Na repressão às gangues de El Salvador, polícia institui cotas que levam a prisões arbitrárias de inocentes

Na repressão às gangues de El Salvador, polícia institui cotas que levam a prisões arbitrárias de inocentes

Para satisfazer promessas do presidente Bukele, mais de 25 mil pessoas foram detidas em apenas um mês e meio

Porto Velho, RO -
Dezenas de pessoas inocentes foram detidas em El Salvador nos últimos meses em meio à uma política de "guerra às gangues" promovida pelo presidente Nayib Bukele, que forçou policiais a cumprirem cotas diárias de prisão durante o estado de emergência. O número foi revelado por cinco autoridades à agência Reuters.

Em março, El Salvador registrou 62 assassinatos em um único dia, o mais sangrento desde o fim da guerra civil no país, em 1992. Em resposta, o Congresso, dominado pelo partido populista de direita de Bukele, declarou estado de emergência. No último mês e meio, mais de 25 mil pessoas foram presas.

— Recebemos cerca de 40 a 45 queixas de [policiais em] diferentes áreas do país onde as autoridades exigem cotas específicas de pessoas a serem detidas — disse Marvin Reyes, secretário-geral do Sindicato do Movimento dos Trabalhadores da Polícia. — Em alguns lugares, elas impõem seis (detenções) por dia; em outros, cinco ou três...

Em resposta a um pedido de comentário feito pela Reuters, um porta-voz da polícia negou o uso de cotas, disse que tal ordem é considerada uma ofensa grave e instou a equipe a denunciá-la.

Forças de segurança foram mobilizadas em áreas consideradas de alto risco, prendendo suspeitos de membros de gangues, às vezes apenas por terem tatuagens, segundo três fontes policiais e dois militares que pediram anonimato.

Luta contra o crime

Desde que assumiu a Presidência, em junho de 2019, Bukele fez da luta contra o crime e a violência uma questão de suas principais bandeiras.

Seu governo comemorou uma queda drástica inicial nos assassinatos, enquanto a mídia salvadorenha e a Reuters noticiaram investigações de promotores que descobriram que funcionários do governo supostamente mantinham reuniões com líderes de gangues presos, oferecendo dinheiro e benefícios em troca de uma taxa de homicídios mais baixa e entregando votos do partido de Bukele nas eleições legislativas.

As investigações levaram Washington a sancionar dois funcionários salvadorenhos acusados de negociar com criminosos.

Até que, em março, a violência aumentou repentinamente e o estado de emergência foi declarado. Mesmo que suas táticas de lei e ordem gozem de ampla popularidade, as prisões de inocentes e relatos de agressões ressaltam as falhas da nova política de Bukele.

Grupos de direitos humanos, incluindo a Human Rights Watch (HRW) e a organização centro-americana Cristosal, receberam mais de 200 queixas durante o estado de emergência, incluindo 160 prisões que descreveram como "arbitrárias".

Bukele defendeu as operações, mas acrescentou que "1%" dos capturados pode ser inocente e que, se for verdade, "deve ser corrigido".

"Em uma operação tão grande, sempre haverá erros a serem corrigidos", escreveu ele no Twitter em 9 de abril. A Presidência se recusou a comentar a reportagem.
'Cotas irreais'

Em um incidente, na manhã de 18 de abril, dois policiais salvadorenhos e quatro soldados chegaram à casa de Cristian Machado, um deficiente intelectual de 18 anos, e o levaram, algemado, na traseira de uma picape, sob acusações de que ele seria um membro de gangue. O irmão de Machado e um vizinho também foram presos.

— Meus filhos não são membros de gangues — disse Lizzette Maradiaga, mãe de Cristian.

Machado foi liberado após quatro dias. Seu irmão mais velho, Manuel, de 27 anos, pai de dois filhos, e seu vizinho foram libertados em 5 de maio, após 18 dias atrás das grades, período durante o qual suas famílias não sabiam seu paradeiro.

— Os guardas batem em você, com a força de um golpe eles querem que você admita que pertence a uma organização criminosa — disse Manuel, acrescentando que teve que dividir uma cela com cerca de 150 pessoas. Desses, 20 confessaram ser membros de gangues.

A Reuters soube de três outros casos semelhantes, em que policiais uniformizados detiveram pessoas sem vínculo com gangues e sem antecedentes criminais e as libertaram após a prisão. A polícia se recusou a comentar sobre os quatro casos específicos.

Com base no que os oficiais dizem ser uma estatística antiga de 46 mil membros de gangues ativos no país, os chefes aparentemente dividiram esse número entre os 14 departamentos de El Salvador e começaram a solicitar cotas de prisão, explicou um comissário de polícia salvadorenho, que pediu anonimato por medo de represálias.

— Muitos [membros de gangues] não estão mais aqui, outros morreram, outros emigraram — continuou. — Começamos com um número irreal e, portanto, as cotas são irreais.

Um coronel das Forças Armadas, que também pediu anonimato, disse à Reuters que os chefes militares solicitaram 30 prisões diárias por brigada, destacamento ou força-tarefa conjunta.

O Ministério da Defesa não respondeu a um pedido de comentário.


Fonte: O GLOBO

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