Agência da ONU para a Palestina é alvo de 'campanha deliberada e planejada' por Israel, diz chefe de organização

Agência da ONU para a Palestina é alvo de 'campanha deliberada e planejada' por Israel, diz chefe de organização

Afirmação é feita após debandada de doadores em meio a acusações israelenses de que 12 funcionários da UNRWA participaram de ataque do 7 de outubro

O chefe da Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA, na sigla em inglês) alertou na segunda-feira que a agência estava sendo alvo de uma "campanha deliberada e planejada para minar" suas operações no momento em que seus serviços são mais necessários e alertou que o desmantelamento da agência sacrificaria uma "geração de crianças". 

Os comentários de Philippe Lazzarini, feitos durante a Assembleia Geral da ONU em Nova York, são alguns dos mais contundentes em defesa da UNRWA desde que Israel acusou 12 funcionários de terem participado dos ataques do Hamas em 7 de outubro.

Lazzarini afirmou que parte dessa "campanha deliberada e planejada" tinha com o objetivo final "acabar com" a agência:

— Parte dessa campanha inclui inundar os doadores com informações errôneas destinadas a alimentar a desconfiança e manchar a reputação da Agência.

Em janeiro, Israel acusou 12 funcionários da UNRWA de terem participado do ataque terrorista do Hamas contra o seu território, em 7 de outubro. À época, a agência anunciou a demissão de "vários funcionários", mas já era tarde. Após a acusação, os EUA anunciaram a suspensão do financiamento, seguido pelo bloqueio ou congelamento de doações de outros 15 países. No total, foram cerca de US$ 450 milhões em cortes.

Em relação às denúncias, Lazzarini disse que não recebeu nenhuma informação adicional que comprovasse as acusações de Israel depois que elas foram apresentadas a ele em janeiro, mas que a agência havia rescindido imediatamente os contratos dos funcionários devido à gravidade da alegação.

O chefe da agência também defende que as acusações ocorreram porque seus funcionários prestaram depoimento na acusação movida pela África do Sul contra Israel perante a Corte Internacional de Justiça (CIJ) por suposta violação da Convenção das Nações Unidas sobre Genocídio durante sua operação militar em Gaza. Os depoimentos foram seguidos por um "aumento correspondente nos ataques contra a agência", defendeu.

O tribunal, o mais alto órgão judicial das Nações Unidas, ordenou que Israel tomasse medidas imediatas para facilitar a ajuda de que os palestinos no enclave necessitam desesperadamente e está avaliando se Israel cometeu genocídio em sua guerra contra Gaza.

— Os ataques contra a UNRWA buscam eliminar seu papel na proteção dos direitos dos refugiados palestinos e na atuação como testemunha de sua situação difícil — disse Lazzarini.

Segundo ele, a agência já enfrentava uma crise financeira e funcionava "precariamente" e, em breve, será incapaz de atender milhões de pessoas que dependem dela para obter alimentos, abrigo e cuidados médicos básicos. Ele alertou que o pior ainda pode estar por vir se os serviços humanitários entrarem em colapso.

O porta-voz do Departamento de Estado dos EUA, Matthew Miller, disse a repórteres na segunda-feira que o país aguardaria o resultado das investigações da ONU sobre as alegações de Israel antes de decidir se retomariam o financiamento da UNRWA.

Já a União Europeia retomou o envio de ajuda na semana passada, depois que autoridades palestinas acusaram Israel de disparar e matar dezenas de pessoas em meio a uma entrega caótica de ajuda humanitária no enclave, uma tragédia que deixou ao menos 112 mortos e 760 feridos. Israel negou a acusação, afirmando que as mortes decorreram de tumultos durante a entrega de alimentos. O Estado judeu investiga a possibilidade de ter havido desvio de conduta de algum soldado.

Israel tem um longo histórico de atritos com a UNRWA, que foi fundada em 1949 e é uma das mais antigas agências da ONU. Alguns israelenses afirmam que sua própria existência perpetua o conflito israelense-palestino, impedindo que os palestinos criem raízes em outros lugares do Oriente Médio, pois esperam retornar a seus antigos lares no que hoje é Israel — um objetivo que o país diz que nunca permitirá. E em Gaza, argumenta o Estado judeu, a UNRWA ficou sob a influência do Hamas, uma afirmação que a agência rejeita.

O Estado judeu alega que pelo menos 10% da equipe da agência é afiliada a grupos armados palestinos em Gaza e que a suposta ligação dos funcionários com o Hamas compromete fundamentalmente seu trabalho. A UNRWA emprega 13 mil pessoas em Gaza, a maioria palestinos.

No mês passado, ao apresentar uma proposta para o cenário pós-guerra, o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu, disse que a agência deveria ser fechada e substituída "por agências internacionais de ajuda responsáveis".

Para Lazzarini, é "ingênuo" pensar que sua extinção poderia acontecer sem ameaçar a paz e a segurança mundiais e destacou que desmantelá-la é "falta de perspectiva":

— Se o fizermos, sacrificaremos uma geração inteira de crianças, plantando as sementes do ódio, do ressentimento e de futuros conflitos.

'Traumatizados'

Lazzarini também disse que muitos prisioneiros palestinos libertados por Israel voltaram "traumatizados" para a Faixa de Gaza depois de sofrerem o que consideram como "uma provação". Com a declaração, ele confirma as informações do New York Times sobre um relatório interno não publicado da agência sobre "centenas de prisioneiros libertados" pela passagem de Kerem Shalom, aprovada em dezembro como entrada “temporária” de ajuda humanitária ao enclave palestino.

Alguns dos detidos eram trabalhadores da UNRWA, de acordo com o diretor. Mais cedo, a agência acusou o governo de Israel, através de um comunicado, de cometer atos de "tortura" contra alguns de seus funcionários detidos na Faixa de Gaza desde outubro. Parte das agressões ocorriam em busca de confissões sobre supostos laços entre o órgão e o grupo terrorista Hamas. As autoridades israelenses rejeitaram as acusações.

— Vimos pessoas retornando da detenção, algumas depois de semanas, outras depois de meses. E a maioria delas completamente traumatizada pela provação pela qual passaram — explicou Lazzarini, acrescentando: — É um amplo espectro de maus-tratos. Pessoas sistematicamente humilhadas, pessoas fotografadas nuas, submetidas a abusos verbais e psicológicos, ameaças de eletrocussão [ou até mesmo] privação do sono, uso extremo de barulho para impedi-las de dormir, [ou] cães para intimidá-las. (Com AFP e NYT)


Fonte: O GLOBO

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