Planalto acelera liberação de emendas da Saúde para tentar conter tensão com Congresso

Planalto acelera liberação de emendas da Saúde para tentar conter tensão com Congresso

Nísia Trindade intensificou as agendas com políticos nas últimas semanas e tornou sua pasta a recordista na destinação de recursos aos redutos eleitorais dos congressistas

Porto Velho, Rondônia - Em nova crise na relação com o Congresso, o governo acelerou a liberação de emendas parlamentares e tem incentivado o tête-à-tête de ministros com deputados e senadores para ouvir suas demandas. Uma das escaladas para a missão foi a titular da Saúde, Nísia Trindade, que intensificou as agendas com políticos nas últimas semanas e tornou sua pasta a recordista na destinação de recursos aos redutos eleitorais dos congressistas.

Dos R$ 8,5 bilhões em emendas individuais empenhados pelo governo até o início da semana, 92% saíram da Saúde, que tem atendido aos pedidos dos parlamentares de forma mais rápida do que outros ministérios. O empenho é a primeira etapa do pagamento, quando a verba é reservada no Orçamento.

O ritmo que o governo impôs para o envio dos recursos é resultado da pressão de parlamentares para abastecer o caixa de prefeituras aliadas a tempo das eleições municipais de outubro. Os R$ 8,5 bilhões empenhados até agora representam 34% dos R$ 25 bilhões em emendas previstas no ano. Em 2020, ano da última disputa municipal, o governo federal havia liberado R$ 7,8 bilhões até o dia 30 de abril, o equivalente a 22% do total.

Procurada, a Secretaria de Relações Institucionais, responsável pela articulação política do governo com o Congresso, afirma que o valor liberado neste ano é ainda maior, de R$ 14 bilhões — a cifra, contudo, não consta nos sistemas oficiais de controle do Orçamento. Segundo a pasta, os recursos só são empenhados pelos ministérios “após análise técnica do pedido, caso a demanda esteja de acordo”.

Entre os partidos mais contemplados até agora estão o PL — maior bancada da Câmara que, apesar de oposição, abriga parlamentares do chamado Centrão —, além de MDB e União Brasil. O PT, segunda maior bancada, fica apenas na quarta posição.

Ritmo acelerado — Foto: Editoria de Arte

Relação tensa

O movimento ocorre no momento em que o Palácio do Planalto tenta contornar uma crise com aliados no Congresso após ir ao Supremo Tribunal Federal (STF) para derrubar a prorrogação da desoneração da folha de pagamento de empresas e municípios. A medida havia sido aprovada pela maioria dos parlamentares no ano passado, mas foi suspensa por liminar do ministro Cristiano Zanin. Em outra frente, o governo tenta evitar a derrubada em série de vetos de Lula a propostas aprovadas pelo Legislativo. Uma sessão para analisar o tema está prevista para a próxima semana.

No caso da Saúde, a celeridade no envio do dinheiro a estados e prefeituras ocorre dois meses após Nísia ser alvo de questionamentos do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sobre critérios adotados para liberar essas emendas. Um requerimento assinado em fevereiro pelo deputado e seis líderes de bancada da Câmara pedia explicações à pasta sobre parâmetros utilizados e restrições impostas que, na visão dos parlamentares, estava dificultando o dinheiro chegar a seu destino.

O cargo de Nísia chegou a ser alvo de cobiça do grupo de Lira no ano passado, quando o presidente Luiz Inácio Lula da Silva negociava a entrada do Centrão no governo. PP e Republicanos, partidos que se tornaram aliados a partir do meio do ano, porém, ficaram com ministérios com orçamentos menores — Esporte e Portos e Aeroportos, mas a pressão pela cadeira da ministra permaneceu.

Além disso, a edição de uma portaria do governo com novas regras para liberação de recursos apadrinhados por parlamentares, em dezembro, é apontada nos bastidores como o motivo para a ruptura entre Lira e o ministro Alexandre Padilha (Relações Institucionais).

Ao mesmo tempo em que acelerou a liberação de emendas, Nísia passou a abrir mais espaço na agenda para atender políticos, numa tentativa de responder à uma das principais queixas sobre sua atuação até aqui: o fato de ter um perfil técnico, pouco afeito à política. Até a semana passada ela havia registrado 16 reuniões com deputados, senadores e governadores, quase o dobro das nove realizadas em março.

Nas conversas com políticos, Nísia é acompanhada por secretários e assessores que a ajudam a encaminhar demandas, como pedidos para compra de ambulâncias, de abertura de mais leitos e recursos para a realização de cirurgias.

— Isso (reunião com parlamentares) distensiona a relação. Por outro lado, o governo vai no Supremo e tenta desfazer a desoneração da folha de pagamento dos municípios, aí fica confuso — disse o senador Hiran Gonçalves (PP-RR), um dos que se reuniram com a ministra da Saúde.

Ambulâncias

Outro a se reunir com Nísia foi o governador do Amapá, Clécio Luís (Solidariedade), que esteve na sede da pasta no fim de março com o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (sem partido-AP), e o deputado Dorinaldo Malafaia (PDT-AP), para pedir mais recursos para o seu estado. Ao comentar a reunião no dia seguinte, a ministra disse ter atendido ao pedido do grupo: oito ambulâncias.

— É natural e legítimo que os parlamentares tragam suas demandas e que muitas dessas demandas coincidam com as prioridades da pasta e este é o melhor que pode acontecer. Contempla o estado e fortalece o SUS com ações e equipamentos que servem à população — afirmou Nísia ao GLOBO.

Quem também viajou a Brasília para pedir ambulâncias foi o governador do Acre, Cladson Camelli (PP), que saiu da reunião, na semana passada, com a promessa de 14 unidades para atender o Samu no estado e mais R$ 10 milhões para concluir uma maternidade.

— O que ouço dos parlamentares é que os retornos que ela dá são cada vez melhores, de não burocratização e isso tem resultado em uma relação muito positiva — disse Camelli.

A ex-colega de Esplanada, a ex-ministra do Turismo e atual deputada Daniela do Waguinho (União-RJ), também visitou o gabinete de Nísia para apresentar demandas. No caso dela, o pedido foi para o ministério habilitar uma nova UPA 24h em Belford Roxo, seu reduto eleitoral.

Todos os parlamentares, independentemente do partido, têm direito à indicação de emendas parlamentares. No caso das individuais, cada deputado incluiu R$ 37 milhões no Orçamento da União, enquanto cada senador indicou R$ 69 milhões. A legislação determina que metade dos recursos de emendas sejam destinados para a Saúde.


Fonte: O GLOBO

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