Com ataques na Ucrânia, apenas '17 pessoas e um cachorro' estão entre a Moldávia e o colapso de energia

Com ataques na Ucrânia, apenas '17 pessoas e um cachorro' estão entre a Moldávia e o colapso de energia

Com a guerra na Ucrânia, quase da noite para o dia, o país teve que começar a comprar cerca de 80% de sua energia e metade de seu gás natural da Europa

Porto Velho, RO -
O grupo da concessionária de eletricidade da Moldávia encarregado de manter as luzes do país acesas estava sem fôlego, literalmente correndo entre as reuniões. Apoiado por uma equipe de apenas 17 pessoas, o diretor-geral interino da Energocom, Victor Binzari, e seus dois companheiros lutam para encontrar novas fontes de energia desde meados de outubro, quando ataques de mísseis russos na Ucrânia destruíram as subestações que fornecem quase um terço das importações de eletricidade da Moldávia.

Os dois terços restantes desapareceram no início deste mês, depois que Moscou reduziu o fornecimento de gás natural a esta diminuta ex-república soviética, espremida entre a Ucrânia, a Romênia, membro da Otan, e as grandes ambições de poder da Rússia.

Quase da noite para o dia, a Moldávia teve que começar a comprar cerca de 80% de sua energia e metade de seu gás natural da Europa — a transição mais abrupta do fornecimento de energia da Rússia para o Ocidente experimentada por qualquer país do antigo bloco soviético desde que o império começou seu colapso em 1989.

Na terça-feira, a gigante energética russa Gazprom ameaçou cortar ainda mais o fornecimento de gás a partir de 28 de novembro. Na quarta-feira, a Moldávia ficou sem energia por duas horas depois que ataques de mísseis russos na Ucrânia interromperam os fluxos de emergência da Europa.

Os custos de energia triplicaram ou mais, abrindo um buraco estimado em 8% do Produto Interno Bruto (PIB) em uma das economias mais pobres da Europa e criando um alvo fácil para os partidos de oposição pró-Rússia da Moldávia atacarem o governo.

— Você entende que a maioria das pessoas não tem a possibilidade de pagar, é uma diferença enorme — disse Binzari em seu escritório no centro de Chisinau, espremido entre uma rodada implacável de reuniões e ligações que deixou ele e seus assessores com pouco sono.

A União Europeia (UE) diz que vai ajudar com o financiamento, mas o dinheiro não é o único problema. O cabo de 400 quilovolts da Romênia, através do qual o país agora recebe a maior parte de sua energia, passa dos dois lados da fronteira com a Ucrânia antes de aterrissar em uma usina na Transnístria, um território que se separou da Moldávia com a ajuda de tropas russas em 1992.

Até 1º de novembro, a central elétrica movida principalmente a gás — administrada pela russa Moldavskaya — fornecia ao resto do país mais da metade de sua eletricidade. Agora é um centro de distribuição de energia a caminho da Romênia para Chisinau. Um míssil russo certeiro, ou apenas o toque de um botão na Transnístria, poderia cortar a nova tábua de salvação europeia da Moldávia.

O blecaute nacional de quarta-feira ofereceu uma amostra. O cabo da Romênia provavelmente falhou em um efeito dominó, já que ataques de mísseis interromperam a rede na região de Odessa, na Ucrânia, de acordo com Maciej Wozniak, um conselheiro polonês enviado para ajudar a Energocom.

Nações em toda a Europa estão lutando com o aumento dos preços da energia, mas nenhuma viu os preços subirem tão rapidamente, de uma base tão baixa, ou serem pagos por uma população tão pobre. A Polônia levou sete anos para fazer a transição para os preços de mercado, disse Wozniak.

A Moldávia ainda não sofreu blecautes do tipo visto na Ucrânia. Contudo, a presidente Maia Sandu disse no início de novembro que o preço do gás para os consumidores aumentou seis vezes em um ano, e as famílias agora gastam de 70 a 75% de sua renda em serviços públicos. Partidos pró-Rússia organizaram protestos para canalizar a raiva popular.

A Rússia, no entanto, rejeita as acusações de que usa energia como arma. A Gazprom justificou os cortes no fornecimento contratado da Moldávia em outubro e novembro como comerciais e técnicos, respectivamente. Os fluxos caíram 49% em relação ao valor devido este mês, de acordo com a Moldávia. Explicando sua última ameaça de novos cortes, a Gazprom disse que a Ucrânia estava segurando o gás de trânsito destinado à Moldávia.

Na quarta-feira, o CEO da Moldovagaz, Vadim Ceban, disse em um post no Telegram que a Ucrânia detinha o gás da Moldávia em uma conta de equilíbrio, mas por acordo. A Moldávia carecia de capacidade para armazenar gás que não tinha compradores no clima excepcionalmente quente de outubro, mas iria receber seu gás com a queda das temperaturas.

Como ocorreu em 2006, as disputas da Gazprom com a Ucrânia (e agora a Moldávia) podem acabar cortando o fornecimento de gás para a Europa.

— Não é apenas uma guerra travada por generais na Ucrânia, é também uma guerra econômica e informacional — disse Tatiana Savva, vice-diretora do Fundo de Propriedade Pública da Moldávia, que também chefia o conselho de supervisão da Energocom e se ofereceu para ajudar Binzari.

Ainda assim, há razões para que os piores temores da Moldávia não se concretizem. Se a Transnístria cortar o cabo da Romênia, por exemplo, poderá em breve encontrar o aço e outras exportações das quais depende para receita impedidas de chegar a seus mercados da UE.

O pequeno milagre é que as luzes da Moldávia permaneceram acesas. Ainda totalmente dependente das redes soviéticas de energia herdadas até este ano, apesar dos avisos, o país está repentinamente tendo que comprar contratos de eletricidade nas bolsas europeias. Isso exigia a abertura de subsidiárias, escritórios e contas bancárias estrangeiras, bem como o registro de uma licença comercial romena no espaço de dias.

— No ano passado fizemos 10 contratos comerciais. Nas últimas duas semanas assinamos 30 — disse Savva. — Onde gostaríamos de chegar é com um fornecimento diversificado de energia e uma empresa com equipe completa, e não estou falando de 17 pessoas e um cachorro.

A Energocom precisava de tão poucos funcionários — em janeiro havia 12, em breve serão 20 — porque, até este ano, pouco havia mudado desde a dissolução da URSS em 1991 na forma como a Moldávia obtinha energia e gás. A eletricidade vinha da mesma usina, pelos mesmos cabos, como nos tempos soviéticos.

Porém, a Moldávia viu os cortes de energia russos chegando, disse o secretário de Estado para Energia, Constantin Borosan. Seu Ministério comprou e armazenou tanto gás quanto pôde. Converteu usinas de aquecimento de gás para óleo pesado, entre dezenas de outras medidas. Com a ajuda do tempo quente, diz, o consumo de gás natural caiu quase 50% em outubro, em termos homólogos, e o consumo de eletricidade, 14,4%.

Entretanto, energia é difícil de armazenar e as falhas podem ser destrutivas. Veja a fábrica de vidro de Chisinau, nos arredores da capital, que produz garrafas para vinhos e destilados em toda a Europa. Apenas cinco minutos sem energia forçariam o desligamento do forno da fábrica, de acordo com o CEO Ion Covrig.

— Levaríamos 15 meses e muitos milhões de dólares para reconstruir o forno para que ele pudesse reiniciar — disse Covrig.

Ele já está tendo que se ajustar aos custos de energia que são mais altos do que alguns concorrentes na Europa. Corvig levou um susto durante o blecaute de quarta-feira, quando a energia caiu por alguns segundos antes que os backups entrassem em ação.

De acordo com Victor Parlicov, ex-chefe da reguladora de energia da Moldávia, a infraestrutura de energia soviética foi construída para ajudar a manter a união unida, e é por isso que o cabo de alta tensão para a Romênia cruza desnecessariamente a fronteira com a Ucrânia. É também por isso que a liderança soviética anexou a Transnístria à Moldávia ao formar a então República, e por que a principal usina e indústrias foram instaladas lá, disse Parlicov.

Ele também vê significado na data da invasão da Ucrânia pelo presidente Vladimir Putin, porque 24 de fevereiro foi quando um teste de rede foi programado para separar a Ucrânia e a Moldávia da rede elétrica Rússia-Bielorrússia pela primeira vez, para que pudessem trocar eletricidade entre si e a UE.

— A Moldávia sempre foi vista pelos soviéticos como desleal, e era — disse Parlicov.

A região de língua romena — agora independente e candidata à adesão à UE — revoltou-se em todas as oportunidades desde que foi absorvida pelo império russo em 1812. A rede de energia soviética e oleodutos que fornecem energia russa barata foram projetados para desencorajar qualquer repetição.


Fonte: O GLOBO

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