Difusão instantânea e milhares de views: levantamento mostra como 'milícia digital' obedeceu ordem de ataque a generais

Difusão instantânea e milhares de views: levantamento mostra como 'milícia digital' obedeceu ordem de ataque a generais

Alvos de operação da Polícia Federal miraram militares como o general Tomás Paiva, escolhido por Lula para comandar o Exército

A investigação da Polícia Federal sobre a suposta participação do ex-presidente Jair Bolsonaro e aliados em uma tentativa de golpe de Estado revela uma teia de atuação que, segundo o inquérito, caracteriza uma “milícia digital”. 

O núcleo disseminava notícias falsas para desacreditar o processo eleitoral, distribuía nas redes relatórios com fake news sobre urnas e se valeu de informações oriundas de hackers. Um dos caminhos usados foi impulsionar ataques contra militares da cúpula que resistiram à trama golpista. As mensagens destinadas a desgastá-los tiveram ampla adesão entre perfis bolsonaristas, segundo levantamento do GLOBO.

Um dos alvos desses ataques, segundo a PF, foi o general Tomás Paiva, escolhido por Lula para comandar o Exército em fevereiro do ano passado. Mensagens revelaram que, em 17 de dezembro de 2022, o ex-ministro Braga Netto orientou que ataques a Paiva “viralizassem”. 

Na conversa obtida pelos policiais, Braga Netto narra ao ex-capitão Ailton Barros uma suposta visita em que Paiva teria repreendido Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, pela postura em relação à vitória de Lula. A conversa termina com uma ordem de Braga Netto para que o assunto seja compartilhado — segundo o ex-ministro, o atual comandante do Exército “nunca valeu nada” e é “PT desde pequeninho”.

Na noite da mesma data, o youtuber bolsonarista Allan Frutuozo da Silva compartilhou um vídeo intitulado “general melancia entra em desespero”. A expressão é utilizada com frequência pela direita para se referir a oficiais supostamente vinculados à esquerda, que seriam “verdes por fora e vermelhos por dentro”. Na postagem, o bolsonarista fez relato semelhante ao de Braga Netto, ao detalhar a suposta visita a Villas Bôas, e fez ataques a Tomás Paiva. A publicação teve mais de 600 mil visualizações no YouTube. A reportagem não conseguiu contato com Frutuozo.

Na manhã do dia seguinte à conversa de Braga Netto, o influenciador bolsonarista Ed Raposo encampou a mesma narrativa, chamando Paiva de “vergonha” que “merece desprezo eterno da tropa”. Dois minutos depois do conteúdo compartilhado por ele, outro perfil trouxe relato similar acompanhado de uma foto de Tomás Paiva com os dizeres “ele está fazendo pressão contra o presidente (Bolsonaro)” e “ele quer ser subordinado a um ladrão condenado”. Procurado, Braga Netto não se manifestou.

Estratégias de ataque de bolsonaristas nas redes — Foto: Editoria de Arte

Já o empresário Otávio Fakhoury fez ao menos uma postagem em 22 de dezembro de 2022 em que pressionava o general Marco Antônio Freire Gomes, então comandante do Exército, a sinalizar alinhamento a Bolsonaro. 

Sem mencionar diretamente uma intervenção militar, ele afirmou que “não é hora de dubiedade” e que “ainda não está claro para o povo” se o general “está com o presidente e com o povo ou não”. Em mensagens apreendidas pela PF, Braga Netto também orientou ataques a Freire Gomes, a quem chamou de “cagão”. O GLOBO não conseguiu contato com Fakhoury e seus advogados. Ele já declarou ser alvo de “ataques e campanhas difamatórias” e negou ser “propagador de fake news”.

Outra frente de ataques ao sistema eleitoral identificada pela PF foi levada adiante pelo economista e blogueiro Paulo Figueiredo Filho. Segundo a investigação, ele atuava para insuflar os militares a aderirem ao plano golpista “vazando” informações da caserna — uma das ocasiões teria sido a divulgação de nomes de integrantes da cúpula do Exército que estariam resistentes à ofensiva. 

Na manhã do dia 28 de novembro de 2022, Cid recebeu de um interlocutor um aviso para que assistisse ao programa do qual Figueiredo participava — Cid respondeu dizendo que já sabia o que iria acontecer.

Mais tarde, Figueiredo publicou uma mensagem nas redes sociais dizendo que daria “nome aos bois” e falaria do “verdadeiro clima entre os militares”. No programa, generais como Tomás Paiva foram alvos de ataques. Em nota, Figueiredo afirmou que sempre se posicionou “fortemente contra golpes de Estado, intervenções militares ou atos inconstitucionais”.

Segundo a PF, disseminar vídeos com informações falsas sobre a eleição também fez parte da estratégia da “milícia digital”. Em 4 de novembro de 2022, quando Bolsonaro já havia sido derrotado pelo presidente Lula, uma live realizada por um consultor argentino viralizou entre apoiadores do então chefe do Executivo. 

Na transmissão, foi apresentado um estudo falso alegando disparidades entre a distribuição de votos em urnas eletrônicas mais novas e o modelo antigo. A tese era que os equipamentos fabricados antes de 2020 “geraram uma anomalia a favor do candidato de número 13”, em referência a Lula.

Na sequência, o material da live foi disponibilizado na nuvem por Tércio Arnaud, então assessor da Presidência, e encaminhado ao tenente-coronel Mauro Cid, à época ajudante de ordens de Bolsonaro. A PF afirma que a intenção do grupo era “propagar a disseminação de conteúdo falso”. Na pasta digital, ainda foi encontrada uma versão editada da live, para facilitar a distribuição.

Carta de general

Em nota, a defesa de Cid afirmou que ele não fazia parte de grupo e que só vai se manifestar depois de ter acesso aos autos. Procurada, a defesa de Bolsonaro não se manifestou. Em pronunciamentos anteriores, os advogados afirmaram que o ex-presidente jamais atuou contra o estado democrático de direito. Já a defesa de Tércio disse que não teve acesso completo aos autos e que o momento é de “falar das questões jurídicas e deixar de usar a política como cortina de fumaça.”

A PF afirma que até mesmo informações oriundas de hackers foram usadas pelo núcleo na tentativa de tumultuar o processo eleitoral. Em uma mensagem apreendida, Cid afirma que está recebendo “cara de TI, hacker”. Em outra troca de mensagens, Cid recebe áudios encaminhados afirmando que votos teriam sido computador a favor de Lula, especialmente no Nordeste, após o fim do horário de votação, o que é falso.

Segundo blog da colunista Malu Gaspar, do GLOBO, Braga Netto não foi o único ministro a exercer pressão sobre a cúpula militar. O general Márcio Fernandes, que chegou ocupar interinamente a Secretaria-Geral da Presidência na gestão Bolsonaro, divulgou uma carta aberta pedindo ruptura institucional que circulou nas redes bolsonaristas às vésperas da diplomação de Lula como presidente eleito. Na mensagem, Fernandes diz que uma auditoria nas urnas é “urgente” e deveria ser “imposta ao Judiciário”.


Fonte: O GLOBO

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