'Diplomacia paralela': bolsonaristas usam evento conservador em SC como palanque para líderes sul-americanos anti-Lula

'Diplomacia paralela': bolsonaristas usam evento conservador em SC como palanque para líderes sul-americanos anti-Lula

Articulada por Eduardo Bolsonaro, edição do CPAC deve reunir ex-presidente e Javier Milei, que escalou as críticas ao petista

Porto Velho, Rondônia - Em uma espécie de “diplomacia paralela”, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) planejam usar uma conferência conservadora em Santa Catarina, neste fim de semana, como palanque para líderes sul-americanos que têm verbalizado oposição ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). 

O evento, organizado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP), receberá o presidente da Argentina, Javier Milei, e o líder do Partido Republicano do Chile, José Antonio Kast, ambos apoiadores declarados do ex-presidente brasileiro e críticos de Lula. Milei, que deve se reunir com Bolsonaro durante a conferência, chamou o petista de “dinossauro idiota” na terça-feira, horas após sua visita ao Brasil ser confirmada.

A presença de Milei na Conferência de Ação Política Conservadora (CPAC, na sigla em inglês) marcará a primeira viagem oficial do presidente argentino ao Brasil. O evento, em sua quinta edição no país, será realizado em Balneário Camboriú (SC) e reunirá ainda representantes do bolsonarismo de outros estados, como o deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), o senador Magno Malta (PL-ES) e o secretário de Segurança Pública de São Paulo, Guilherme Derrite (PL). O próprio Bolsonaro será um dos palestrantes.

Jair Bolsonaro também foi à cerimônia de posse de Javier Milei — Foto: Luis ROBAYO / AFP

Na terça-fera, sinalizando a escalada de rivalidades com Lula, Milei usou uma rede social para criticar o presidente brasileiro, que havia cobrado um pedido de desculpas após o argentino chamá-lo de “corrupto”. Além de repetir a acusação, Milei alegou que Lula ofereceu “forte interferência” e “apoio sórdido” ao peronista Sergio Massa, seu rival na eleição de 2023, e que acabou derrotado no segundo turno. "Se tivéssemos feito as coisas como este grande dinossauro idiota dizia, LLA (“La Libertad Avanza”, partido de Milei) teria perdido. Não demos atenção a ele e vencemos, e como ele não consegue assimilar seu erro, tenta criar caso com uma crítica politicamente correta”, escreveu Milei.

Lula, que tinha previsão de ir a Santa Catarina no mesmo fim de semana em que ocorrerá o CPAC, adiou na terça-feira a viagem. O governador de Santa Catarina, Jorginho Mello (PL), será um dos palestrantes do CPAC. O presidente foi orientado por assessores a não reagir às provocações do argentino.

Milei já participou de uma edição do evento, em Campinas (SP), às vésperas da eleição brasileira de 2022, quando ainda não era presidente. Na ocasião, em palestra junto a Eduardo Bolsonaro e ao chileno Kast, o argentino criticou líderes de esquerda e sinalizou afinidades ideológicas.

Na avaliação da cientista política Camila Rocha, estudiosa da ascensão da direita no país e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), há um esforço para que a aliança entre lideranças da direita radical interfira nas relações regionais. Milei, que recebeu o apoio de bolsonaristas em sua campanha de 2023, convidou Bolsonaro para a posse — Lula, já presidente, não compareceu.

Agora, a visita do presidente argentino ocorrerá em paralelo à viagem de Lula e de outros chefes de Estado sul-americanos para uma cúpula do Mercosul no Paraguai. Milei alegou problemas de agenda para não comparecer à reunião. Ele enviará como representante a chanceler Diana Mondino, que tem mantido diálogo com o governo brasileiro sobre temas de interesse dos dois países, como a importação de gás natural da reserva de Vaca Muerta.

— Milei já sugeriu desde a campanha presidencial que poderia cortar relações com Lula, algo similar ao que Bolsonaro ameaçou em relação a outros países. Por um lado, há esse estardalhaço de nomear inimigos, o que constrói uma tensão. Mas é uma dinâmica de morde e assopra, porque em outros momentos se coloca a necessidade de manter relações econômicas, como o próprio Bolsonaro acabou fazendo no relacionamento com a China, por exemplo — afirmou Camila Rocha.

De olho em Trump

O CPAC, criado nos Estados Unidos nos anos 1970, foi “importado” por intermédio de Eduardo Bolsonaro, que já havia participado da conferência. No Brasil, o evento é tocado desde 2019 pelo Instituto Conservador-Liberal (ICL), do advogado Sérgio Sant’Ana, aliado de Eduardo.

Além da troca de experiências e de estratégias entre representantes da direita, o evento vem sendo usado para alavancar lideranças. Em fevereiro, a versão americana da conferência reuniu Eduardo, Milei e o presidente de El Salvador, Nayib Bukele, conhecido por uma política de encarceramento em massa em seu país. 

O trio usou o evento para sinalizar apoio ao ex-presidente dos EUA, Donald Trump, que tentará retornar à Casa Branca em novembro numa disputa contra Joe Biden, postulante à reeleição. A expectativa de bolsonaristas é que uma eventual vitória de Trump ajude a pender a balança política do continente para a direita.

Trump, por sua vez, já fez elogios públicos a Bolsonaro e a Milei, considerados seus principais “herdeiros” políticos na América Latina. Em 2022, o ex-presidente dos EUA declarou “apoio completo” à reeleição de Bolsonaro. Milei também pediu voto no então presidente brasileiro, na véspera do primeiro turno contra Lula, mesmo expediente adotado pelo chileno Kast, convidado ao CPAC naquele ano. Meses depois, Kast despontou nas urnas como principal ameaça à esquerda chilena e ao presidente Gabriel Boric, próximo a Lula, que acabou eleito.

Segundo a colunista do GLOBO Malu Gaspar, assessores de Bolsonaro organizam um encontro com Milei durante a passagem do argentino em Santa Catarina. Um dos objetivos é discutir como aproveitar uma eventual vitória de Trump nos EUA para insuflar a direita no continente. Na América do Sul, além de Milei, apenas o equatoriano Daniel Noboa e o uruguaio Luis Lacalle Pou são vistos como exceções a uma onda recente de governantes de esquerda.


Fonte: O GLOBO

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