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Ram é um dos deuses mais venerados entre os hindus da Índia — que são cerca de 80% da população de 1,4 bilhão de habitantes. Herói do épico Ramayana, ele é um rei e um modelo de virtude, exilado de sua terra natal, Ayodhya, que volta para casa para uma coroação jubilosa. Há semanas, a consagração do templo, marcada para esta segunda, era vista com entusiasmo por seguidores do hinduísmo, que penduraram flâmulas cor de açafrão por ruas e mercados, e cartazes com a imagem da divindade, anunciando o evento em todos os lugares.
No entanto, para os cerca de 200 milhões de muçulmanos que vivem na Índia, a inauguração do templo de Ram foi vista com desespero e desamparo, representando uma derrota histórica. A construção foi feita no mesmo local onde ficava a Mesquita Babri, destruída em 1992 por nacionalistas hindus, evento que desencadeou uma onda de violência sectária que deixou milhares de mortos.
A forma como a mesquita foi arrasada abriu um precedente de impunidade que reverbera até hoje: linchamentos de homens muçulmanos acusados de abater ou transportar vacas, espancamentos de casais inter-religiosos para combater a chamado “jihad do amor” e – em um eco de Ayodhya – “justiça com escavadeiras”, em que as casas de muçulmanos são arrasadas por autoridades sem o devido processo legal, na sequência das tensões religiosas.
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Primeiro-ministro da Índia abre novo templo em Ayodhya
A inauguração do templo — e o fato de Modi ter sido a estrela do evento — foram apontados como sinais de que a narrativa nacionalista-hindu ganha cada vez mais espaço dentro do governo indiano, e que o premier não se importará de intensificar este processo na busca por seu terceiro mandato.
Enquanto os pais fundadores da Índia esforçaram-se para manter o Estado afastado da religião, considerando a divisão como um fator crucial para manter a coesão do país após o derramamento de sangue provocado pela divisão do subcontinente indiano de 1947, que separou o Paquistão e a Índia, Modi normalizou o oposto.
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Depois de completar os rituais de consagração ao lado de religiosos, na segunda-feira, Modi prostrou-se diante da estátua de Ram, esculpido com um largo sorriso, olhos em pedra preta e enfeitado com joias. A imagem de Modi como político e uma espécie de líder espiritual do país são cada vez mais indissociáveis. O chefe do seu partido descreveu-o recentemente como “o rei dos deuses”. Antes da inauguração, a cidade estava coberta de cartazes e outdoors do deus hindu e do político, lado a lado.
O premier cultua essa imagem. Antes da inauguração do templo, entrou em um ritual de purificação de 11 dias. Modi foi visto percorrendo templos por todo o país, e quando seu gabinete divulgou fotos dele em sua residência alimentando vacas, que são vistas como sagradas por muitos hindus, canais de televisão as exibiram como notícias de última hora.
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Entre as suas expressões de devoção religiosa, Modi cuidou do trabalho do Estado, inaugurando grandes projetos que perpetuam a sua imagem de defensor do desenvolvimento. De acordo com analistas, a mistura de religião e política — somada à exploração dos vastos recursos ao seu serviço — conseguiu, de certo modo, fazer com que questionamentos a ele seja o mesmo que questionar os valores hindus, algo semelhante à blasfêmia.
— Hoje, nosso Ram chegou. Depois de séculos de paciência e sacrifício, nosso Senhor Ram chegou. É o início de uma nova era. — disse Modi durante a cerimônia, vista como uma coroação do movimento nacional que visa estabelecer a supremacia hindu.
Disputa política em torno de local sagrado
O templo de Ram foi construído no local onde ficava a secular mesquita Babri, construída por um comandante militar do Império Mughal — o reinado muçulmano que governou parte do subcontinente indiano — no século XVI.
Para o hinduísmo, o período do império deixou como herança a rivalidade com o Islã, e ao menos uma corrente político-religiosa afirma que a mesquita foi construída no local de um antigo templo em homenagem a Ram. Em 1949, logo após o Reino Unido deixar a Índia, ativistas hindus levaram ídolos representando Ram para a mesquita, de acordo com documentos judiciais, o que intensificou a disputa pelo local.
Contudo, foi apenas na década de 1980 que a recuperação do local surgiu como um objetivo importante para o movimento Hindutva, que se opõe a líderes seculares como Gandhi e defendem a ideia da Índia como um Estado Hindu— um de seus integrantes, Nathuram Godse, assassinou Gandhi, em 1948. O jovem Narendra Modi participou de campanhas pela construção do templo.
Contudo, foi apenas na década de 1980 que a recuperação do local surgiu como um objetivo importante para o movimento Hindutva, que se opõe a líderes seculares como Gandhi e defendem a ideia da Índia como um Estado Hindu— um de seus integrantes, Nathuram Godse, assassinou Gandhi, em 1948. O jovem Narendra Modi participou de campanhas pela construção do templo.
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Em 1992, o partido político que representa o Hindutva, o Partido Bharatiya Janata (BJP, hoje dirigido por Modi) e os seus grupos afiliados mobilizaram quase 100 mil pessoas para se reunirem em Ayodhya em 6 de dezembro. À frente do governo local, a sigla ordenou que a polícia não impedisse que a multidão cercasse, invadisse e destruísse a mesquita.
Por décadas, o terreno em questão foi alvo de uma série de disputas judiciais, ficando amarrado por uma série de decisões. Em 2019, após a vitória de Modi para um segundo mandato, a Suprema Corte abriu caminho para ao desfecho atual. Considerou que a destruição da mesquita tinha sido um ato ilegal, mas depois emitiu uma sentença que liberou a construção do templo hindu. Aos muçulmanos, foi oferecido um terreno baldio a quilômetros de distância.
O templo foi erguido em uma área de 70 acres e a um custo de quase 250 milhões de dólares. O dinheiro foi arrecadado de forma privada, mas muitos aspectos da consagração foram feitas pelo Estado. A cidade de Ayodhya também ganhou um novo aeroporto, serviços de trem e grandes melhorias urbanas. Chefes de alguns partidos políticos, bem como alguns líderes religiosos hindus, recusaram-se a comparecer à cerimônia pela confusão entre Igreja e Estado. (Com The New York Times)
Fonte: O GLOBO
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