Reino Unido celebra Jubileu de Platina da rainha Elizabeth II em meio a crises

Reino Unido celebra Jubileu de Platina da rainha Elizabeth II em meio a crises

Maior inflação em quatro décadas, 'partygate' e escândalos familiares ofuscam comemorações dos 70 anos de reinado e geram dúvidas sobre o futuro

Porto Velho, RO -
A Coroa do Reino Unido é tão entremeada à figura da monarca mais longeva de sua História que determinar os limites entre uma e outra torna-se uma tarefa difícil. Fiel às tradições e impedida de participar do debate político, a rainha Elizabeth II, de 96 anos, atravessou 14 primeiros-ministros, viu seu império terminar de ruir e sobreviveu a monumentais crises familiares. 

Por trás da pompa do Jubileu de Platina, entretanto, o país passa por um dos momentos mais conturbados dos últimos 70 anos, desde que ela subiu ao trono em 1952, com a morte do pai, George VI.

Há uma guerra na Europa, o processo inflacionário é o maior em quatro décadas e o custo de vida disparou. Uma crise política de meses ofusca a agenda do primeiro-ministro Boris Johnson. E, se os dias de festa celebram a monarca, são também um lembrete de que, em um tempo não muito distante, o rosto estampado na libra esterlina será outro.

Para entender o contexto atual do Reino Unido, é preciso olhar para janeiro do ano passado, quando a separação da União Europeia (UE) finalmente chegou ao fim após uma novela de cinco anos. Previsivelmente, o Brexit passa longe de ser o divórcio amigável e funcional que Boris e seus aliados prometiam e, além de acentuar uma já forte divisão política e social, pesa no bolso dos britânicos.

O volume de importações da UE, o maior parceiro comercial de Londres, que já vinha em queda antes do Brexit, despencou ainda mais. Segundo a think-tank Changing Europe, as barreiras comerciais pós-separação causaram um aumento de 6% no preço dos alimentos no Reino Unido. 

O impacto só não é maior porque o país resiste a acatar completamente os termos acordados com Bruxelas, motivo de um imbróglio de meses na fronteira entre a Irlanda, país-membro do bloco, e a Irlanda do Norte, província britânica.

No mês passado, a inflação chegou a 9% pela primeira vez desde os anos 1980, e as contas de luz e gás bateram recorde — o que deve-se também ao aumento dos preços globais de energia devido à guerra na Ucrânia. No entanto, em um painel em abril, Adam Posen, presidente do Instituto Peterson para Economia Internacional e ex-conselheiro do Banco da Inglaterra, estimou que 80% da razão pela qual a inflação no país continuará mais elevada que no resto do G7 pode ser posta na conta do Brexit.

O Reino Unido também atravessa uma escassez de mão de obra, já que tinha grande dependência dos trabalhadores temporários europeus que agora não podem mais trabalhar livremente na ilha. O problema foi aprofundado por um fenômeno global causado pela Covid-19: a doença, que matou quase 180 mil britânicos, fez muitos profissionais repensarem suas condições de trabalho e rejeitarem o retorno à realidade pré-2020.

Para Boris, que se vê no centro de um 'partygate', os problemas vêm todos de uma vez só. Enquanto os britânicos estavam em quarentena total para conter o avanço do coronavírus, ao menos 16 festas aconteceram em prédios do governo britânico, incluindo a residência oficial do premier, concluiu uma investigação que chegou ao fim em maio. Fotografado com bebida na mão, Boris foi um dos multados, assim como a primeira-dama, Carrie.

O primeiro-ministro disse ter aprendido sua lição e assumiu “toda a responsabilidade por seus atos”, mas afirmou ter ficado “muito, muito surpreso” com a punição que recebeu. Uma pesquisa do YouGov divulgada no fim de maio, após as investigações serem concluídas, mostra que 59% dos entrevistados acham que o premier deveria renunciar. Apenas 7%, contudo, creem que ele irá fazer isso.

Elizabeth intocável

Nada disso impacta a rainha, que ocupa o papel cerimonial de chefe de Estado: a popularidade de Elizabeth está nas alturas, com quase nove em cada dez britânicos demonstrando satisfação com seu trabalho, segundo uma pesquisa divulgada no dia 30 de maio pela Ipsos. Mas basta abrir as páginas de um dos tabloides do país para ver que a cortesia não se estende a boa parte da família real.

O escândalo mais notório veio do príncipe Harry e de sua mulher, Meghan, que em janeiro de 2020 anunciaram a decisão de romper os vínculos com a monarquia, abandonando suas obrigações reais e se mudando para a Califórnia. Desde então, dividem opiniões no país e atraem a ira, não raramente exacerbada, dos defensores da Coroa.

Em uma entrevista no ano passado, o casal disse que integrantes da família real não queriam que seu filho recebesse o título de príncipe ou princesa e demonstraram preocupação sobre o "quão escura" sua pele seria. Meghan disse ainda que ficou tão arrasada com a hostilidade que chegou a contemplar tirar sua própria vida, enquanto Harry relatou ter se afastado do pai, o príncipe Charles, e do irmão, William.

Charles, o primeiro na linha de sucessão, tem dificuldades históricas com sua popularidade: uma pesquisa Ipsos do meio de maio mostra que apenas metade dos britânicos acreditam que ele fará um bom trabalho como rei. Os números de William, o segundo da fila, são melhores: quase três quartos dos britânicos acreditam que ele fará um bom trabalho, sinal da boa aceitação de sua imagem cordial, jovem e de pai estável de três filhos.

Há quem defenda que Charles abdique do trono por seu primogênito, mesmo após 73 anos de preparação, mas não há quaisquer indícios de que isso vá acontecer. O primogênito da rainha, inclusive, vem aumentando suas atividades oficiais e comparecendo a compromissos no lugar da mãe, como a tradicional sessão de abertura do Parlamento. Para analistas, trata-se não só de preparativos para quando chegar sua vez, mas também de amortecer o impacto da transição para os britânicos.

Nos bastidores

O responsável pela dor de cabeça familiar mais séria, contudo, foi o príncipe Andrew, terceiro dos quatro filhos de Elizabeth. Em fevereiro, Andrew chegou a um acordo extrajudicial milionário com Virginia Giuffre, após ser acusado de ter abusado sexualmente dela há mais de duas décadas. À época, a mulher tinha 17 anos.

Ele está afastado de suas funções reais desde 2019, após uma controvertida entrevista para a BBC sobre sua amizade com o empresário americano Jeffrey Epstein, que cometeu suicídio na prisão enquanto aguardava julgamento por tráfico sexual. O príncipe ainda participa de alguns eventos familiares, como a missa que marcou o primeiro aniversário da morte de seu pai, o príncipe Philip.

Tanto Andrew quanto Harry e Meghan participarão dos festejos dos próximos dias das coxias, sem protagonismo. Foram excluídos, por exemplo, do seleto grupo de parentes que fará a tradicional aparição na sacada do Palácio de Buckingham, cerimônia que este ano será limitada a membros ativos da família real.

Ao lado da rainha nesta semana, estarão apenas aqueles em quem a Coroa deposita sua esperança de continuidade. Se em pouco mais de 100 anos a Europa viu diversos reinos, principados e afins desaparecerem ou perderem vigor, a monarquia britânica aposta nos seus para sobreviver aos desafios do século XXI.


Fonte: O GLOBO

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