Entrevista: 'O PSDB se descaracterizou, perdeu a cara', admite Tasso Jereissati, ex-presidente do partido

Entrevista: 'O PSDB se descaracterizou, perdeu a cara', admite Tasso Jereissati, ex-presidente do partido

Um dos fundadores da legenda, ex-governador do Ceará atribui declínio da sigla à falta de renovação, diz não se arrepender de apoio a Lula e defende candidatura própria em 2026

Ex-presidente do PSDB e ex-senador, Tasso Jereissati avalia que o PSDB perdeu a “cara” e se “descaracterizou” ao longo das últimas eleições. Com uma bancada de apenas 17 deputados federais, ele aponta a necessidade de apostar na formação de novos quadros, como os governadores tucanos Eduardo Leite (Rio Grande do Sul), Raquel Lyra (Pernambuco) e Eduardo Riedel (Mato Grosso do Sul). Com o fim de seu mandato no Senado, em janeiro de 2023, o cacique tucano hoje está afastado da Executiva da sigla.

Quais foram os erros do PSDB?

Sempre tivemos vários problemas, mas tínhamos quadros. Qualquer que fosse o analista que estudava a política brasileira, no mínimo falava que o PSDB tinha os melhores economistas e sociólogos. Essas lideranças eram muito fortes e são difíceis de serem substituídas, mas está acontecendo. A qualidade se transformou em quantidade. Mas, se pedir para apontar dez dos melhores governadores do Brasil, em qualidade, com certeza três são do PSDB. Raquel (Lyra), Eduardo (Leite) e Eduardo Riedel são de excepcional qualidade. Não temos muitos deputados nem muitos senadores, mas começamos a ter uma renovação.

Além da questão de formar quadros, há outras razões?

A outra razão é justamente a posição de aderir a governo em função de cargos. Isso esvaziou o PSDB e cresceram esses partidos que são mais politicamente nessa linha.

Há algum episódio específico para o PSDB ter deixado de ser protagonista, como as crises envolvendo Aécio Neves, João Doria e Geraldo Alckmin?

Tem a ver, mas não são os episódios específicos a razão. Eles são consequência. Houve um momento em que o PSDB se descaracterizou, o partido perdeu sua cara. Até pelo fato de ser poder (no governo Fernando Henrique), atraiu muita gente que não tinha necessariamente a sintonia com o partido que os seus fundadores tiveram. Eu não vou falar de nome de ninguém, estou preocupado com o futuro, todos nós participamos desse processo de descaracterização do partido.

Há setores no PSDB, como a governadora Raquel Lyra, que defendem uma postura de independência e não oposição a Lula. Concorda?

Da maneira que eu interpreto o que ela disse, o PSDB não é uma oposição, tipo bolsonarista ou PL, sistemática. Não somos contra tudo o que o governo faz por ideologia, por ressentimento, seja o que lá for. O governo Lula deu grandes passos, não podemos negar. Agora, nós não somos governo, não queremos ir para o governo porque em outras coisas mais não concordamos. Somos independentes.

O senhor apoiou Lula contra Bolsonaro no segundo turno em 2022, mas tem feito críticas ao governo. Hoje se considera oposição?

Não concordamos com muitas das ideias do governo que está aí. Com muita tristeza, eu vejo o presidente Lula, que na minha opinião é um democrata de raiz, com o pendor e uma certa atração por governos autoritários. É extremamente preocupante e triste, porque se afasta da defesa da democracia. É na Venezuela, na Guatemala, no Putin (na Rússia). Em alguns pontos da política econômica.

Está arrependido de ter apoiado Lula em 2022?

Não me arrependo de maneira alguma. Agora está sendo provado que o grupo e as atitudes do governo anterior eram de extremo risco para a democracia. Nós do PSDB nascemos na ideia da defesa da democracia. Quase todos os fundadores vieram de um partido que fazia uma enfática oposição ao sistema militar. O Bolsonaro era uma ameaça grave.

Como vê o governo patrocinar mudanças na Lei das Estatais e no marco do saneamento?

É uma surpresa desagradável. Eu pessoalmente sou muito envolvido, sou o autor do substitutivo da Lei das Estatais e do marco do saneamento. São absolutamente posições atrasadas.

Eduardo Leite é o candidato do PSDB a presidente em 2026?

Hoje é consenso dentro do PSDB termos candidato a presidente da República, que represente o nosso projeto social-democrata, que tenha uma visão de mercado mais aberta, mas tenha uma consciência muito qualificada do papel do Estado em determinadas situações de corrigir desequilíbrios sociais e econômicos. E esse nome nós temos hoje muito bem representado pelo governador do Rio Grande do Sul.

O senhor avalia que Marconi Perillo tem conduzido o partido da maneira correta?

O trabalho dele tem sido muito bom. Ele tem corrido o Brasil todo com esse esforço de renovação. Que a gente traga para o partido novos Fernando Henriques, novos Covas, novos José Serras, novos Franco Montoros. Para seguir a linha original não só de pensamento, mas de postura política.

É a favor de uma aliança do PSDB com a Tabata Amaral em São Paulo?

Tenho enorme admiração pela Tabata. Eu sou hoje militante da renovação da política no Brasil, para que as jovens lideranças, não só de idade, mas de cabeça e idade também, assumam o protagonismo da política brasileira. Não interfiro na política de São Paulo, mas ficaria muito feliz se nós apoiássemos a Tabata.

É possível uma federação com o PDT, mesmo o partido estando na base de Lula?

Não é fácil, mas é possível e desejável. Temos que enfrentar as diferenças e obstáculos para chegar nisso. É irreversível que os partidos políticos no Brasil sejam em menor número e mais representativos.


Fonte: O GLOBO

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