'Entrar numa rota de colisão não é bom para nenhum dos lados', diz cientista político sobre tensão entre Lira e governo

'Entrar numa rota de colisão não é bom para nenhum dos lados', diz cientista político sobre tensão entre Lira e governo

Para Leandro Consentino, Executivo tem que gastar 'sola de sapato' porque depende do Congresso para passar a sua agenda para a popularidade este ano

O cientista político e professor do Insper Leandro Consentino analisou o discurso do presidente da Câmara, Arthur Lira, na abertura do ano legislativo, e considerou que a fala é um sinal de alerta para o governo, que depende da Câmara para aprovar seus projetos prioritários econômicos este ano. Leia os trechos abaixo:

O presidente Lira mostrou sua insatisfação com o governo neste discurso?

O Poder Executivo tem sempre que prestar sempre atenção no seu relacionamento com o Congresso e esta disputa que promete ser bastante complicada e sobretudo em um ano que não é fácil, que deve terminar antes, porque tem as eleições municipais que devem atravancar a pauta no segundo semestre. Também tem a própria questão da sucessão de Lira e Pacheco (Rodrigo, presidente do Senado), que vai dar uma certa canseira no executivo. Esse ano é o tudo ou nada para o Lira, porque é o último ano dele à frente da presidência da Câmara.

A questão maior é a disputa pelas emendas que foram vetadas pelo presidente ou fator Alexandre Padilha na coordenação política?

Acho que são os dois fatores. A questão do Padilha, o que tenho lido é que ele tem uma ascendência grande sobre Nísia Trindade (ministra da Saúde). E o centrão sempre esteve de olho no Ministério da Saúde. É importante para o centrão, porque traz verbas vultosas, traz capilaridade, traz uma imagem importante para quem é titular, do partido que é titular. 

E o centrão tem um apetite insaciável. Por outro lado, com o orçamento impositivo as coisas mudaram. Antes o Executivo tinha a chave do cofre, quem tem agora é o Legislativo. Para o Bolsonaro, estava tudo bem não ter esse controle, mas no governo Lula, a gente sabia que ele tentaria retomar esse controle e está sendo essa briga que a gente está vendo.

No discurso, Lira se comprometeu que as propostas da área econômica irão avançar ....

A questão não é se elas vão avançar. A questão é saber quando e como sairá o projeto. Existe uma diferença muito grande, porque pode não ser exatamente o que o Planalto quer, o que o Haddad e o Lula querem.

Neste cenário, o executivo vai ter que ceder mesmo para poder governar?

Acho que ele vai ter que ceder os anéis para não perder os dedos. Não tem outra saída, é gastar solo de sapatos e saliva no convencimento dos líderes dentro do Congresso Nacional. O Lira pode muito, mas ele não pode tudo, sobretudo quando a gente sabe que há lideranças importantes nos partidos. Hoje ele tem o condão de representar essas lideranças do centrão. O governo pode tentar fazer, uma manobra bastante arriscada, é tentar desafiar essa autoridade de Lira e buscar esse diálogo diretamente com as lideranças da Câmara e tentar também fortalecer Rodrigo Pacheco de ouro, porque o nosso sistema é bicameral, então também contar com o Senado também é importante agora.

Mas será que isto seria possível?

É mais fácil fala do que fazer. Sem dúvida nenhuma, hoje as lideranças do Congresso apoiam muito a autoridade de Lira, prova disso que ele foi aplaudido várias vezes no discurso de hoje. A mensagem enviada por Lula não teve essa comoção. O fato de Lula ter se ausentado também não sei se foi a melhor das ideias, talvez desse um peso maior ali nesse momento, mas acho que ele não quis o desgaste.

E um pouco de revide também pelas ausências do próprio Lira. Vamos lembrar que só esse ano colecionamos três ausências significativas do Lira. Uma delas no ato que relembrou o 8 de janeiro, na posse do Lewandowski (Ricardo, ministro da Justiça) e na própria abertura do ano judiciário.

Então acho que foi um pouco de chumbo trocado, mas acredito que o governo não tem que fazer esse papel nesse momento, dado que ele depende do Congresso para fazer passar suas pautas.

O caminho possível seria sentar para conversar?

Acho que é o único caminho possível. Entrar numa rota de colisão neste momento, não é bom para nenhum dos lados. E o executivo também, às vezes, acaba sendo o "lado mais fraco", porque depende do Congresso para passar a sua agenda para a popularidade. Vamos lembrar que esse é ano eleitoral e, portanto, um ano importante para que o próprio governo tenha uma imagem positiva para poder fazer mais prefeitos e ter uma base maior. 

 O PT carece de uma penetração municipal que perdeu ali no esteio da Lava-Jato, e nunca mais se recuperou. Agora em 2024 é um momento de buscarem uma capilaridade maior e que se o governo tiver em maus lençóis, todos os candidatos ligados ao governo vão ter problemas. É um sinal de alerta para 2026, quando vai ter a tentativa de Lula se consolidar e o bolsonarismo ou a direita tentar reverter esse quadro.


Fonte: O GLOBO

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