Estudo feito pela consultoria Virtuous Company analisou mais de 636 mil avaliações de colaboradores de empresas de todas as áreas feitas na plataforma Glassdoor de 2017 a dezembro de 2021
Porto Velho, RO - Dentro da agenda ESG (sigla em inglês para temas ambientais, sociais e de governança corporativa), uma empresa com uma cultura ética bem avaliada por funcionários e outros stakeholders ganha pontos na jornada rumo à uma boa governança e à sustentabilidade. Para ajudar a mapear companhias que tenham esse atributo, a consultoria Virtuous Company analisou 636.295 avaliações de colaboradores de 2.942 organizações postadas no site Glassdoor entre 2017 a dezembro de 2021.
A partir dessas informações, a empresa elaborou o Ranking de Cultura Ética 2022, divulgado com exclusividade pelo Prática ESG. Nele, são apresentadas 295 empresas, cerca de 10% do total avaliado, que estão mais bem posicionadas na temática, e outras 295 que deixam a desejar.
O estudo conceitua cultura ética como a uma parte da cultura da organização que induz a decisões éticas ou antiéticas no cotidiano, a partir do relacionamento entre dois sistemas de valores: formal e informal.
O primeiro caso se refere a documentos que estabelecem procedimentos, como código de conduta, missão e valores. O segundo consiste nos sinais dados pelo comportamento diário das pessoas das organizações, principais conversas nos corredores, exemplos de pessoas de referência e até a linguagem utilizada.
Na pesquisa, o setor que domina o ranking de melhores empresas em cultura ética é o de Tecnologia da Informação (TI). O setor representa 19% do total das 2.942 empresas analisadas e, ao mesmo tempo, responde por 56% das 295 organizações mais bem avaliadas. Entre as dez empresas mais bem posicionadas no ranking geral, a idwall, startup que oferece soluções de verificação de identidade e prevenção a fraudes, ficou em primeiro lugar. De TI, há outras seis.
“O resultado mostra que estamos no caminho certo, que temos uma cultura sólida e que nossos valores são expressos no dia a dia por todos”, diz o líder de Pessoas da idwall, Rodolfo Mascarenhas.
A idwall oferece soluções de cadastro digital com processos de validação de identidade, que ajudam as empresas a cumprirem normas de compliance.
Entre os seis valores da empresa (confiança, diversidade, coragem, felicidade e colaboração) ele destaca dois deles. O primeiro é confiança, que é ganha, segundo Mascarenhas, pelo fato de a empresa ser considerada transparente em seus procedimentos e decisões, o que contribui para atitudes éticas. O outro é a diversidade.
- Ela está ligada à segurança psicológica, ao fato de as pessoas terem um ambiente livre de discriminações e poderem se expressar da melhor forma possível. Com maior abertura para conversas, questionamentos, comentários e até revisões de processos a partir dos diálogos, a empresa conseguiu reforçar os critérios éticos na esfera mais informal, ligada ao comportamento das pessoas no dia a dia - reforça.
Mascarenhas também ressalta o papel dos líderes na disseminação e consolidação da cultura interna. E lembra que o propósito da empresa também a conecta com uma cultura ética.
- Nossos clientes são empresas que precisam estar compliance (em conformidade) com seus produtos e soluções. Para que eles estejam compatíveis com suas normas e regulamentos, nós fornecemos soluções digitais para poder minimizar fraudes e garantir essa regulação - afirma.
Tecnologia da informação
Em relação à forte presença do setor de TI no ranking, Alexandre di Miceli, professor do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e da Fundação Armando Álvares Penteado e cofundador da Virtuous, diz que três fatores poderiam explicar o desempenho: pouca burocracia, a natureza do trabalho e o porte dessas empresas.
Segundo ele, as companhias do setor são mais jovens e uma característica delas é serem menos burocráticas, menos enrijecidas e possibilitar maior autonomia aos colaboradores.
- E isso pode se traduzir em uma percepção que a organização possui uma cultura melhor - diz Di Miceli.
Em relação à natureza do trabalho, ele considera que as atividades exercidas por boa parte de funcionários de empresas de TI não são tão repetitivas, e muitas vezes são feitas dentro de projetos. Além disso, são empresas que dão aos funcionários certa flexibilidade para desenvolver suas funções:
- Desta maneira, pode gerar a percepção de uma cultura mais leve, humanizada e ética.
Di Miceli também destaca o porte -- grande parte das empresas de TI são de pequeno e médio tamanhos.
- São as grandes que têm mais dificuldade de apresentar um indicador de cultura ética mais saudável - acrescenta. - Entendemos que uma empresa de menor porte [ de todos os setores] é, em tese, menos burocrática e tende a ter [por parte dos colaboradores] uma percepção de sua cultura melhor do que aquela empresa que é muito grande, mais impessoal, burocrática - analisa.
Algo que chamou a atenção do pesquisador no levantamento foi a incidência menor de empresas de grande porte entre as 10% mais bem avaliadas. O estudo mostra que as empresas pequenas e médias apresentam um indicador de cultura ética significativamente superior às grandes empresas.
As pequenas (com até 99 avaliações) respondem por 50,5% das 295 mais bem avaliadas; as médias (de 100 a 199 avaliações), por 30,2% e as grandes (200 ou mais avaliações), por 19,3%. Para ser analisada, uma empresa precisava ter pelo menos 50 avaliações na Glassdoor.
- Há menos empresas de grande porte do que seria o esperado entre as 10% mais bem avaliadas, em razão de sua representatividade na amostra total. Apesar de organizações com 200 ou mais avaliações representarem 26% do total, apenas 19% das 295 organizações mais bem avaliadas possuem 200 ou mais avaliações - afirma.
O estudo foi liderado por Di Miceli e por Angela Donaggio, professora de cursos executivos no Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC) e da Fundação Dom Cabral. Ambos são fundadores da Virtuous Company.
Alexandre Di Miceli: companhias do setor de TI são menos burocráticas, menos enrijecidas e possibilitam maior autonomia aos colaboradores — Foto: Divulgação
Os cinco setores mais bem posicionados no ranking entre as 295 melhores são, além de TI: serviços financeiros com 16,3% de presença, serviços para empresas (6%), saúde (4,7%), educação (3%) e mídia e meios de comunicação (3%).
Riscos
Para o coordenador do estudo, uma empresa com alta cultura ética tem menor chance de ser objeto de algum grande escândalo ou problema, que obviamente reverbera em todos os stakeholders, inclusive investidores. E argumenta:
- Há cada vez mais evidências de que uma cultura ética é um precursor de melhor desempenho de toda a organização em todas as dimensões, inclusive financeira. Vários escândalos têm mostrado, e os reguladores estão mais conscientes disso, que a chave para minimizar as fraudes e escândalos corporativos é instalar uma cultura ética - acrescenta.
Para os autores, o ranking é útil para vários públicos. A começar pelos colaboradores, que podem saber antecipadamente como é a cultura de onde eventualmente queiram trabalhar.
- Para os reguladores, é interessante ter conhecimento quais são as organizações que têm uma cultura tóxica, que é o principal mecanismo para haver algum problema grave de governança - analisa Di Miceli.
Segundo ele, com o estudo, investidores ganham mais material para fazer análise dessas empresas ao longo do tempo.
- O ranking não é perfeito, nenhum é, mas temos a confiança de que ele consegue, principalmente nos extremos [as mais bem colocadas das mais mal posicionadas] e separar bem o joio do trigo - afirma.
As 5 mais empresas mais bem avaliadas no ranking geral
idwall - TI
Nuvemsh op - TI
Pris - TI
Bluesoft - TI
Will bank - Serviços financeiros
Metodologia
O indicador foi desenvolvido pela Virtuous a partir de um modelo conceitual elaborado pela Ethical Systems, uma entidade que congrega pesquisadores do tema e onde foi criada uma metodologia de avaliação baseada em 10 dimensões, conta Di Miceli.
Cinco delas se concentram em aspectos positivos e são denominadas “qualificadoras”: confiança organizacional, liderança ética, orientação para o bem comum, empatia e liberdade para falar. As outras cinco dimensões são consideradas "desqualificadoras”: injustiça organizacional, liderança abusiva, orientação egoísta, falta de consciência e medo de retaliação.
Apesar de ser baseado no trabalho dessa entidade, o modelo utilizado na pesquisa foi desenvolvido pela própria Virtuous, que construiu uma lista de 5.370 palavras e expressões associadas a cada um dos conceitos envolvidos para avaliar os comentários.
Entre esses termos e expressões estão: bom ambiente, saudável, agradável, meritocrático; colaboradores cooperam, são valorizados, reconhecidos; desenvolvimento profissional; empresa confia nos colaboradores, passa confiança; liderança ética, com integridade, pessoas abertas ao diálogo; sem temor, sem receio de falar.
Entre os exemplos de palavras e termos considerados desqualificadores estão ambiente de trabalho/clima difícil, desvio de funções, panelinha, cabide de empregos, ausência de meritocracia, gestores mentem, agem em benefício próprio, são agressivos, depreciam. Também: ambiente hostil, tóxico, vale tudo para ser promovido, fins justificam os meios, empresa só pensa em lucro, crises de ansiedade, falta consciência e valores, medo de represálias e altíssimo turn over, entre muitas outras.
Miceli destaca que o fato de os depoimentos terem sido postados em um site, e não preenchidos em um questionário no ambiente de trabalho, permite aos colaboradores não ficarem constrangidos por pressões internas das empresas, dando mais autenticidade às avaliações.
Fonte: O GLOBO
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