Apesar de gestões diplomáticas, Ortega evita contato com Lula para não libertar bispo preso

Apesar de gestões diplomáticas, Ortega evita contato com Lula para não libertar bispo preso

Chanceler Mauro Vieira se reuniu recentemente em Brasília com colega nicaraguense, Denis Moncada, e expressou preocupação do Brasil

Desde que o Papa Francisco pediu ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva que intercedesse junto ao regime de Daniel Ortega para conseguir a libertação do bispo Rolando Álvarez — preso em março e devolvido ao cárcere depois de um breve período em liberdade, no fim de junho — o governo brasileiro vem fracassando na tentativa de obter contato com o líder nicaraguense.

No âmbito do Foro de São Paulo, realizado no fim de junho em Brasília, o chanceler Mauro Vieira se reuniu com seu colega nicaraguense, Denis Moncada, segundo confirmaram ao GLOBO fontes diplomáticas. No encontro, acrescentaram as fontes, Vieira expressou as preocupações do governo Lula pela situação política na Nicarágua e falou sobre a prisão do bispo Álvarez, mas não obteve avanços.

O regime de Ortega é acusado por ONGs e organizações internacionais de comandar uma repressão violenta contra opositores. No início do ano, um relatório de especialistas no âmbito da ONU afirmou que é possível confirmar que a partir das manifestações de 2018 contra o governo “foram cometidos, e continuam sendo cometidos, graves violações e abusos dos direitos humanos”, como “execuções extrajudiciais, detenções arbitrárias, tortura, privação da nacionalidade e do direito a permanecer no próprio país”, em atos que seriam “crimes de lesa-Humanidade”.

O relatório também acusou o governo de Ortega — no poder pela segunda vez desde 2006 — de ter “destruído o espaço cívico e democrático”, além de controlar “as altas autoridades dos Poderes Legislativo e Judiciário”.

O governo brasileiro acredita que um contato entre Lula e Ortega tem chances de acontecer, já que ambos os chefes de Estado se conhecem há mais de 30 anos, e a posição do presidente brasileiro tem sido cautelosa ao se referir à situação política na Nicarágua. O governo brasileiro já condenou publicamente decisões de Ortega, como a retirada de nacionalidade de mais de 200 opositores — a grande maioria deportada para os EUA em fevereiro — no âmbito da ONU.

Lula, porém, é cuidadoso ao falar sobre o país, como fez, também, na campanha eleitoral de 2022 — contrariando assessores que defendiam uma posição mais dura sobre o regime de Ortega. A atitude do presidente brasileiro, explicaram fontes do governo, busca manter um canal de diálogo aberto com o regime nicaraguense, assim como acontece, seguindo o mesmo raciocínio, com a Venezuela de Nicolás Maduro, que terá seu grande teste na eleição presidencial marcada para 2024.

A questão Nicarágua poderá surgir na cúpula de chefes de Estado da Comunidade de Estados Latino-americanos e Caribenhos (Celac), no início da semana que vem, em Bruxelas. Lula não pretendia participar, mas finalmente, atendendo ao pedido de vários líderes europeus, entre eles o premier da Espanha, Pedro Sánchez, decidiu viajar.

Fontes do governo brasileiro acreditam que vários países farão referências à situação política da Nicarágua — e também à da Venezuela — no encontro. Lula terá, ainda, vários encontros bilaterais, nos quais, disseram fontes do governo, o assunto Nicarágua poderá surgir. O presidente brasileiro, frisaram as fontes, está empenhado em atender ao pedido do Papa Francisco. Em Bruxelas, estarão também autoridades do governo cubano, que tem diálogo fluido com o regime de Ortega e poderiam servir de ponte.

Na saída do encontro com o Papa no Vaticano, em junho, Lula disse que faria pessoalmente lobby com Ortega, que conheceu na década de 1980 em eventos políticos na Nicarágua, para defender a libertação do bispo. O brasileiro disse que “não há razão” para que Álvarez seja impedido de exercer suas funções e afirmou, ainda, que Ortega deveria ter “a coragem” de reconhecer que houve um erro. A situação no país, admitiu uma fonte do governo brasileiro, é grave.

Esta semana, a polícia da Nicarágua deteve mais um padre católico crítico ao regime, que este ano rompeu relações com o Vaticano. Trata-se de Fernando Zamora, que exerce funções administrativas na diocese de Siuna. Sua prisão ocorreu no domingo, após o padre assistir a uma missa presidida pelo principal líder católico do país, o cardeal Leopoldo Brenes. Zamora é o sétimo religioso detido no país e, até ontem, seu paradeiro ainda era desconhecido.

Muitos dos detidos estão na prisão de La Modelo, e a situação é complexa desde que fracassaram as negociações entre o governo sandinista e um enviado do Vaticano. No total, o regime de Ortega já condenou três padres e pôs quatro sob investigação — dois deles em prisão domiciliar.

As gestões para que ocorra um contato entre Lula e Ortega estão ocorrendo em canais diplomáticos. Além da conversa de Vieira com o chanceler nicaraguense, a Embaixada do Brasil em Manágua foi acionada, e foram feitos contatos com a Embaixada da Nicarágua em Brasília. Mas, até o momento, não houve avanços.

Além dos bispos presos, pelo menos 84 religiosos — entre padres e freiras— foram obrigados a abandonar a Nicarágua desde 2018, de acordo com dados publicados pelo site local El Confidencial. Há poucos meses, a polícia invadiu a casa das irmãs da Fraternidade Pobres de Jesus Crist, em León, e expulsou do país quatro religiosas de origem brasileira. O Ministério do Interior anulou o estatuto jurídico da fraternidade e confiscou todos os bens das freiras.

A situação de Álvarez é das mais complexas e causa enorme preocupação no Vaticano. O bispo estava na prisão de La Modelo e na semana passada foi levado para um lugar desconhecido. Em março, Álvarez, condenado a 26 anos de prisão por crimes como traição à pátria, negou-se a perder a nacionalidade nicaraguense, e desde então não aceita ser expulso do país e viver no exílio.


Fonte: O GLOBO

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