civis ou fome não desapareceu. Há crises que potencialmente podem piorar pelos efeitos da invasão russa. 

Nosso foco será justamente o de alertar doadores para a realidade de outras regiões em conflito, inclusive as que já são percebidas como “em crise permanente”, como Afeganistão e Síria — diz.
Necessidades descobertas

No Acnur, a avaliação é de que a guerra na Ucrânia ajudou a disseminar a causa do refúgio. O alto comissário da ONU para os Refugiados, Filippo Grandi, visitou recentemente o Afeganistão e chamou a atenção para as necessidades enormes no país.

A atriz Angelina Jolie, enviada especial do Acnur desde 2012, esteve recentemente no Iêmen para alertar sobre a crise que já dura sete anos. A Síria completa, este ano, 11 anos de emergência humanitária. 

Em 2021, a agência da ONU elaborou um ranking de subfinanciamento das principais regiões de conflito no mundo mostrando que, no Iraque, por exemplo, apenas 34% das necessidades foram cobertas. Em Mianmar, o percentual foi de 47%.

Existe, ainda, a enorme preocupação de que a guerra na Ucrânia provoque desabastecimento de alimentos — Rússia e Ucrânia respondem por 40% das importações do Oriente Médio e da África — e uma inflação galopante, que aprofundem o drama da fome.

— No Iêmen, cerca de 16 milhões de pessoas dependem de ajuda alimentar. Temos imensa preocupação com o aumento da fome — conclui a diretora executiva da MSF-Brasil.


Fonte: O GLOBO

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