Lula busca se aproximar da classe média com Desenrola para pequenos negócios e linha de crédito para MEIs

Lula busca se aproximar da classe média com Desenrola para pequenos negócios e linha de crédito para MEIs

Para analistas, iniciativa é bem-vinda, mas seu alcance na economia é limitado

Porto Velho, Rondônia - O presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou ontem um pacote de medidas voltadas a microempreendedores individuais (MEIs) e às micro e pequenas empresas. Entre as ações está um programa de renegociação de dívidas, estímulo ao crédito para beneficiários do Bolsa Família que queiram empreender, além de maior oferta de crédito imobiliário no mercado.

O pacote, batizado de “Acredita” pelo governo, consta de Medida Provisória (MP) assinada ontem por Lula, em evento no Palácio do Planalto, com a presença de ministros, empresários e associações ligadas ao empreendedorismo.

O lançamento dos programas ocorre em meio à dificuldade do petista de se conectar com a população de classe média e diante de pesquisas que indicam temas econômicos como principais áreas de desaprovação de seu governo. De acordo com pesquisa Ipec divulgada no domingo, 31% avaliam que a situação econômica estará pior daqui a seis meses. Em setembro, 27% achavam isso.

O programa de renegociação de dívidas, chamado de “Desenrola dos pequenos negócios”, funcionará de forma similar ao Desenrola original, lançado ano passado, e que permitiu a 14 milhões de pessoas endividadas repactuarem débitos com bancos. O público-alvo agora inclui MEIs, microempresas e pequenas empresas com faturamento bruto anual até R$ 4,8 milhões e que estejam inadimplentes (com dívidas bancárias).

Pacote Acredita:
  • Desenrola Pequenos Negócios: O programa, com foco em dívidas bancárias, funcionará por meio de plataforma de renegociação, a exemplo do Desenrola para pessoas físicas. Público-alvo inclui MEIs, microempresas e as pequenas empresas com faturamento bruto anual de até R$ 4,8 milhões.
  • Estímulo ao crédito: Com foco em famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único, programa vai permitir condições especiais para beneficiários de programas sociais que se registrarem como MEIs, além de microempresas que tenham faturamento de até R$ 360 mil/ano.
  • Mercado imobiliário: A medida provisória (MP) permite o uso da estatal Emgea (Empresa Gestora de Ativos) para fomentar o crédito imobiliário. Na prática, permitirá que os bancos possam aumentar as concessões de empréstimos para moradia a taxas menores.
  • Brasil sustentável: A iniciativa busca atrair investimentos estrangeiros (em dólar) e integrar empresas brasileiras ao mercado global. O principal atrativo será a redução do risco com um seguro para mitigar o efeito da volatilidade de câmbio.
Segundo a Serasa Experian, cerca de 6,3 milhões de micro e pequenas empresas estavam inadimplentes em janeiro de 2024, maior número da série iniciada em 2016. A MP prevê que os bancos possam começar a renegociar as dívidas já a partir de hoje.

Condição especial para MEI

O tíquete médio das dívidas, segundo a Serasa, é de R$ 2.745,60. Para Luiz Rabi, economista-chefe da Serasa Experian, micro e pequenas empresas têm débitos com, em média, sete credores:

— É uma iniciativa válida para que esses empreendedores encontrem condições mais relevantes para quitar suas dívidas. Mas o fôlego é curto, porque a reincidência é muito grande. O que a gente precisa é de um contexto macro, caracterizado por crescimento econômico e redução de juros, caso contrário a reincidência continua alta.

Mariana Bernardino, também conhecida como Afrosara, nome de seu salão, é uma trancista de cabelo, de 23 anos, que trabalha em Madureira. Ela criou o próprio negócio há dois anos e se tornou MEI. Ela tem uma dívida desde fevereiro do ano passado, que soma R$ 1.169,39 (considerando o valor acrescido de juros).

— Meu negócio foi crescendo e hoje é o que sustenta toda a minha família — diz. — Já aderi ao Desenrola Brasil, então com certeza com o Desenrola para MEI posso quitar minhas dívidas e investir em outras áreas da empresa.

O segundo eixo do pacote anunciado prevê linha de microcrédito a famílias de baixa renda inscritas no Cadastro Único (CadÚnico) de programas sociais. Para integrantes do governo, muitos beneficiários do Bolsa Família já exercem alguma atividade informal para complementar a renda, relacionada à venda de refeições ou pequenos ajustes de roupas e essa seria uma forma de estimular o investimento em negócio próprio.

O beneficiário tomaria o empréstimo em condições especiais e se formalizaria como MEI sem deixar o Bolsa Família. A saída ocorrerá de forma gradual, mas em modelo diferente do aplicado a quem consegue emprego. O governo vai identificar quem já consegue se sustentar com o próprio negócio.

Segundo o governo, 43 milhões de famílias (aproximadamente 96 milhões de pessoas) estão registradas no CadÚnico, das quais 54% vivem com renda per capita de até R$ 109 mensais.

— Banco não foi preparado para receber pobre, não está preparado para receber pessoas que não chegam de terno e gravata. O que estamos fazendo é criando condições para que, independentemente da origem social e do negócio, as pessoas tenham direito de ter acesso a um sistema financeiro e pegar um crédito — afirmou Lula.

Outra ação com foco no crédito é o Procred 360, que prevê condições especiais para MEIs e microempresas que tenham faturamento até R$ 360 mil ao ano. Os empréstimos poderão ocorrer com taxa de juros anual de Selic (hoje em 10,75%), mais 5% ao ano. No caso dos MEIs, a expectativa é de empréstimos de R$ 20 mil a R$ 30 mil. A MP prevê que os valores sejam de até 30% do faturado no ano passado.

Foi anunciada parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae). A instituição promete disponibilizar R$ 30 bilhões em crédito a esse público-alvo em três anos.

O governo vai liberar a renegociação (até então não permitida) de dívidas no âmbito do Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), programa de crédito criado na pandemia.

Mercado imobiliário

Além do crédito a microempreendedores, o pacote do governo inclui medida para estimular o crédito imobiliário. Para isso, a MP permite que a estatal Emgea (Empresa Gestora de Ativos) atue como securitizadora no mercado. Na securitização, os bancos podem vender para a estatal o direito de receber as parcelas que serão pagas pelos mutuários. Na prática, permitirá que instituições financeiras possam aumentar concessões de empréstimos para moradia em taxas mais atraentes.

— O crédito é uma alavanca imprescindível para o desenvolvimento econômico de qualquer país. Nenhum país se desenvolveu sem essa alavanca — avaliou o ministro da Fazenda, Fernando Haddad.

Um último eixo anunciado pelo governo, batizado de Eco Invest, é destinado à captação de investimento privado estrangeiro para projetos de transformação ecológica do Brasil. Serão fornecidas linhas de crédito “a custo competitivo” para financiar parcialmente investimentos verdes.

Por meio desta iniciativa, o governo quer garantir proteção cambial de longo prazo em moeda estrangeira no país. Será oferecida uma espécie de “seguro” para mitigar o risco de variação na taxa de câmbio.

— O Eco Invest pode chegar ao ponto de atrair capital externo na casa de bilhões se for bem-sucedido como esperamos. Os setores elegíveis são os ligados à indústria descarbonizada, energia renovável e infraestrutura sustentável — afirmou o secretário do Tesouro, Rogério Ceron.

Em fevereiro foi anunciado que o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) vai desembolsar US$ 5,4 bilhões ( R$ 27 bilhões) — sendo US$ 2 bilhões em linhas de crédito e US$ 3,4 bilhões para cobertura cambial.

Para analistas, ação é bem-vinda, mas efeito na economia é limitado

O economista e conselheiro do Corecon-SP, André Paiva Ramos, analisa que o governo repete agora a fórmula adotada no ano passado, quando, por meio do Desenrola, tentou reduzir o nível de endividamento das pessoas físicas para estimular o consumo.

O foco é fazer o mesmo com as pequenas e médias empresas, que costumam ter taxas de juros proibitivas quando tentam acessar o crédito bancário. Embora avalie que a estratégia possa ter impacto no curto prazo, acredita que o crescimento econômico sustentável do país depende de uma política de juros menos restritiva e de um menor risco fiscal.

— O mercado de crédito tem sido a principal opção do governo para impulsionar a economia, principalmente agora que o mercado financeiro pressiona para reduzir o ritmo de corte da Taxa Selic, devido ao conflito no Oriente Médio e à falta de perspectiva sobre quando começará o corte de juros nos Estados Unidos — pondera — A dúvida é até quando essa aposta vai surtir efeito ou poderá acabar criando distorções, direcionando recursos para determinadas atividades que não tenham demanda suficiente depois.

André Nassif, professor de Economia da Universidade Federal Fluminense (UFF), diz que estímulos de crédito a pequenas e médias empresas e a microempreendedores (MEIs) são sempre bem-vindos, mas duvida que sejam suficientes para promover a retomada do crescimento econômico, que depende, em sua visão, de mais investimentos.

— Para que a economia volte a crescer, é preciso que as taxas de juros reais caiam para níveis suficientes para estimular o investimento — diz.

Para Ricardo Teixeira, coordenador do MBA em Gestão Financeira da FGV, o impacto na vida das pessoas envolvidas será grande, mas o impacto na economia como um todo não. Mesmo assim, afirma que a iniciativa é válida à medida que foca em pessoas que têm dificuldade de acesso a crédito, especialmente mulheres empreendedoras:

— É um programa de bom tamanho para um projeto que está começando, mas sozinho não vai ser capaz de mudar a perspectiva econômica do país. Individualmente, será uma grande vantagem participar.

Para Diogo Moreira Carneiro, professor da Fipecafi, o governo precisa demonstrar esforço robusto para alcançar o equilíbrio nas contas públicas se quiser impulsionar o PIB.

(Colaborou Arthur Falcão, estagiário, sob supervisão de Danielle Nogueira)


Fonte: O GLOBO

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