Para advogados, intervalo de três meses entre pedido de prisão e operação da PF mostra que medidas não eram urgentes
A representação da Polícia Federal (PF) que pede a prisão preventiva de quatro auxiliares de Jair Bolsonaro acusados de tramar um golpe de Estado foi enviada ao Supremo Tribunal Federal (STF) em 9 de novembro, mas a operação só veio a ser realizada no último dia 8 de fevereiro.
O pedido, em que a PF classifica como imprescindível e urgente realizar as prisões e buscas nos endereços dos ex-ministros, auxiliares de Bolsonaro e militares envolvidos no plano golpista, transitou por três meses por escaninhos da Procuradoria-Geral da República (PGR) e do Supremo antes de ser finalmente despachado.
O intervalo está sendo usado pela defesa de pelo menos um dos réus, o coronel Marcelo Câmara, para contestar a urgência das ordens de busca e apreensão e a “contemporaneidade” dos fatos alegados com a ordem de prisão.
Pelo Código Penal, a contemporaneidade é um dos requisitos necessários para a ordem de prisão preventiva. Outros são a necessidade de manutenção da ordem pública e a necessidade de impedir que os supostos criminosos continuem delinquindo, entre outros.
Câmara, que era assessor especial do gabinete de Bolsonaro no Planalto, é acusado de monitorar ilegalmente adversários políticos do ex-presidente, incluindo o ministro do STF Alexandre de Moraes, a quem o grupo se referia como “professora”.
Ele foi um dos quatro investigados da operação Tempus Veritatis que tiveram a prisão preventiva decretada. Outros 19 foram alvo de busca e apreensão.
No pedido de prisão, a PF argumenta que havia o risco de o coronel continuar fazendo o monitoramento ilegal.
Mas no recurso, além de negar que o cliente estivesse de fato trabalhando na “Abin paralela” de Bolsonaro e de dizer que o coronel não representa risco à ordem pública, o advogado questiona a contemporaneidade e a urgência da prisão, se já se passaram 90 dias do pedido.
A cronologia do caso é a seguinte: a Polícia Federal fez a representação pedindo as buscas e prisões preventivas no dia 9 de novembro e protocolou o documento no Supremo no dia 16.
O documento foi então encaminhado pelo ministro Alexandre de Moraes à Procuradoria-Geral da República, que só veio a dar seu parecer (favorável ao pedido da PF) em 22 de dezembro – três dias depois da posse de Paulo Gonet na chefia do Ministério Público Federal (MPF).
No dia 1° de fevereiro, a PF acrescentou à representação o pedido de buscas sobre o presidente do PL, Valdemar Costa Neto. Só no dia 2 Alexandre de Moraes autorizou a operação, que aconteceu no último dia 8.
“Em tese, a medida da prisão ou é urgente e necessária ou não é”, escreveu Kuntz, para quem essa cronologia mostra a “desnecessidade” da prisão. O advogado diz na petição que está havendo “litigância de má fé”.
A tese de Kuntz deve ser adotada também pelas defesas de outros réus, que de maneira geral estão se dizendo vítimas de perseguição política e judicial.
Nem a Procuradoria-Geral da República e nem o STF responderam oficialmente às perguntas sobre o trâmite do caso, mas interlocutores da coluna nos dois órgãos disseram que processos complexos como o da operação contra o golpismo costumam demandar mais tempo para a análise.
Além disso, houve troca de comando na PGR entre o dia que a representação da PF chegou ao órgão e o momento em que o parecer foi finalizado. Paulo Gonet foi indicado por Lula no dia 27 de novembro, teve o nome aprovado pelo Senado Federal em 13 de dezembro e tomou posse em 19 daquele mês. Ele despachou seu parecer três dias depois de assumir o comando do MPF, mas já no recesso do Judiciário.
Alexandre de Moraes, por sua vez, despachou o processo assim que voltou do recesso.
Fonte: O GLOBO
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