Alta de juros contraria governo, mas crítica do BC contra gastos públicos ajuda Haddad. Entenda

Alta de juros contraria governo, mas crítica do BC contra gastos públicos ajuda Haddad. Entenda

Na ata do Conselho de Política Monetária (Copom), que elevou a Selic para 10,75% ao ano na semana passada, BC reforça defesa de política fiscal ‘crível’ e ‘previsível’

Ata da reunião do Copom que decidiu elevar juros ressalta que desequilíbrio das contas do governo dificulta controle da inflação — Foto: Cristiano Mariz

Porto Velho, Rondônia - O recado mais duro do Banco Central (BC) sobre a política fiscal, na ata da reunião da semana passada do Comitê de Política Monetária (Copom) e divulgada ontem, foi recebido pela equipe econômica como um endosso aos planos dos ministérios da Fazenda e do Planejamento. As equipes dos ministros Fernando Haddad e Simone Tebet têm defendido revisão e contenção estrutural dos gastos públicos, mas enfrentam ventos contrários da ala política do governo.

O Copom classificou a dinâmica de gastos do governo como expansionista e frisou que “uma política fiscal crível, embasada em regras previsíveis e transparência em seus resultados” é importante para ajudar a política monetária a controlar a inflação.

Apesar do tom mais pesado, o BC deixou claro que, atualmente, considera em seus cenários uma desaceleração no ritmo de crescimento dos gastos públicos ao longo do tempo, em linha com a trajetória traçada pela equipe econômica.

Dentro do próprio BC, há sinais de que a intenção dos recados da ata da reunião do Copom, em vez do cobrar ajuste mais forte, pode ter sido de “fazer coro” à agenda da equipe econômica sobre a necessidade de medidas que reforcem o compromisso com o arcabouço fiscal.

A manifestação do BC ocorre em um momento de crescimento do mau humor do mercado financeiro com a condução das contas públicas. A avaliação é de baixa disposição do governo em cortar gastos.

Considerando os R$ 40,5 bilhões em créditos extraordinários, fora da contabilidade para a meta, a projeção para o resultado primário (o balanço entre receitas e despesas, antes dos gastos com juros da dívida) é de um déficit de R$ 68,8 bilhões.

Sem os gastos extraordinários — principalmente no enfrentamento às enchentes no Rio Grande do Sul — a projeção de déficit é de R$ 28,3 bilhões, perto do limite inferior da meta, de R$ 28,8 bilhões.

Além disso, recentemente, algumas medidas acenderam um alerta para brechas nas regras fiscais, como a liberação de R$ 1,7 bilhão do Orçamento, mesmo em um contexto de crescimento das despesas. Ou a proposta de reformulação do auxílio-gás, que permite o financiamento do programa por fora do Orçamento.

A isso se somam as preocupações em relação à velocidade do crescimento das despesas obrigatórias. Entre auxiliares de Haddad, há o reconhecimento da necessidade de se fazer cortes estruturais de despesas para manter o arcabouço fiscal de pé, especialmente a partir de 2027.

Naquele ano, a previsão é de redução das despesas com investimentos e manutenção da máquina pública a níveis insustentáveis, por conta do crescimento dos gastos obrigatórios.

Por isso, a Fazenda e o Planejamento tentam montar um discurso em defesa do corte de despesas consideradas ineficientes para que deem lugar a outros gastos. Como mostrou O GLOBO, o governo estuda implementar políticas mais eficientes para o BPC, o seguro-desemprego e o abono salarial.

Alerta do BC, de Gabriel Galípolo (esq.), ajudaria Haddad — Foto: Cristiano Mariz/Agência O Globo

Na avaliação de assessores, é preciso convencer a ala política do governo e o Congresso da necessidade de avançar nessa agenda. E que o custo do adiamento de medidas ou mudanças é maior, recado reforçado pela ata do Copom.

Campos neto vê exagero


Em evento ontem em São Paulo, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, enfatizou a questão das eventuais brechas nas regras fiscais, ao mesmo tempo em que ponderou que “parece ter havido um exagero do mercado” na reação à condução da política fiscal — que aparece, principalmente, nas cotações do dólar e dos juros futuros. Para ele, há uma “apreensão maior” no mercado:

— Eu diria que (a apreensão) nem é só em relação à trajetória da dívida, mas, mais recentemente, a questão de transparência dos números.

A ata da reunião do BC explica a decisão, unânime entre os diretores, de elevar os juros, o que ocorreu pela primeira vez no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Foi a primeira reunião do Copom depois que Gabriel Galípolo, atual diretor de Política Monetária, foi indicado para a presidência do BC — ele ainda terá seu nome analisado pelo Senado.

No documento, o BC mostrou que tem uma visão mais favorável do cenário externo, em meio ao início do ciclo de redução dos juros nos EUA. No mesmo dia da reunião do Copom, o Federal Reserve (Fed, o banco central americano) reduziu a taxa básica por lá pela primeira vez desde 2020. Porém, o BC destacou que não há relação direta entre os juros americanos e a determinação da Selic no Brasil.

O BC calculou sua projeção oficial de inflação com o câmbio partindo de R$ 5,60, patamar superior à cotação negociada nos últimos dias. A projeção de inflação para o primeiro trimestre de 2026, prazo em que o BC mira atualmente para colocar a inflação na meta, está em 3,5%. A meta é de 3%, podendo oscilar entre 1,5% e 4,5%.

Em relação aos próximos passos da política monetária, o Copom não deu pistas: o colegiado preferiu não dar indicação futura, apenas sinalizando o compromisso com o retorno da inflação à meta.

“Em virtude das incertezas envolvidas, o Comitê preferiu uma comunicação que reforça a importância do acompanhamento dos cenários ao longo do tempo, sem conferir indicação futura de seus próximos passos, insistindo, entretanto, no seu firme compromisso de convergência da inflação à meta”, diz o texto.

No comunicado divulgado na semana passada, logo após o fim da reunião do Copom, o BC já tinha deixado claro que tinha iniciado um ciclo, sem se comprometer com o ritmo de aumento nem com a magnitude total do ajuste, deixando a porta aberta para novas altas.

O Copom mencionou também a avaliação de que o crescimento econômico está acima do seu potencial, o que “torna mais desafiador o processo de convergência da inflação à meta”. Em relação ao mercado de trabalho, continuou a ver ganhos reais nos salários nos últimos meses, o que têm potencial de se traduzir em aumento de preços e da inflação no geral, mas disse que ainda não percebe evidências de que esse processo já está acontecendo.

Expansionismo

O economista-chefe da gestora G5 Partners, Luis Otávio Leal, considerou que o BC foi muito mais duro com relação à condução da política fiscal na ata da reunião do Copom, mas deu um “voto de confiança” ao governo ao deixar claro que espera uma desaceleração do aumento das despesas públicas.

— Ao mesmo tempo, é um aviso. Se os gastos não arrefecerem como está no modelo, significa que a condução da política monetária terá de ser mais dura — afirmou.

Já o economista-chefe do Banco BMG, Flávio Serrano, ressaltou o uso do termo expansionista para qualificar a dinâmica das contas públicas. Para os próximos passos, Serrano avalia que o mais provável é que o ciclo ganhe mais velocidade, acelerando o ritmo de alta da Selic para 0,50 ponto percentual a cada reunião do Copom.

Para o ex-diretor do BC e sócio da Panamby Capital, Reinaldo Le Grazie, a Selic deverá subir entre 2 e 2,5 pontos percentuais até o fim do ciclo de alta, terminando entre 12,50% e 13% ao ano. O economista alertou que, sem uma desaceleração do crescimento dos gastos públicos, como espera o Copom, “não tem como fazer conta”:

— A questão fiscal é muito complicada, o governo tem que fazer algo. Isso, em parte, está fazendo a inflação ser mais persistente. Não adianta passar fora do arcabouço. No final, vai tudo para economia e para dívida. Se o governo não tirar o pé do acelerador, não tem como fazer conta.

Diante da ata da reunião do Copom e das declarações de Campos Neto, o dólar fechou ontem em queda de 1,3%, a R$ 5,45. O real também se fortaleceu por causa da valorização das commodities, na esteira do anúncio de medidas de estímulo à economia pela China.


Fonte: O GLOBO

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