
A área técnica do Tribunal de Contas da União (TCU) aponta que um contrato entre a Petrobras e a empresa de fertilizantes Proquigel Química (Grupo Unigel, que passa por dificuldades financeiras) “não faz sentido empresarial, lógico ou econômico”.
Sob a mira do TCU, o contrato pode causar prejuízo de R$ 487,1 milhões à estatal em oito meses, de acordo com a Corte, e envolve o arrendamento de fábricas de fertilizantes.
O contrato, chamado Tolling (industrialização por encomenda), firmado em 29 de dezembro de 2023, permitiu a retomada das atividades das fábricas de fertilizantes (fafens) da Bahia e de Sergipe pela Unigel.
Nesse modelo, a estatal fornece o gás natural e fica com os fertilizantes, pagando apenas pelo uso das plantas — uma espécie de arrendamento. A estatal teria prejuízo porque a venda do fertilizante não cobre o custo do gás e de outros custos.
Um dos argumentos usados pela Petrobras é a volta da estatal para esse segmento, o que é rebatido pelos técnicos do TCU.
“Essa justificativa releva tão somente a intenção da estatal em retornar, sem a devida preparação, a um segmento que já apresentou prejuízos bilionários, de forma que contratar empresa em situação econômico-financeira crítica e assumir riscos mercadológicos desfavoráveis não faz sentido empresarial, lógico ou econômico", diz um trecho do parecer técnico do TCU concluído no fim do mês passado e a qual o GLOBO teve acesso.
Em nota, a Petrobras diz que “denúncias foram minuciosamente apuradas” pela equipe técnica da Diretoria de Governança e Conformidade que concluiu pela “não confirmação de interferências indevidas de diretores” e que o contrato ainda não foi ativado (leia mais abaixo).
A Unigel afirmou que “apesar da sugestão da representação quanto à suspensão do contrato, não foi deferida qualquer medida cautelar”. “Vale ressaltar que o contrato não está em vigor, pois ainda depende do cumprimento de condições precedentes”, acrescentou.
O que o TCU levantou
A unidade técnica TCU aponta sete pontos de atenção no contrato. Veja quais são
- O primeiro ponto é o fato de a contratação ter ocorrido em um período nos quais os preços dos fertilizantes se mostram “inviáveis, restando confirmada esta inviabilidade financeira pela própria Petrobras, na medida em que estimou o prejuízo de R$ 487,1 milhões com a referida operação em apenas oito meses”.
- Os técnicos apontam a curta duração do contrato com prosseguimento normal do arrendamento das duas fábricas pela Unigel após seu encerramento.
- Também apontam “aparente incongruência dos números apresentados pela Petrobras nos cenários alternativos estudados”.
- O TCU também destaca “precária saúde econômico-financeira do Grupo Unigel”.
- Em outro trecho do relatório, um ponto questionado é a “aparente precária governança na aprovação do contrato”, que foi assinado o por apenas um diretor.
- Além disso, aponta “diversas incoerências e precária razoabilidade nas premissas que nortearam a avaliação qualitativa dos riscos do negócio pela estatal”.
- E, por último, aponta que a Petrobras não apresentou dados para justificar essa opção, “aparentemente de forma a conceber um cenário que justificasse a referida contratação”.
Uma das justificativas da Petrobras é o retorno da estatal para o segmento de fertilizantes, a partir da nova diretriz estabelecida em seu PE 2024-2028. Para os técnicos, isso deve ser marcado pela seleção de projetos rentáveis, considerados seus custos de oportunidade, e não, “conforme o presente caso, por contrato antieconômico, com margens negativas de rentabilidade".
O contrato começou a ser fiscalizado logo no início deste ano e pareceres técnicos foram encaminhados ao ministro relator do processo no TCU, Bejamin Zymler. Os técnicos pedem a suspensão dos efeitos do contrato em caráter liminar até a decisão do mérito pelo plenário do Tribunal. Ainda não houve decisão.
Como mostrou a colunista do GLOBO Malu Gaspar, a unidade técnica que fiscaliza a Petrobras identificou possíveis fraudes no acordo entre a companhia e a empresa de fertilizantes Unigel e defendeu uma nova apuração sobre o negócio.
O que diz a Petrobras
A Petrobras afirma que a celebração do contrato com a Unigel “respeitou o sistema de governança da Petrobras e os trâmites e procedimentos pertinentes, inclusive quanto ao limite de competência previsto nas normas internas vigentes para aprovação dos contratos de serviço”. Acrescenta que o valor do contrato está dentro do limite de aprovação do responsável pela área e passou por todas as instâncias prévias de anuência e validação. “Portanto, o sistema de governança foi integralmente respeitado”.
Também afirma que “as denúncias foram minuciosamente apuradas pela equipe técnica da Diretoria de Governança e Conformidade da Petrobras, sendo utilizados todos os procedimentos disponíveis e técnicas necessárias à averiguação dos fatos relatados, incluindo vasto exame documental, análises de informações registradas em equipamentos corporativos e inúmeras entrevistas com participantes do processo”.
“A apuração realizada concluiu pela não confirmação de interferências indevidas de diretores na tramitação do procedimento que gerou a celebração do contrato de tolling com a Unigel”.
A Petrobras diz que essa apuração foi integralmente acompanhada em tempo real pela KPMG, empresa de auditoria independente da estatal desde 2017 e contratada pela companhia para auditar as demonstrações financeiras
“Cabe esclarecer que a Petrobras tem atuado de forma proativa, tendo inclusive informado ao Tribunal de Contas da União (TCU) todas as bases do contrato de tolling com a Proquigel/Unigel antes de sua ativação, mesmo sem qualquer demanda do órgão. A companhia continua esclarecendo tempestivamente todas as informações solicitadas pelo TCU em relação ao contrato de tolling dentro dos prazos solicitados, guardando o teor de confidencialidade adequado ao processo, mas ressaltando que não houve qualquer tipo de condenação por parte do TCU”, diz a estatal, acrescentando que o contrato não está ativo e que até o momento não houve qualquer desembolso por parte da Petrobras.
Fonte: O GLOBO
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