'Líderes religiosos se tornaram encantados pela política', diz padre americano autor de livro sobre fé e liberdade

'Líderes religiosos se tornaram encantados pela política', diz padre americano autor de livro sobre fé e liberdade

Fundador de think tank aponta riscos na polarização em igrejas: 'Sob o ponto de vista teológico, isto não é sensato nem para os católicos, nem para os evangélicos'

Fundador do Instituto Acton, think tank voltado a estudos sobre religião, e autor de “A Economia das Parábolas” (LVM, 2023), no qual aborda temas como geração de riquezas e liberdade individual em passagens bíblicas, o padre americano Robert Sirico enxerga problemas em dois “extremos” do cristianismo. 

No lado católico, a teologia da libertação, popularizada por nomes como Leonardo Boff e Frei Betto, é vista por Sirico como “tentativa de batizar Karl Marx”; na esfera evangélica, a teologia da prosperidade sugere uma “canonização do dinheiro”.

Em entrevista durante viagem ao Brasil, após lançar seu livro e participar de painel sobre liberdade religiosa no Fórum da Liberdade, em Porto Alegre, Sirico chamou atenção para os riscos de um cenário de polarização política dentro da religião. Ele alerta para um “encantamento” por parte de líderes religiosos por participar do poder.

Na eleição brasileira de 2022, o então presidente Jair Bolsonaro obteve apoio majoritário entre os evangélicos e o ex-presidente Lula predominou entre os católicos, segundo pesquisas. Isto é um sinal de infiltração da polarização política na religião?

Acredito que essa infiltração esteja ocorrendo não apenas no Brasil, e isto é perigoso. Destrói comunidades, porque as torna porosas a desconfianças e a um nível elevado de divisão, que se manifesta em discursos do tipo: “se você não é a favor do meu candidato, então você é do mal”. Sob o ponto de vista teológico, isto não é sensato nem para os católicos, nem para os evangélicos.

Bolsonaro buscou fazer acenos constantes a lideranças religiosas, por exemplo, ao criticar governos estaduais que determinaram o fechamento de templos na pandemia da Covid-19, pauta que mobilizou especialmente líderes evangélicos no Brasil. Qual é o impacto disso no público?

Talvez os evangélicos tenham notado o problema da quantidade enorme de medidas administradas pelo governo em uma situação que se tornou politizada. Se as igrejas pentecostais ficaram mais próximas de seu público, eu as aplaudo. Na minha cidade, chegaram a proibir que padres fossem dar a extrema-unção aos internados. Escrevi ao diretor do hospital que estavam tratando as pessoas como se fossem apenas pacientes, e não seres humanos. 

Na minha paróquia, deixamos claro que queríamos as pessoas presentes, enquanto outras igrejas sequer faziam confissões. E hoje temos um crescimento em nosso grupo escolar, por exemplo, enquanto algumas escolas públicas e outras escolas católicas fecharam. Quem atua em nível local tem maior conhecimento de seu público. Esta proximidade mantida pelas igrejas mais conservadoras pode conter um aprendizado.

Qual deve ser o papel de um líder religioso no debate público e político?

Os líderes religiosos têm de entender que, da mesma forma que há limites para o Estado, há limites para eles mesmos. Não podem agir como se estivessem governando os governantes. Vejo uma óbvia tentativa do Estado de controlar a religião em países como Nicarágua, Venezuela ou China. 

Ao segmentar a religião e dizer às pessoas que essa parte de sua vida não pode se manifestar publicamente, você enfraquece a sociedade. No lado oposto, e este talvez é um dos perigos que se descreve hoje em relação aos evangélicos, há o risco de que líderes religiosos se tornem tão encantados pela política ou por determinado político que passem a depositar ali a sua crença, em vez de no Evangelho.

O senhor costuma citar uma frase do historiador católico Lord Acton: “o poder tende a corromper, e o poder absoluto corrompe absolutamente”. Vê este risco através da aproximação entre religião e política?

Essa frase, apesar de geralmente usada para falar de governantes, foi usada pela primeira vez como uma crítica ao Papa. Na medida em que a religião é uma forma de descobrir a verdade e o sentido da vida, é muito tentador querer forçar esta verdade sobre outros. 

Os cristãos deveriam seguir o exemplo de Jesus no diálogo com Pilatos, antes da crucificação, quando diz que seu reino não é deste mundo e que veio para proclamar a verdade. E Pilatos soa tão moderno quando pergunta: “O que é a verdade?”. Cabe ao cristianismo propor a verdade, em vez de impor.

O crescimento das igrejas evangélicas e o declínio católico no Brasil desde a década de 1970 tem relação com um melhor entendimento de questões práticas atuais do público, em comparação com o catolicismo?

Outra coisa que ocorreu nesse período foi a ascensão da teologia da libertação, que basicamente demoniza o dinheiro e a riqueza, e de outros movimentos políticos que afastaram os católicos de sua fé tradicional histórica. Os evangélicos têm o exato oposto, que é a canonização do dinheiro através da teologia da prosperidade. 

As igrejas pentecostais também passaram a oferecer uma experiência (religiosa) mais exuberante, mística. Eu penso, porém, que nos próximos 20 ou 30 anos pode haver uma geração de evangélicos que, ao pensar de forma mais teológica e profunda, retornará ao catolicismo, que tem mais em comum com o núcleo sólido e tradicional do protestantismo do que esses extremos.

O catolicismo poderia ter algo semelhante à abordagem do protestantismo feita por Max Weber, ao buscar na sua interpretação bíblica os princípios do capitalismo?

Weber era um sociólogo, e o cristianismo não é uma ideologia ou sistema econômico. Mas, ao longo de meus encontros pastorais, procuro tratar de temas como vocação para os negócios, e vejo que as pessoas pedem isso. Acredito que os pregadores podem fazer muito mais por seu rebanho se mudarem a mentalidade da luta de classes. Pregar sobre pobreza, justiça e necessidade de ajudar os pobres não é apenas uma questão teológica, mas também econômica. 

Por exemplo, não questiono a importância da caridade para suprir lacunas. Por outro lado, a solução normativa para pessoas ascenderem da pobreza não está na divisão do bolo, e sim em expandi-lo. Isto é o que mostra a história econômica dos últimos 200 anos. 

Meu desafio aos pensadores liberais, porém, é que existe um chamamento para algo mais grandioso; que a visão verdadeira e boa da qual precisamos é apenas em parte econômica. Uma pessoa não vai para o inferno simplesmente por ser bem-sucedida, mas ela tem neste caso muito mais opções, o que significa que também há mais tentações.


Fonte: O GLOBO

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