
Controverso em seu próprio país e praticamente em qualquer canto do planeta, na China Henry Kissinger tinha uma zona de conforto garantida. Tratado como herói pelo Partido Comunista e pop star pelo público em geral, gozava de um consenso positivo raro por sua participação decisiva no estabelecimento de relações com os Estados Unidos, mas não só por isso.
Em meio ao clima cada vez mais azedo entre as duas potências, Kissinger manteve-se como a única personalidade americana com portas abertas ao mais alto escalão chinês. Em sua última visita ao país, no mês de julho, o ex-secretário de Estado foi recebido pelo presidente Xi Jinping, o líder mais poderoso do país desde Mao Tsé-tung, com quem Kissinger reunira-se em 1971 em sua histórica viagem secreta a Pequim.
Cercado de simbolismos e mensagens subliminares, o encontro com Xi aconteceu na residência oficial para visitantes ilustres de Diaoyutai, um deslumbrante complexo de jardins construído há mais de 800 anos, mesmo local onde Kissinger ficara hospedado em 1971 ao dar início ao degelo entre os dois países. Enquanto Kissinger era bajulado pelo topo da liderança comunista, um outro americano penava para quebrar o gelo, sem tanto sucesso. Representante da Casa Branca para o clima, John Kerry passou quatro dias em Pequim, mas não foi recebido por Xi Jinping.
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Aos cem anos e caminhando com dificuldade, Kissinger foi amparado pelo czar da diplomacia, Wang Yi, que segurava o braço do veterano diplomata como quem conduz um ancião da família. “O povo chinês jamais esquece seus velhos amigos e as relações sino-americanas estarão sempre ligadas a Henry Kissinger”, disse então Xi Jinping. Segundo o governo, ao saber da morte do “velho amigo”, o líder chinês enviou uma mensagem de condolências à família e ao presidente dos EUA, Joe Biden.
A reverência do PC chinês a Kissinger não se deve somente a seu papel no passado, mas também pela defesa mantida por ele nos últimos anos a uma relação menos hostil dos EUA ao país asiático. Em entrevistas recentes, Kissinger criticou o governo Biden por deixar que a política doméstica ditasse o acirramento dos laços com a China e alertou que a escalada de tensão poderia levar "a uma catástrofe comparável à Primeira Guerra Mundial."
Em seu encontro com Kissinger, Wang Yi usou os elogios ao veterano diplomata para atacar o governo americano atual: o que falta hoje em dia em Washington é “uma sabedoria no estilo de Kissinger", alfinetou Wang. Ao despedir-se do ex-secretário de Estado americano nesta quinta, a principal porta-voz da diplomacia chinesa, Hua Chunying, foi mais sutil, mas a mensagem foi semelhante.
- Imensamente triste com o falecimento do Dr. Kissinger, estadista internacional e um diplomata completo. Seus esforços históricos para abrir e construir relações construtivas com a China serão sempre lembrados. Sua visão e sabedoria continuarão a servir de inspiração ao redor do Pacífico e do mundo - exaltou Hua.
Fonte: O GLOBO
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