Rússia fortaleceu Otan ao trazer EUA de volta à Europa, diz porta-voz alemão de assuntos exteriores

Rússia fortaleceu Otan ao trazer EUA de volta à Europa, diz porta-voz alemão de assuntos exteriores

Nils Schmid questiona credibilidade da China como mediadora do conflito e acredita que Putin 'perdeu a sociedade ucraniana'

Porto Velho, RO - Após dar um giro de 180 graus em sua política externa e se unir aos países que passaram a fornecer armas à Ucrânia, a Alemanha prevê uma guerra longa e muitos anos de tensão e disputas entre Vladimir Putin e o Ocidente. 

Essa é a avaliação do porta-voz para assuntos exteriores da bancada parlamentar do governista Partido Social-Democrata (SPD), Nils Schmid, que, em entrevista ao GLOBO, questionou a credibilidade da China como eventual mediadora e celebrou o voto do Brasil pela condenação da Rússia nas Nações Unidas. 

Perguntado sobre recentes declarações do presidente Jair Bolsonaro, o deputado alemão afirmou que “não se pode ser neutro quando um país é atacado por seu vizinho”. 

Schmid admite a possibilidade de vitória militar da Rússia, mas acredita que Putin “perdeu a sociedade ucraniana” e, portanto, “perdeu a Ucrânia do ponto de vista estratégico”.

Há possibilidade de a Otan entrar no conflito?

Vejo a possibilidade de envolvimento da Otan ainda muito distante. Isso já foi dito muito claramente pelo presidente [Joe] Biden, pelo nosso chanceler [Olaf] Scholz, desde o começo. 

Enquanto territórios da Otan não forem atacados, a Otan não vai se envolver. Mas é claro que muitos estados da Otan, individualmente, apoiam o direito da Ucrânia de se defender e continuarão enviando armas ao país.

Esta é a primeira vez, desde a Segunda Guerra, que a Alemanha decide enviar armas a outro país. Como o senhor analisa esse giro de 180 graus na política externa e militar do país?

Todos ficamos chocados com a brutal agressão de Putin contra a Ucrânia: essa é uma guerra de agressão no meio da Europa. Pela primeira vez, desde a Segunda Guerra Mundial, uma grande potência, a Rússia, atacou um país vizinho. 

Isso não é como a guerra nos Balcãs. Essa é uma guerra de alta intensidade, convencional, da Rússia contra a Ucrânia. Como a diplomacia não conseguiu impedir o ataque, na Alemanha tivemos de mudar o curso e nos adaptar a essa nova situação. 

Durante 70 anos, não quisemos interferir em guerras, resistimos a enviar armas em diferentes conflitos, mas neste caso não se trata apenas da Ucrânia: trata-se da segurança europeia.

Quais são os temores da Alemanha neste momento? A dependência do gás russo é uma das grandes preocupações?

Não vejo grandes problemas para a Alemanha nesse sentido hoje. Decidimos impor duras sanções econômicas contra a Rússia, mas foram calibradas de forma a que os custos sejam muito mais elevados para a Rússia do que para as economias europeias. 

Quando se trata de gás e petróleo, as importações da Rússia não podem ser substituídas de um dia para o outro, mas temos de acelerar a diversificação. 

Como depende dessas receitas de exportação, não acho que a Rússia esteja pensando em suspender suas exportações para países europeus. 

Somos cautelosos, porque não podemos abrir mão dessas importações no curto prazo, mas nos próximos anos a Alemanha vai tentar reduzir sua dependência em matéria de petróleo e gás da Rússia.

Como o senhor avalia o papel da China nos esforços diplomáticos para tentar um acordo?

Não vejo a China como um mediador com credibilidade nesse conflito. Ela não tem tradição como mediador em conflitos desse tipo, acho difícil acreditar que termine com a guerra. 

Não vejo Putin acabando com esse conflito logo, porque ele quer controlar toda a Ucrânia. Mas temos de tentar evitar mais sofrimento, por isso os esforços diplomáticos são tão importantes. Temos de buscar um acordo, mas levar em consideração que ele deve ser aceito também pela Ucrânia. 

A capitulação não levará a um cessar-fogo. Dependerá do que ucranianos e russos podem aceitar como compromissos. Temos, também, de enviar mensagens a Putin sobre o custo alto para a Rússia dessa guerra, e continuar enviando ajuda à Ucrânia. 

Infelizmente, o que vejo é uma guerra ainda prolongada. E, mesmo após o final dessa terrível guerra, o conflito com a Rússia vai continuar enquanto Putin estiver no poder e governando de maneira autoritária. 

Temos de nos preparar para um longo conflito, porque a Rússia considera o Ocidente um adversário. Isso pode implicar agressões militares, ciberataques, como tivemos na Europa nos últimos anos. Temos de entender que não se trata apenas da Ucrânia: é um longo jogo de Putin contra nós.

O senhor não é otimista?

Como disse, não podemos nos render. A combinação de resistência militar, pressões econômicas e esforços diplomáticos poderia levar a um cessar-fogo.

Na ONU, o Brasil votou a favor de uma condenação da Rússia, mas questionou o envio de armas à Ucrânia e as sanções. Qual é sua opinião sobre a posição brasileira na guerra?

Foi muito importante que o Brasil se unisse à grande maioria de países da comunidade internacional nas Nações Unidas na condenação à guerra da Rússia contra a Ucrânia. Precisamos do Brasil como um firme defensor das regras internacionais. 

Não deveriam criticar a ajuda aos ucranianos para defesa, porque isso também é parte da Carta das Nações Unidas. É preciso adotar medidas contra essa guerra brutal e prevenir que a Rússia continue avançando. 

As sanções impostas à Rússia são a consequência lógica da condenação à violação por parte da Rússia de regras internacionais.

O presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil deve ser neutro no conflito...

Não se pode ser neutro quando um país é atacado por seu vizinho. Se o Brasil tivesse sido atacado por um vizinho, não gostaria que outros ficassem neutros.

Como o senhor avalia o papel dos Estados Unidos na ofensiva contra a Rússia?

Os Estados Unidos não são o único líder nessa ofensiva. Estamos satisfeitos pela presença dos EUA na Europa, seu engajamento em nome da segurança europeia, mas essa não foi uma livre escolha para Biden. Foi uma necessidade para os EUA, e os americanos deixaram os esforços diplomáticos nas mãos dos europeus. 

Os laços transatlânticos foram fortalecidos não porque Biden queria, mas porque surgiu a necessidade de defender a segurança europeia das agressões da Rússia.

As tropas russas estão quase em Kiev. O que se pode esperar para os próximos dias e semanas?

Mesmo se a Rússia vencer a guerra, ela já perdeu a Ucrânia do ponto de vista estratégico. Depois da anexação da Crimeia, e depois dessa guerra, a Rússia se distanciou dos ucranianos pelas mortes que causou. Putin já perdeu a sociedade ucraniana. 

Levará anos para recompor o vínculo e a confiança, e isso é muito triste porque são países vizinhos. Essa guerra é uma catástrofe para a Ucrânia e também para a Rússia.


Fonte: O GLOBO

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