Meu Jogo: artilheiro do Nova Iguaçu, Carlinhos conta sobre depressão, tumor da mãe e volta por cima

Meu Jogo: artilheiro do Nova Iguaçu, Carlinhos conta sobre depressão, tumor da mãe e volta por cima

Após sair do interior de São Paulo e surgir como promessa meteórica no Corinthians, atacante de 26 anos viveu drama particular e na família. Colocando como prioridade o desenvolvimento pessoal, retoma a carreira em grande estilo e como finalista do Estadual

Cada gol neste Campeonato Carioca significou o prazer em retomar a minha carreira. Parece um alívio. Estou mais distante do passado. Foi muito difícil o que eu passei, muitas humilhações. Pessoas falavam na minha cara assim: "Você vai ser eterna promessa, não vai chegar mais". Mas não levo como sensação de vingança. É uma resposta. A gente sabe a grandeza que tem. É apenas o começo de grandes coisas. Esses gols simbolizam a persistência, por eu nunca ter desistido.

No Corinthians, querendo ou não, me perdi um pouco. Não falo no aspecto de sair para balada. Sempre fui muito focado. Só que subi muito jovem, na esperança de ser um fenômeno e receber propostas. Acabei indo na onda. Mas cheguei no profissional fazendo uma cirurgia no púbis e uma no joelho. Começaram a bater as frustrações, e eu não tinha o entendimento de que tudo tem um tempo de espera. A imprensa e os torcedores começaram a me criticar, inventar coisas. Muitas vezes, não sabia lidar.

Nasci em Jaú (SP), e estava sozinho em São Paulo. Não tinha ninguém para desabafar. Nisso, eu tive uma depressão feia.

Era muito quieto no Corinthians. Mas sempre fui um cara brincalhão. Agora, que estou voltando a brincar e ser feliz de novo. Chorava à toa no campo, não sabia me expressar ou explicar. Só queria ficar deitado, não tinha vontade de comer, não tinha vontade de nada. Dava ansiedade demais, não conseguia dormir à noite. Eu deveria ter um acompanhamento próximo, alguém para ficar orientando.

Carlinhos, atacante do Nova Iguaçu — Foto: Fabio Rossi/Agência O Globo

A gente não cresce com essa maturidade. Vamos ser bem sinceros, a gente de periferia é criado pelo sistema. O sistema é o que? "O Carlinhos vai ganhar dinheiro, fazer bagunça, filho, e depois morrer de cirrose". Se você não tiver essa blindagem emocional em um clube grande, "vai de ralo". Todo processo é muito difícil, só que eu tinha em mente que precisava recomeçar. Sempre tive a mentalidade muito forte e vencedora. Sabia do que era capaz. Saí do Corinthians e dei aquelas rodadas que todo jogador brasileiro dá, para pegar bagagem. Aprendi muito nos clubes e fui me recuperando psicologicamente.

Em 2021, eu tinha recém chegado no Audax. Estava na concentração, em pré-temporada, e precisei ir para casa, porque meu pai ligou, falando que minha mãe estava tendo uns desmaios. Cheguei, tinha caído e batido o rosto muito feio, estava muito inchado. Levei no médico. Voltei e acertei com o Audax.

Aí meu pai liga e fala que ela estava com um tumor do tamanho de um limão no crânio. Desabei. Foi a primeira vez que chorei um choro da alma.

Pausa no futebol


Não sabia o que fazer. Encontrei forças de Deus para jogar o campeonato. Sabia que, a qualquer momento, poderia perder meu porto seguro. E eu tinha que ser forte. Eu chorava toda hora, mas, quando falava com minha família, tinha que passar força.

Depois da operação, minha mãe só respondia apertando meu dedo. Foi um momento muito difícil e eu resolvi parar de jogar bola. Parei por um ano. Sei que futebol passa rápido, mas resolvi cuidar dela. Porque mãe é uma só. A gente está ali para fazer o que ama, só que o amor ao futebol não é superior à família. Minha esposa também foi muito importante, me ajudou muito. Estamos juntos há dez anos.

Carlinhos, atacante do Nova Iguaçu — Foto: Fabio Rossi/Agência O Globo

Hoje, minha mãe está melhor, falando, comendo. Mas está cega. Tem três anos da operação. São as pessoas que se importam com você de verdade. O resto é conversa, só quando você está bem. Eu chegava em casa e ela estava alegre. "Como que foi lá? E aí? Tem que fazer gol para a mãe". Quando você chega e não encontra da mesma forma, é um clima ruim. Mas o importante é que está ali. Tem uma personalidade forte. Qualquer coisa que ela veja que eu extrapolei, liga mandando dura. Sempre está escutando meus jogos.

Voltando no ano passado, foi muito difícil, porque jogador não pode ficar nem dois dias parado. Como a gente joga em alto nível, tem que estar sempre treinando. Eu voltei sentindo um pouco de dores. Fui para o Camboriú (SC) e fiz um campeonato muito bom. Seu Jânio (Moraes) ligou e vim (para o Nova Iguaçu). O professor Cal (Carlos Vitor), Andrezinho... me trataram como ser humano. Todo dia tinha uma conversa, me chamavam de canto para perguntar como estava a minha mãe. Você trabalha mais feliz, contente. Está sendo importante ter esse acolhimento.

Carlinhos, atacante do Nova Iguaçu — Foto: Fabio Rossi/Agência O Globo

Além da Bíblia, eu gosto de ler bastante, sobre desenvolvimento pessoal. Li Napoleon Hill, um pouquinho também de Maquiavel. Esse hábito foi abrindo a minha mente.

Nós, jogadores, crescemos naquele complexo: "Jogador já nasceu burro, não sabe ler". Não. Tem muito jogador inteligente.

Em três meses neste ano, estou indo para o meu terceiro livro. E não gostava na escola. Hoje, não paro mais de ler. Estudo, escrevo. Tenho vontade de, mais para frente, fazer uma faculdade de ciências, engenharia.

Na final, estou projetando um grande jogo. O Flamengo só tem jogador de seleção. E a gente tem que entrar sem peso nenhum, só para desfrutar mesmo. Difícil, mas a gente sabe o nosso potencial. Não chegamos à final à toa.

(*Em depoimento ao repórter Davi Ferreira)


Fonte: O GLOBO

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