Quem é general Tomás Paiva, comandante que promete 'afastar a política do Exército'

Quem é general Tomás Paiva, comandante que promete 'afastar a política do Exército'

Próximo de Bolsonaro e ex-ajudante de ordens dos presidentes Itamar Franco e FH, ele é considerado um ‘legalista’ nas Forças Armadas

Porto Velho, RO -
O comandante-geral do Exército, general Tomás Miguel Miné Ribeiro Paiva, de 62 anos, atravessou o aniversário do golpe militar, que completou 59 anos na última sexta-feira, sem que fossem registradas exaltações ao período da ditadura nos quartéis, algo que não ocorria há cinco anos.

O silêncio foi considerado uma vitória do militar cuja trajetória foi forjada pela convivência próxima tanto com defensores da democracia, como o ex-presidente Fernando Henrique, quanto com líderes acusados de terem ameaçado se insurgir contra ela, a exemplo do também ex-presidente Jair Bolsonaro e do ex-comandante do Exército Eduardo Villas Bôas.

General Tomás chegou ao topo da carreira 13 dias após as invasões às sedes dos Três Poderes, ocorridas no dia 8 de janeiro com o beneplácito de servidores militares investigados por terem se omitido de conter os ataques golpistas. Ele foi escolhido pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para despolitizar as tropas e estabelecer uma relação harmônica entre o Palácio do Planalto e a Força que comanda. Desde que assumiu, no dia 21 daquele mês, não se tem notícias de novas crises.

— Meu objetivo é afastar a política do Exército. Somos profissionais e temos que focar no nosso trabalho — disse o comandante do Exército ao GLOBO.

O hoje comandante-geral do Exército chamou a atenção de Lula depois que viralizou um vídeo no qual o militar pede respeito ao resultado das urnas. O sistema eleitoral brasileiro era fragorosamente atacado por Bolsonaro, o candidato à reeleição derrotado no último pleito e que contava com a simpatia da caserna.

Embora tenha se exposto ao entoar um discurso pouco popular entre boa parte de seus pares, o general Tomás é visto por colegas como um conservador. Alguns personagens importantes do Exército enxergam no discurso em favor da democracia um movimento oportunista para chegar ao comando da Força. Àquela altura, o então titular do posto, general Julio Cesar de Arruda, já não gozava da confiança do Planalto.

General Tomás tem um passado de boas relações com o principal adversário de Lula. O militar era visto por Bolsonaro e auxiliares próximos do ex-presidente como alguém de confiança. Prova disso é que ele chegou a presenciar uma reunião preparatória de Bolsonaro para um debate durante a campanha do ano passado.

Os dois se conhecem há tempos. À frente do comando Sudeste, o atual ocupante da cadeira mais importante do Exército costumava receber Bolsonaro no hotel trânsito da Força na capital paulista, que ficava no mesmo prédio onde Tomás morava. Em quase todas as visitas do ex-presidente, os dois tomavam café da manhã juntos. 

Em 2021, ao recepcionar o então mandatário no aeroporto de Congonhas, em São Paulo, Tomás foi convidado por Bolsonaro para participar de uma motociata na cidade. O militar se esquivou ao alegar que não sabia pilotar moto, o que não era verdade.

— Ele sempre entendeu que o Exército deve pautar a sua conduta como instituição de Estado, apolítica e apartidária — afirma o general Francisco Humberto Montenegro Junior, que conviveu diretamente com Tomás Paiva em diferentes momentos desde 1985.

General Tomás foi chefe de gabinete de Eduardo Villas Bôas, o ex-comandante do Exército que usou as redes sociais para mandar um recado ao Supremo Tribunal Federal (STF) às vésperas do julgamento que poderia tirar Lula da prisão, em 2018. 

A postagem afirmando que o Exército estaria “atento às suas missões institucionais”, foi vista como uma intimidação à Corte. General Tomás participou da formulação do texto e, segundo pessoas que acompanharam o episódio, agiu para atenuar o tom da publicação, na tentativa de evitar uma crise.

Durante a campanha presidencial daquele mesmo ano, Eduardo Villas Bôas marcou uma reunião com Bolsonaro, que, àquela época, era candidato ao Planalto. Chefe de gabinete do general, Tomás o alertou que, para evitar acusações de parcialidade, seria preciso também convidar os demais concorrentes ao posto, o que foi feito.

Colegas de caserna afirmam que o respeito de Tomás ao papel institucional do Exército é uma das principais marcas de sua carreira. Ele foi ajudante de ordens dos ex-presidentes Itamar Franco e de Fernando Henrique. Apesar da experiência no epicentro do poder, o general demonstrou saber dissociar a atuação militar de atividades políticas, o que motivou o convite de Lula.

O convite

General Tomás fazia compras num supermercado de São Paulo na manhã de sábado, 21 de janeiro, quando recebeu a convocação para uma reunião do Alto Comando, que ocorreria em algumas horas, de forma virtual. Antes de conseguir chegar em casa, o telefone do militar começou a tocar. Era um número desconhecido de Brasília. 

Ao checar a foto do perfil do WhatsApp, viu que se tratava do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro. Ele foi direto ao ponto: disse que o presidente Lula queria que o general assumisse o comando da Força, substituindo Arruda, que acabara de ser demitido.

Formação militar

Tomás pediu a Múcio um tempo para dar uma resposta. Naquele momento, ele estava se preparando para assumir uma missão nos Estados Unidos. Após a reunião do Alto Comando para tratar da saída de Arruda e contar com o apoio do seu chefe demitido, Tomás disse para o ministro da Defesa que topava a nova missão. 

Naquele mesmo sábado, voou a Brasília para se reunir com Lula, Múcio e o ministro da Casa Civil, Rui Costa, no Palácio do Planalto. Segundo pessoas que acompanharam a conversa, o presidente defendeu o papel das Forças Armadas como instituição de Estado, disse que militares envolvidos na invasão aos Três Poderes em 8 de janeiro deveriam ser punidos e demonstrou contrariedade com a promoção do tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, para chefiar o 1º Batalhão de Ações e Comandos, em Goiânia (GO). Mauro Cid não foi nomeado para o posto estratégico.

Em seu livro de memórias, Eduardo Villas Bôas diz que o subordinado, de quem foi instrutor na academia militar, “é certamente, num círculo bem estreito, o mais completo oficial” que já conheceu.

Ao longo da carreira na caserna, iniciada como aspirante a oficial da arma de infantaria em 1981, o paulistano Tomás Paiva foi o segundo colocado tanto na Academia Militar como na escola de aperfeiçoamento de oficiais, considerado como um mestrado, e na escola de comando de Estado Maior, equiparado a um doutorado.

Lista de leitura

Recentemente, Tomás leu os cinco volumes da série na qual o colunista do GLOBO Elio Gaspari disseca os fatos ocorridos ao longo da ditadura militar no país (1964-1985). Outro livro que o marcou e costuma recomendar é “Soldados da Pátria - História do Exército Brasileiro”, escrito pelo historiador americano Frank McCann. O autor faz uma análise profunda da evolução do papel institucional da Força na sociedade em diferentes épocas.

Nos anos em que foi ajudante de ordens de FH (1995-1997 e 1999-2000) no Palácio do Planalto, Tomás Paiva construiu uma relação de amizade com o então presidente, com quem costumava se encontrar em São Paulo. Quem conhece o general garante que as frequentes conversas com o ex-chefe, um dos sociólogos mais respeitados do país, também foram determinantes para a formação do seu pensamento sobre a sociedade e o papel das instituições de Estado.

Tomás Paiva revelou parte do seu pensamento no livro “Forças Armadas na Segurança Pública. A visão militar (FGV)”, baseado em entrevistas com generais realizadas pelos pesquisadores Adriana Marques, Celso Castro, Igor Acácio e Verônica Azzi. Ao ser questionado sobre como o Exército recebeu a notícia da intervenção federal no Rio de Janeiro, determinada pelo então presidente Michel Temer em 2017, ele respondeu: “Não recebeu sorrindo, recebeu como ordem. Foi uma decisão política. A gente cumpre. Foi o que foi feito”.

Tensão desde a campanha

O protagonismo de militares no governo Bolsonaro provocou críticas de politização na caserna. Em abril de 2022, Lula afirmou que, se eleito, teria que “tirar quase oito mil militares” de cargos.

Escolha para a Defesa

O comando do Ministério da Defesa foi um dos últimos a ser definido por Lula. A pasta é uma das mais sensíveis, dado o histórico de proximidade entre os militares e o ex-presidente Jair Bolsonaro.

Acampamentos nos quartéis

A demora na remoção dos acampamentos golpistas em frente a quartéis, incluindo no QG de Brasília, irritou Lula. A desmobilização só ocorreu após os atos de 8 de janeiro, por determinação do STF.

Extremistas em ação

No atos de 8 de janeiro, a atuação de militares responsáveis por proteger o Planalto gerou desconfiança. Lula acusou parte das Forças Armadas de conivência.

Discurso de Tomás

Então comandante militar do Sudeste, o general Tomás Paiva pediu à tropa, em janeiro, respeito ao resultado das urnas e chamou os últimos atos no país de “terremoto político”.

Ex-braço-direito de Bolsonaro


Em 21 de janeiro, Lula demite o general Júlio Cesar de Arruda do comando do Exército. O estopim foi a resistência em cancelar a designação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, tenente-coronel Mauro Cid, para o comando de um batalhão.


Fonte: O GLOBO

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