Consciência e poder: executivos negros se preparam para integrar conselhos na cúpula das empresas

Consciência e poder: executivos negros se preparam para integrar conselhos na cúpula das empresas

Iniciativa se soma ao esforço para aumentar representação feminina. Levantamento mostra que 38,9% das grandes companhias do país não têm mulheres na alta administração, onde pretos e pardos são cerca 5%

Porto Velho, RO
- Num ambiente em que todos têm em comum as mesmas origens e tradições familiares, estudaram nas mesmas instituições, frequentam os mesmos lugares e até se parecerem fisicamente, é mais provável que concordem sobre decisões importantes. Se homens brancos sentados em torno de uma mesa baseiam suas escolhas em repertórios pessoais muito similares, também é alta a chance de nenhum deles enxergar uma ameaça negligenciada pelos outros.

Oportunidades e riscos são decisivos para as empresas, mas elas ainda têm pouca diversidade nos conselhos de administração, justamente onde são tomadas suas decisões estratégicas. Cada vez mais pressionadas a praticar políticas ESG (sigla para ações ambientais, sociais e de governança), pouco a pouco as organizações começam a mudar essa realidade.

De acordo com um levantamento deste ano do Instituto Brasileiro de Governança Corporativa (IBGC), com base em 337 grandes empresas no país, 38,9% não têm mulheres no conselho. Nenhuma corporação alcança ao menos 50% de lideranças femininas em seu quadro.

O Índice Teva Mulheres na Liderança, de outubro deste ano, aponta menos de 20% das cadeiras dos colegiados ocupadas por mulheres. São 1.951 conselheiros e 347 conselheiras, quase seis homens para cada mulher. São homens os presidentes de 93% desses conselhos no Brasil. Há apenas 26 mulheres nessa posição.


O advogado Handemba Mutana é um dos que estão se preparando para atuar em conselhos — Foto: Acervo pessoal


A ascensão de pessoas negras à cúpula das companhias se mostra ainda mais desafiadora, inclusive pela falta de estatísticas precisas sobre a presença delas nos conselhos. Em 2015, pretos e pardos ocupavam menos de 5% das cadeiras, segundo pesquisa do IBGC, que no ano passado identificou que 77,3% das empresas não têm metas de inclusão racial em seus conselhos.

Em agosto, a Bolsa de São Paulo, a B3, iniciou audiência pública para estabelecer que empresas de capital aberto terão que estabelecer metas de inclusão de mulheres, negros, LGBTs e pessoas com deficiência na alta liderança.

A proposta inicial prevê a inclusão de ao menos uma pessoa desses grupos no conselho ou na diretoria executiva até o fim de 2025, sob pena até de ter a listagem de suas ações suspensa. A iniciativa é inspirada em bolsas estrangeiras como a Nasdaq (EUA) e as de Austrália, Hong Kong, Japão e Cingapura, mas não faltaram críticas.

O principal problema que as empresas apontam é a suposta dificuldade de encontrar profissionais qualificados nos grupos minorizados. Como forma de incentivo, a B3 finaliza esta semana a primeira edição de um curso de formação de 30 lideranças negras para conselhos.


Diretor do Bradesco, Edilson Reis se prepara para atuar no coração decisório das empresas: o conselho de administração — Foto: Simone Marinho

O objetivo do programa, em parceria com o IBGC e a Iniciativa Empresarial pela Equidade Racial, é garantir a qualificação e a rede de contatos necessárias para que executivos negros e os atuais dirigentes de grandes empresas se encontrem nas salas de reuniões dos conselhos, enriquecendo com pluralidade o processo de tomada de decisão.

— É uma questão ética. Por que esses grupos minorizados não estão representados? O que dentro da organização e na sociedade impediu a ascensão desses grupos? — questiona Adriane de Almeida, diretora de Desenvolvimento do IBGC, que já tinha um programa semelhante para executivas. — A gente ouvia que não tinha mulher qualificada, mas elas existem, só não houve um olhar para buscar. O mesmo com os negros. Queremos colocá-los em evidência para que possam ser contratados.

Nova mentalidade corporativa

Diretor do Bradesco, Edilson Reis, de 50 anos, é um dos integrantes da primeira turma de formação de conselheiros negros. Há 20 anos, sequer imaginava que pudesse chegar ao topo das empresas:

— Não era por não confiar no meu potencial, mas por não ver isso como algo procurado pelas companhias. Hoje, estamos vivendo um momento com mais espaço para que a competência seja valorizada, independentemente de cor, gênero e orientação sexual.

A executiva Iris Barbosa Barreira, de 55 anos, que já atuou em multinacionais como McDonald’s e Apple, é outra aluna. O objetivo dela é aprimorar suas habilidades para uma nova fase em sua carreira. Atualmente, trabalha como conselheira voluntária para a Associação Brasileira de Recursos Humanos de São Paulo. O próximo passo é colocar sua experiência profissional a serviço do conselho de empresas.

— Conta-se nos dedos das mãos o número de mulheres negras em conselhos — observa Iris. — Tenho expertise para ajudar as empresas e ser remunerada por isso. Quero continuar me desenvolvendo e deixar esse legado para a próxima geração de mulheres negras.


Iris Barreira que usar experiência como executiva nos conselhos de empresas — Foto: Simone Marinho

Sérgio Simões, sócio da Exec, consultoria de seleção de executivos, diz que os conselhos passaram por três movimentos de aprimoramento nas últimas décadas. O primeiro, há 30 anos, foi associado à transparência, estimulando as companhias a recrutar mais profissionais de finanças a fim de garantir a integridade.

A segunda onda, em meados dos anos 2000, foi direcionada ao planejamento estratégico. O interesse era por conselheiros de diferentes formações e competências, que pudessem se dedicar a áreas específicas do negócio. Agora, os olhos se voltam para a diversidade, diz:

— Essa inclusão começou pelas mulheres, mas diversidade não é só isso. Muitos conselhos eram formados por indicação, e homens brancos indicam semelhantes porque a gente gosta de trabalhar com o igual. Fecha portas para perspectivas diferentes. Daí a importância da profissionalização na seleção dos conselhos.

Manuela Alves, gerente de Desenvolvimento Organizacional, Cultura e Diversidade da B3, observa que o Brasil segue tendência internacional ao estabelecer metas de inclusão no comando das empresas. Não só por um compromisso social, mas também pelas evidências de que a diversidade gera mais lucratividade:

— A diversidade não é um fim por si só. É um meio de as empresas serem mais inovadoras e terem melhores resultados.

Outro aluno do curso é o advogado Handemba Mutana, conselheiro consultivo da Educafro, ONG que vem cobrando regras que comprometam empresas de capital aberto com inclusão racial e de gênero. Embora veja avanço lento, ele diz que qualquer iniciativa nesse sentido é positiva:

— Nosso mercado financeiro evoluiu a governança corporativa sem incorporar a equidade racial. É uma contradição. Há um tempo, enviamos carta de denúncia do racismo estrutural a CVM, B3 e IBGC. Essas ações vêm responder também à pressão dos movimentos negros. Quem não fizer por maior representatividade e boas práticas, fará por situações de crise, com enormes riscos reputacionais.

Raphael Vicente, diretor geral da Iniciativa Empresarial pela Equidade Racial, observa que, embora a discussão seja antiga, o tema é relativamente novo nas empresas. Conselheira de Vale, Banco do Brasil e CVC, Rachel Maia acredita que só terá a companhia de outras pessoas negras se a mudança vier de cima para baixo:

— Tudo tem que começar pelos tomadores de decisão. Tenho um book de potenciais conselheiras negras, executivas do mais alto nível, que estão prontas para falarem de forma inovadora e trazerem diversidade de pensamento.


Fonte: O GLOBO

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