O problema é dificílimo porque não se vê solução. O Corinthians não é um devedor comum. Já a Caixa não pode aceitar o calote
Diz um ditado nem tão popular que, se você tem uma dívida de R$ 1 milhão com o banco, o problema é seu. Se a dívida for de R$ 1 bilhão, o problema é do banco. A quantidade de zeros muda a perspectiva sobre quem está em desvantagem, porque indica o tamanho do risco assumido por cada uma das partes. Esta é mais ou menos a situação em que está a Caixa Econômica Federal no caso do estádio do Corinthians — problema que está sem solução há muitos anos e continua sem desfecho.
O assunto voltou ao noticiário por causa da recente e frustrada tentativa de chegar a um novo acordo, para viabilizar o pagamento da dívida que o clube tem com o banco público. No fim do mandato de Duílio Monteiro Alves, o Corinthians ofereceu o contrato de naming rights e uma operação envolvendo precatórios. A Caixa recusou. Agora, no início da administração de Augusto Melo, a nova diretoria viajou a Brasília para recomeçar a negociação. Não se sabe no que dará.
Essa história de precatórios vale ser recapitulada. O precatório é uma dívida que o governo — seja cidade, Estado ou União — tem com alguém. Digamos que esse alguém tenha o direito de receber R$ 1 milhão ao longo de dez anos, tanto faz o motivo. Ele pode receber conforme o prazo, ou, se tiver pressa ou necessidade, pode vender o título para outra pessoa por um valor muito mais baixo. “Você me dá R$ 100 mil, eu te dou o precatório, e você recebe R$ 1 milhão do governo”. Sacou?
O Corinthians pretendia ir ao mercado comprar os precatórios de um monte de gente, para então dar esses precatórios na mão da Caixa e quitar a sua dívida rapidamente. O Corinthians se daria bem, porque pagaria muito menos e se livraria do problema logo. Já a Caixa passaria a ter o governo como credor dela. A questão é que não se faz esse tipo de operação com banco público. Se a Caixa aceitasse, abriria um precedente perigoso para ela mesma em relação a vários outros credores.
Voltemos ao cerne do problema. Por que a Caixa está enrascada no caso do estádio? Pois as garantias de pagamento são frágeis e não parece haver meios para obrigar o clube a fazer o desembolso. Se um cidadão faz o financiamento de um apartamento, mas não paga as parcelas, o banco toma o imóvel dele e vende para outro. Se o Corinthians tem uma dívida para lá de R$ 700 milhões e não paga, o que a Caixa vai fazer? Executar o estádio e leiloar? Vender para o Santos?
É por isto que o Corinthians negocia, enrola, mas não resolve. Por um lado, é verdade que a taxa de juros atual faz com que qualquer dívida desse tamanho machuque o devedor. Por mais que se pague muito todo mês, a dívida em si baixa pouco. Por outro lado, o clube tem faturamento de centenas de milhões de reais. Por que não usar bilheteria, sócio-torcedor, patrocínio para pagar o estádio? Pois o futebol seria prejudicado, ao não dispor desse dinheiro. E, na real, a Caixa não sabe o que fazer.
O problema é dificílimo porque não se vê solução. O Corinthians não é um devedor comum. É um clube popular que está afundado em dívidas — e nem em campo tem vencido, o que só piora o humor. Já a Caixa não pode aceitar o calote, pois, banco público que é, a repercussão negativa prejudicaria a imagem do governo, do presidente Lula e do PT. Ficamos assim. Negocia, renegocia, vai para Brasília, tira foto com ministro. Ninguém resolve. Todo mundo sofre, mas sofre aos poucos.
Fonte: O GLOBO
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