Com expectativa de derrota em comissão, governistas apostam em Pacheco para travar marco temporal

Com expectativa de derrota em comissão, governistas apostam em Pacheco para travar marco temporal

Comissão de Agricultura do Senado deve aprovar parecer nesta quarta-feira

Em meio a um cenário desfavorável na Comissão de Agricultura do Senado, governistas apostam suas fichas no presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), para engavetar a proposta do marco temporal. Nesta quarta-feira, o texto que limita o direito de povos originários à terra deve ser discutido e aprovado pelo colegiado. Em plenário, contudo, onde a última palavra da Casa é dada, a ideia de aliados do Palácio do Planalto é segurar a apreciação da matéria.

A prerrogativa da definição da pauta em plenário é de Pacheco, que vem sendo pressionado a engavetar o texto. O governo prefere que o assunto seja decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que já iniciou julgamento sobre o tema e tende a estabelecer tese jurídica mais próxima da defendida por indígenas.

O texto analisado por comissão do Senado, que já tramitou pela Câmara, define um marco temporal, 1988, para reconhecimento de terras. Ou seja, apenas os povos que já habitavam determinada região até esta data teriam direitos sobre o solo.

Na Comissão de Agricultura, o acordo entre diversas forças políticas é aprovar o parecer nesta quarta, após seguidos adiamentos. Governistas admitem dificuldade em articular mudanças no projeto, de modo que veem poucas chances de um relatório considerado equilibrado prosperar. Por isso, atuam nos bastidores para convencer Pacheco a procrastinar.

Em reunião com a ministra dos Povos Originários, Sonia Guajajara, no final de maio, Pacheco assegurou que não haverá qualquer atropelo na apreciação do projeto. Antes de ir ao plenário, o marco temporal será votado ainda pela Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ).

A ministra esteve novamente no Senado na terça-feira para tentar, junto à base governista, novas costuras contra o marco, e propôs alterações na redação. Ela ainda tenta convencer parlamentares a flexibilizar o texto. Mas também admite a preferência por uma tramitação mais longa.

— Queremos que o texto seja distribuído para as comissões do Meio Ambiente e dos Direitos Humanos e que o STF julgue antes. Tivemos uma conversa com Pacheco e ele se comprometeu que não atropelaria o rito do STF. Estamos tentando articular uma nova conversa com ele, mas ainda não conseguimos — relatou a deputada Célia Xakriabá (PSOL-MG), que acompanhou Guajajara.

Na avaliação dos governistas, derrotar a matéria depende do empenho de Pacheco. O senador, contudo, tem deixado o assunto seguir o curso normal, sem se comprometer.

Para justificar a estratégia, senadores da base argumentam que não há sentido a Casa aprovar um projeto com alto potencial de ser vetado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), bem como ser considerado institucional pelo STF.

Em paralelo, governistas afirmam estar abertos para construir um novo substitutivo ao texto aprovado na Câmara. Na última sexta-feira, o líder do governo no Senado, senador Jaques Wagner (PT-BA), esteve em reunião com integrantes da Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) para tentar articular alternativas. O encontro, contudo, não serviu para um entendimento.

— O substitutivo aprovado na Câmara é coerente, preserva as condicionantes, a segurança jurídica — disse a senadora Soraya Thronicke, relatora na Comissão de Agricultura, que preservou a redação da Câmara dos Deputados.

O projeto gerou intensa mobilização contrária de ambientalistas e defensores dos direitos dos indígenas, que chegaram a promover bloqueios em estradas e mobilizaram artistas internacionais contra a medida. Ala de senadores contrária à proposta aponta que usar o ano da promulgação da Constituição (1988) como marco seria retroceder em relação às terras conquistadas.

Outra preocupação é que a proposta abre margem para contato com povos isolados caso haja “utilidade pública”, sem definir os critérios de forma promenorizada. Um trecho, por exemplo, afirma que o “usufruto dos índios não se sobrepõe ao interesse da política de defesa e soberania nacional” e permite que sejam desenvolvidas atividades nas reservas sem que as comunidades sejam consultadas.

Em contrapartida, os defensores da proposta afirmam que o marco temporal trará segurança jurídica a proprietários de terras no país, que poderiam ser desapropriados caso, futuramente, suas terras fossem reivindicadas como território indígena. A FPA defende que a votação seja concluída no Congresso antes de uma decisão no STF. A ala afirma que definir as legislações sobre o tema é papel do Congresso, e não do Judiciário.

— São 16 anos de debate e chegamos num ponto em que não se pode fugir de uma solução viável. Não podemos mais deixar que o Supremo resolva isso, pois essa é a função do Poder Legislativo — afirmou Thronicke.

Como está julgamento no STF

processo no STF trata especificamente do território ocupado pelo povo indígena xokleng, em Santa Catarina. A Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai) questiona uma decisão da Justiça Federal do estado que aplicou a tese do marco temporal ao conceder a reintegração de posse de uma área que integra a reserva ocupada pelos indígenas. A decisão neste processo terá repercussão geral e há várias ações travadas esperando a definição.

O Supremo adiou o julgamento em 7 de junho, depois de Alexandre de Moraes se posicionar contra e reconhecer que "os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam independe da existência de um marco temporal em 05 de outubro de 1988". O ministro André Mendonça pediu vista do caso.

Além de Moraes, outros dois ministros votaram no caso do marco temporal: Edson Fachin, relator, que é contrário à tese, e Nunes Marques, que é a favor. A previsão é que o tribunal volte a discutir o assunto até setembro, tendo em vista que Mendonça se comprometeu a devolver o processo em prazo hábil para que a ministra Rosa Weber — que se aposenta até 2 de outubro — possa votar.


Fonte: O GLOBO

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