Al Hilal e a nossa arrogância

Al Hilal e a nossa arrogância

Ou o Brasil se estrutura para retomar o crescimento no futebol, ou a nossa arrogância continuará a ser castigada

Porto Velho, RO -
Faz parte da nossa petulância achar que o Brasil tem lugar inalcançável no futebol. E eu me permito escrever na primeira pessoa do plural, além do caráter personalista que tem a coluna, pois também imaginava que a final do Mundial de Clubes seria disputada por Flamengo e Real Madrid.

Fomos acostumados por décadas de competições internacionais, de clubes e seleções, a supor que futebol de alto nível se joga por algumas nacionalidades europeias, outras sul-americanas, e mais ninguém.

Quando começou a partida entre Flamengo e Al Hilal, bateu-me outro pensamento arrogante e involuntário: como é que esse Marega não está no Brasil? O atacante franco-malinês passou pelo modesto Amiens, na França, pelo limitado Marítimo, em Portugal, e jogou a maior parte da carreira no Porto —única entidade de destaque em seu currículo. 

Não sei qual foi a remuneração dele durante essa jornada, mas não parece ter sido um jogador inacessível para o futebol brasileiro.

A falta de modéstia se espalha entre formadores de opinião e torcedores por falta de informação —seja porque quase ninguém vê jogos de futebol da Arábia Saudita, seja porque menos gente ainda tem a dimensão do tamanho do negócio naquele país. 

Por mais que saibamos das fortunas geridas por príncipes árabes e do crescente interesse deles no futebol, essa grana parece ser um problema do Manchester United e do Arsenal, que enfrentam o agora saudita Newcastle, e não nosso, certo?

Eis que o Al Hilal estaria entre os três maiores faturamentos do Campeonato Brasileiro. Os árabes arrecadaram R$ 987 milhões no ano fiscal que se encerrou em 30 de junho de 2022, segundo suas demonstrações contábeis. 

O que este número indica? Que só Flamengo e Palmeiras entrariam em campo em condições de igualdade financeira e, em alguma medida, esportiva. Que o Al Hilal deixou para trás, por muito, todos os outros clubes brasileiros que nos habituamos a tratar como grandes.

De onde vem o dinheiro? O balanço aponta R$ 203 milhões em subsídios do Ministério do Esporte, R$ 263 milhões parecem ser repasses da liga, e R$ 209 milhões entram em patrocínios. O montante registrado em transferências de atletas está zerado. 

Se você puxar a calculadora, perceberá que os números não perfazem 100% dos R$ 987 milhões citados no parágrafo anterior. O relatório publicado pelo Al Hilal é pouco transparente nessa parte.

Caso bata curiosidade sobre o Al Nassr, que acaba de se tornar mundialmente conhecido por ter contratado Cristiano Ronaldo, o seu faturamento foi de R$ 666 milhões na temporada de 2021/2022. 

É de se imaginar que mais dinheiro entrará para arcar com os salários do português —tanto por vias orgânicas, como patrocínios e bilheterias que serão alavancados graças à chegada do craque, quanto, principalmente, artificiais, como injeção de dinheiro por parte dos príncipes.

Al Hilal e Al Nassr não disputam o Brasileirão. Duelos diretos podem ser traumatizantes, mas só ocorrerão no Mundial de Clubes. Não quer dizer que a gente deva dar de ombros, pois há concorrência no mercado de transferências. 

Marega está na Arábia Saudita porque clubes sauditas são tão ou mais ricos do que os brasileiros, a depender do clube e do proprietário. Ou o Brasil se estrutura para retomar o crescimento no futebol, ou a nossa arrogância continuará a ser castigada.


Fonte: O GLOBO

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