Negociador informal de um cessar-fogo na Ucrânia, Abramovich acumula polêmicas, sanções e troféus com o Chelsea

Negociador informal de um cessar-fogo na Ucrânia, Abramovich acumula polêmicas, sanções e troféus com o Chelsea

Bilionário fez fortuna no processo de desestatização na Rússia pós-soviética, mas nega ter relações com Vladimir Putin, apesar das circunstâncias apontarem para o contrário

Porto Velho, RO - Durante as negociações diretas entre Rússia e Ucrânia em busca de um acordo que ponha fim à invasão russa, chamou a atenção a presença em Istambul de um russo alvo de sanções no Reino Unido e que representou como poucos o surgimento de uma classe de oligarcas no período posterior ao fim da União Soviética: Roman Abramovich, ex-dono do Chelsea — um dos mais bem-sucedidos clubes britânicos.

Abramovich mantém uma relação confusa com o Estado russo, e sua participação nas conversas não foi bem explicada por nenhuma das partes: no final de fevereiro, um porta-voz do bilionário afirmou ao site The Athletic que ele "foi contactado pelo lado ucraniano para apoiar nas tentativas de obter uma resolução pacífica, algo que vem tentando fazer desde então". 

Na declaraçao, o porta-voz afirmou que sua participação não estava sendo anunciada publicamente por conta "de tudo que está em jogo".

Também à Athletic, o diretor ucraniano Alexander Rodnyansky disse que Abramovich foi lembrado por conta de seus laços com as comunidades judaicas na Rússia e na Ucrânia — o presidente Volodymyr Zelensky é judeu.

— Posso confirmar que o lado ucraniano tenta encontrar alguém na Rússia disposto a ajudar a encontrar uma resolução pacífica — disse Rodnyansky. — Roman Abramovich tem tentado mobilizar o apoio para uma resolução pacífica desde então. Apesar de sua influência ser limitada, ele é o único que respondeu ao chamado e se colocou à disposição para tentar.

Na segunda-feira, surgiu um sinal, dessa vez indireto, da participação de Abramovich nas negociações: segundo o Wall Street Journal, ele teria apresentado sintomas compatíveis com um envenenamento, pouco depois de uma reunião com representantes ucranianos em Kiev, em 3 de março. As alegações chegaram a ser confirmadas pelo site Bellingcat, mas não encontraram respaldo na comunidade de Inteligência de países como os EUA.

O Kremlin também negou qualquer participação em uma eventual tentativa de envenenamento, mas acabou confirmando que, de fato, Abramovich participa das conversas com Kiev.

— Roman Abramovich está envolvido para garantir certos contatos entre os lados russo e ucraniano. Ele não é um membro oficial da delegação, sabe-se que nossa delegação é chefiada pelo assessor presidencial Vladimir Medinsky — disse o secretário de Imprensa, Dmitry Peskov, citado pela Tass.

Peskov ainda afirmou que Rússia e Ucrânia aprovaram a presença de Abramovich no diálogo.
Da pobreza aos bilhões

Embora tenha tentado esconder seu papel como negociador de um cessar-fogo, Abramovich, de 55 anos, vem frequentando manchetes relacionadas à guerra mesmo antes dos primeiros disparos. A começar por sua presença financeira no Reino Unido, onde tem propriedades milionárias em áreas nobres e era dono do Chelsea, um dos principais clubes do mundo. 

Mas sua história pessoal, e a de sua fortuna, confunde-se com a das turbulentas mudanças ocorridas na Rússia depois do desmoronamento da União Soviética, em 1991.

Nascido em Saratov, às margens do Rio Volga, Roman Arkadyevich Abramovich perdeu os pais antes dos quatro anos de idade e foi criado por parentes na República Komi, localizada no Noroeste da Rússia. Após uma infância sem muitos luxos, trabalhou como mecânico no Exército Vermelho e se mudou ainda adolescente para Moscou, onde começou a ganhar dinheiro com a venda de cosméticos.

Posteriormente, aproveitando-se da abertura econômica dos últimos dias da URSS, ampliou seus negócios e começou a atuar na negociação de madeira, açúcar, alimentos e "todos os tipos de produtos", como revelou à Justiça britânica, em 2012, em um processo relacionado justamente às origens de sua fortuna. Em 1992, chegou a ser preso pelas autoridades russas, acusado de fraude relacionada a um carregamento de diesel, e reconheceu, anos depois, ter utilizado métodos pouco ortodoxos em suas atividades econômicas.

Em 1995, ao lado do também oligarca Boris Berezovsky (morto em 2013), assumiu o controle da petrolífera Sibneft por cerca de US$ 250 milhões — 20 anos depois, a empresa seria revendida ao Estado russo por US$ 13 bilhões. Ali, entrava para um grupo "seleto" de russos que se aproveitaram da radical desestatização do Estado soviético promovida pelo presidente Boris Yeltsin e acumularam fortunas bilionárias, além de um grande capital político.

Aliado de Yeltsin, Abramovich tinha acesso livre ao Kremlin e foi um dos que sugeriram diretamente o nome de Vladimir Putin para a sucessão na Presidência, em 1999. Naquele mesmo ano, chegou à Duma, a Câmara Baixa do Parlamento, e em 2000 foi eleito para o governo da região de Chukotka, onde está localizado o lado russo do Estreito de Bering e lar de cerca de 50 mil pessoas.

Dono do Chelsea

Enquanto ocupava o governo de uma das regiões mais pobres e isoladas da Federação Russa, Abramovich dava um passo considerável no meio esportivo em 2003: por £140 milhões, comprou o Chelsea, um dos mais populares clubes da Inglaterra, e injetou mais de £ 1 bilhão do próprio bolso, sem compensação posterior, para tornar o time um dos maiores do mundo. 

Ao todo, foram cinco títulos da Premier League, cinco Copas da Inglaterra, duas Ligas dos Campeões e, em fevereiro, um Mundial Interclubes da Fifa, conquistado contra o Palmeiras.

Desde o início da crise envolvendo a Ucrânia, seus laços com o governo da Rússia, e com Putin, embora pouco explícitos, o puseram em destaque — no final de 2021, um livro, "Putin's People" ("As pessoas de Putin"), de Catherine Belton, afirmava que o líder russo havia ordenado que o bilionário comprasse o Chelsea. 

Abramovich processou a editora e a autora, mas os dois lados acabaram chegando a um acordo.

No fim de fevereiro, uma nota do Chelsea repudiando a guerra foi criticada por seu tom alegadamente brando: ali, o clube se referiu à situação na Ucrânia como "horrenda e devastadora", sem mencionar a Rússia ou as palavras "guerra" ou "invasão". A essa altura, Abramovich já havia anunciado sua decisão de abrir mão do controle administrativo do time, depois de quase duas décadas.

"Espero que volte a visitar a Stamford Bridge uma última vez, para me despedir pessoalmente de todos", disse, em comunicado, referindo-se ao estádio do Chelsea, em Londres.

Pouco depois, o bilionário, dono de uma fortuna estimada em US$ 13,7 bilhões, foi incluído em uma lista de sanções do governo do Reino Unido, destinada a cortar o fluxo de dinheiro russo na economia britânica, em especial dos oligarcas, que guardam boa parte de suas fortunas em instuições britânicas.

— Com suas ligações próximas com Putin, eles são cúmplices em sua agressão. O sangue do povo ucraniano está em suas mãos — declarou a ministra das Relações Exteriores britânica, Liz Truss, ao anunciar o pacote de medidas.

Apesar das punições britânicas, Abramovich nega, há quase 20 anos, possuir laços com Putin e evita ser visto em público com o presidente russo. Em entrevista ao Financial Times, disse que "não tem uma relação especial" com o Kremlin, uma explicação que não parece ter feito muito sentido para as autoridades em Londres: para elas, essa conexão o ajudou a "manter sua fortuna considerável" por tantos anos.


Fonte: O GLOBO

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