Calorão pressiona preço de alimentos e analistas estimam cenário pior para 2024

Calorão pressiona preço de alimentos e analistas estimam cenário pior para 2024

Efeitos já são percebidos nos produtos in natura, como hortaliças e tubérculos, e devem impedir queda mais acentuada dos alimentos no acumulado do ano

Os recentes eventos climáticos, como as ondas de calor no Centro-Oeste e as chuvas abundantes no Sul, tendem a pressionar os preços de alimentos no fim deste ano e nos primeiros meses de 2024, segundo as projeções de economistas.

Os efeitos já são percebidos nos preços de produtos in natura, como hortaliças e tubérculos, e devem impedir queda mais acentuada dos alimentos no acumulado do ano. Para 2024, o que se espera é um impacto maior no primeiro trimestre, que tende a se dissipar com a chegada do outono.

André Braz, coordenador dos Índices de Preços do FGV Ibre, estima que a inflação de alimentos em domicílio encerre o ano com queda de 2,5%. Em 2024, prevê alta de 3,9%.

Essa mudança de direção nos preços, mesmo que temporária, tem impacto no orçamento das famílias, já que reduz o espaço para gastos com outros produtos. Braz destaca que, em média, as famílias gastam 16% de sua renda com a compra de alimentos.

— O El Niño pode comprometer as safras de 2023 e 2024. Para este ano, o efeito que já estamos percebendo, mas que também é típico desta época, é o aumento dos alimentos in natura. Hortaliças, legumes e frutas sobem muito. Isso é tradicional, mas essa alta parece ser um pouco maior pelo El Niño, que vem intensificando as ondas de calor e chuvas em algumas regiões do país — afirmou Braz.

Em outubro, a alimentação no domicílio subiu 0,27%, após quatro quedas seguidas.

A estrategista de inflação da Warren Investimentos, Andréa Angelo, diz que, em 2024, a inflação de alimentos pode chegar a 6,6%, com impacto centrado no primeiro trimestre, em um cenário de fortes efeitos adversos do El Niño. Caso o cenário se mostre mais benigno, espera alta de 4%.

Flutuação maior de preço

O presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, afirmou ontem, durante o evento “E agora, Brasil?”, promovido pelo GLOBO e pelo Valor, que as discussões sobre mudanças climáticas já chegaram aos bancos centrais.

— O número crescente de desastres climáticos que estamos vendo tem influência no mandato do Banco Central já que gera uma grande instabilidade de preços em energia e alimentos — afirmou. — Eu tenho uma preocupação talvez maior com esse tema do que a média dos bancos centrais. Talvez por estar no Brasil e ver o impacto que a gente está tendo.

Ele disse que isso traz mais volatilidade aos preços, o que significa mais incerteza:

— Não dá para dizer que o preço de alimentos vai subir, é difícil achar essa relação, mas dá para dizer que vai ser mais volátil, ou seja, vai ter mais flutuação de preço.

Sombrinha para pepino

Nos cálculos do Santander, a inflação em domicílio vai encerrar o ano com queda de 1,20%, mas em 2024 deve subir 3,7%.

— Os itens in natura sentem os dois extremos, tanto chuvas quanto calor excessivos. A questão das chuvas no Sul e no Sudeste afetou a inflação de produtos como tubérculos, hortaliças e frutas — afirmou Adriano Valladão, economista do Santander.

Os comerciantes usam sombrinhas para proteger produtos do sol no Ceasa-RJ — Foto: Gabriel de Paiva/Agência O Globo

A onda de calor levou comerciantes a adotarem estratégias para reduzir as perdas com alimentos, desde proteger os produtos do sol até reforçar a refrigeração nas gôndolas dos supermercados. Na Ceasa-RJ, em Irajá, na Zona Norte, Betânia Okano, dona de uma barraca de legumes, recorreu a uma sombrinha para proteger bandejas de pepinos, berinjelas, abobrinhas, vagens e pimentões do sol quente.

— Os legumes estão mais fracos, sem cor. O jiló, por exemplo, está chegando muito amarelado. A sombrinha dá uma quebrada no sol — disse.

Enquanto alguns legumes resistem mais, as frutas acabam ficando mais vulneráveis ao calorão. O comerciante Flagner Marinho calcula que a perda diária de frutas como morango, uva, pêssego, ameixa e mamão, que era de no máximo 20 caixas, já dobrou nesta semana.

— Tudo está vulnerável. O morango, por exemplo, até vem refrigerado, mas chega aqui e fica desprotegido, no calor. Aí não tem para onde correr — afirmou.

Transporte de madrugada

Com as perdas aumentando, o preço dos alimentos sobe. Na barraca de Flagner, a caixa de bananas — que custava R$ 60 — agora sai por R$ 100. Já as quatro caixinhas de morango, que até a semana passada eram vendidas por R$ 12, já custam R$ 20.

No caso das verduras, a situação é ainda mais dramática. Produtor de Teresópolis, na Região Serrana do Rio, Evandro Lima observa que, antes, chegava ao Ceasa-RJ com cerca de 150 caixas de verduras. Nos últimos dias, foram apenas 40. Com menos oferta, o preço sobe: a caixa de alface saltou de R$ 15 para R$ 40, um aumento de 167%.

— A alface chega murcha, o brócolis logo amarela, o repolho fica com as folhas queimadas, o tomate sai da plantação ainda meio verde mas chega aqui já quase estragando. Tudo está piorando. Antes mesmo de colher a produção já está murcha, queimada — lamenta.

A rede de supermercados Mundial transferiu o transporte de legumes para a madrugada, em busca de algum refresco, e contratou caminhões refrigerados extras para as frutas, antes levadas às lojas em veículos comuns.

— As hortaliças a gente já transporta de madrugada, direto do campo, sem intermediário. Quando chega na loja, elas ficam estocadas numa sala climatizada e sendo repostas na área de venda. Agora instalamos vaporizadores, que associados ao ar-condicionado da loja mantêm as verduras úmidas e frescas por mais tempo — afirmou Josie Montebello, responsável pelo setor de Qualidade do Mundial.


Fonte: O GLOBO

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