Indústria brasileira teme 'efeito Milei' nas vendas para Argentina

Indústria brasileira teme 'efeito Milei' nas vendas para Argentina

Setores como o de calçados receiam que queda nas exportações para o país se agrave após vitória do candidato de extrema direita nas primárias. Possíveis medidas para conter a fuga de dólares também podem dificultar trocas comerciais

A piora da crise argentina já afeta setores da economia brasileira que estabelecem trocas comerciais com o país. Representantes de associações ligadas a produtos manufaturados relatam queda nas exportações este ano e temem piora nos envios nos próximos meses - ao menos até dezembro, quando os argentinos decidirão quem será o novo presidente do país.

Além disso, possíveis medidas do governo para conter a fuga de dólares podem dificultar as relações comerciais da Argentina com o Brasil, avalia especialista.

Um dia após a vitória inesperada do candidato de extrema direita, Javier Milei, nas prévias das eleições presidenciais de outubro, o banco central argentino decidiu subir a taxa básica de juros em 21 pontos, para 118% ao ano, e subir o dólar oficial em 22%, que passa a valer 350 pesos.

Terceiro maior parceiro comercial do Brasil

No curto prazo, o anúncio de medidas para impedir a saída de dólares da Argentina pode dificultar ainda mais o comércio brasileiro com o país, projeta Lia Valls Pereira, pesquisadora da FGV IBRE e especialista em comércio exterior.

A economista lembra que a Argentina é o terceiro maior parceiro comercial do Brasil, atrás apenas da China e dos Estados Unidos. O país importa uma série de produtos manufaturados e, com a pior seca em décadas, ampliou também a importação de commodities como soja — que chegou até a superar, em valor, a exportação de partes e peças de automóveis para o país.

Para Lia, a piora da crise argentina deve reduzir as exportações e afetar, por exemplo, a demanda interna brasileira por automóveis, que já não estava tão alta:

— É um setor que deve apresentar piora. Além disso, se a oferta de soja na Argentina se regularizar e eles importarem menos, a contribuição da Argentina para o superávit brasileiro vai diminuir.

‘Impacto vai ser pior daqui para a frente’

Segundo Haroldo Ferreira, presidente-executivo da Abicalçados, o resultado das eleições primárias pegou diferentes agentes econômicos de surpresa, e as empresas da indústria de calçados estão preocupadas com os rumos da economia argentina.

O país se tornou o principal destino das exportações brasileiras diante do arrefecimento da economia norte-americana e, mesmo assim, já importa menos mercadorias do que no passado. As exportações de calçados brasileiros para a Argentina recuaram 8,3% entre janeiro e julho deste ano, em relação ao mesmo período do ano passado, segundo a entidade.

— O setor fica preocupado. A gente já sentiu bastante a queda (das exportações) no último mês, e o impacto vai ser pior daqui para frente. Enquanto o quadro eleitoral não estiver definido, o impacto é bastante sensível e o viés é de baixa na exportação comercial — diz Ferreira.

A Associação Brasileira das Empresas de Componentes para Couro, Calçados e Artefatos (Assintecal) acompanha de perto a situação argentina. O país é o segundo principal destino das exportações.

A superintendente da entidade, Silvana Dilly, lembra que os embarques caíram este ano por conta da crise de demanda local somada às dificuldades para recebimento dos pagamentos das importações, já que o Banco Central local dificultou o acesso ao mercado de câmbios, o que vem atrasando pagamentos em até meio ano.

“A vitória do candidato Javier Milei, neste primeiro momento, não foi bem recebida pelos mercados. O impacto nesse primeiro momento não é positivo, mas seguiremos trabalhando com esse importante mercado para os componentes brasileiros, com o qual temos uma excelente relação a despeito dos governos e suas políticas econômicas instáveis”, disse, em nota.

Procurada, a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea) disse que “não comenta sobre temas políticos do Brasil ou de seus parceiros comerciais”.

A indústria brasileira do trigo, que compra o produto do mercado argentino, aguarda o resultado das eleições para avaliar possíveis impactos sobre a importação. Rubens Barbosa, presidente-executivo da Abitrigo, lembra que a produção de trigo na Argentina caiu pela metade em 2022 por conta da seca histórica, e isso teve efeito sobre os moinhos brasileiros. Mas o problema foi sanado com a compra de parceiros alternativos - como Estados Unidos, Rússia, Uruguai e Paraguai.

Já outros setores industriais, como os de automóveis e eletrodomésticos da linha branca, sofreram com a queda das exportações para a Argentina, lembra Barbosa.

— Em relação ao resultado das eleições primárias, ainda não dá para projetar efeitos sobre a perspectiva da colaboração Brasil-Argentina. A situação ainda pode mudar.

Pessoas passam em frente ao Ministério da Economia da Argentina, em Buenos Aires — Foto: AFP

Incerteza deve permanecer elevada

O banco Goldman Sachs, em relatório elaborado por Sergio Armella, afirma que os investidores domésticos e internacionais precisarão avaliar cuidadosamente os possíveis efeitos do resultado das eleições primárias.

O economista lembra que a incerteza sobre os rumos da economia argentina permanecerão elevados até as eleições, já que a confiabilidade das pesquisas (que não mostravam a vitória de Malei) pode ser questionada.

“A nosso ver, para os investidores, será fundamental aferir qual força política se consolida como vice-campeã e que poderá eventualmente disputar um segundo turno com o candidato em novembro. Os investidores também devem voltar suas atenções para a agenda econômica de uma potencial administração de Milei. Também importante será como o Fundo Monetário Internacional (FMI) decidirá se envolver com as autoridades argentinas daqui para frente”, escreveu.


Fonte: O GLOBO

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