Juristas veem censura e criticam decisão do TSE que proibiu manifestações no Lollapalooza

Juristas veem censura e criticam decisão do TSE que proibiu manifestações no Lollapalooza

Ex-presidente da Corte, Marco Aurélio diz temer "arroubos autoritários". Já Carlos Velloso, outro ex-presidente do TSE, defende decisão e diz que houve propaganda eleitoral fora de época

Porto Velho, RO -  A decisão do ministro Raul Araújo, do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), proibindo "manifestação de propaganda eleitoral ostensiva" durante as apresentações do festival Lollapalooza, foi criticada pelo ex-ministro Marco Aurélio Mello, que já presidiu o TSE e o Supremo Tribunal Federal (STF), por advogados eleitorais, e pela seccional paulista da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Marco Aurélio chamou a decisão, tomada a pedido do PL, o partido do presidente Jair Bolsonaro, de censura.

Embora a decisão tenha recebido muitas críticas, houve também alguns apoios. O também ex-presidente do TSE e do STF Carlos Velloso avaliou que houve propaganda eleitoral fora de época e que Araújo está apenas impedido que o episódio se repita.

O PL acionou a Corte no sábado, após a cantora Pabllo Vittar levantar, durante o show que fez no evento, uma bandeira com a foto do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Raul Araújo, um dos ministros do TSE responsáveis por analisar ações relacionadas à propaganda eleitoral, também determinou uma multa de R$ 50 mil por cada ato de descumprimento da decisão.

Questionado se entende que houve censura, Marco Aurélio respondeu:

— Concordo. Quando se proíbe que se levante cartaz, isso parte para a censura, o que é inadmissível em ares democráticos. O que se pode depois é averiguar o abuso na utilização do meio de comunicação visando o êxito de uma candidatura futura, que ainda não existe sequer. Eu receio muitos esses arroubos autoritários. Não sou saudosista de uma época de exceção.

Ele também defendeu a liberdade de expressão. Segundo ele, o que pode ser feito é um controle posterior, ou seja, procurar a Justiça após alguma irregularidade ter sido cometida, e não um controle anterior, proibindo manifestações desse tipo.

— O pessoal está confundindo muito as coisas, e deixando em plano secundário a liberdade de expressão, que é um bem maior. Você não pode obstaculizar a liberdade de expressão. Você pode sim buscar as consequências, se houver abuso.

O ex-ministro lembrou que é possível punir um artista com multa se for constatado algum abuso e se verificada a ocorrência propaganda eleitoral irregular. Mas também destacou que é difícil proibir a ocorrência dessas manifestações.

— Você de início proibir fica muito difícil, porque é algo incontrolável. Você pode buscar as consequências, que passam pela demonstração do abuso — afirmou o ex-ministro.

Carlos Velloso, que também já presidiu o TSE e o STF, tem posição diferente de Marco Aurélio:

— Eu acho que a decisão foi correta. Parece-me que é, e também pareceu ao ministro, propaganda eleitoral fora de época.

Ele lembrou que a decisão de Raul Araújo é individual, cabendo recurso para ser analisado pelo plenário. Questionado se a proibição de se manifestar novamente poderia ser censura, Velloso discordou:

— Eu acho que apenas está impedindo que ocorra o que ocorreu, e foi considerado propaganda fora de época.

OAB de São Paulo critica

Em nota, a seccional de São Paulo da OAB se disse preocupada com "a proibição de manifestação política" no festival e "a confusão da livre expressão de opinião com propaganda eleitoral ostensiva e extemporânea". A entidade destacou que "a liberdade de expressão, por meio da manifestação espontânea e gratuita de ideias, é essencial para assegurar a continuidade democrática e fomentar o debate público sobre eleições".

A entidade disse ser importante a contraposição de teses, argumentos e opiniões no processo eleitoral. Destacou ainda respeitar a atividade dos tribunais do país, mas também esperar que "as normas sejam aplicadas em consonância com princípios constitucionais".

"Silenciar a voz de cidadãos com multa em valor superior à pena no caso da ocorrência da conduta, pode tolher o exercício da cidadania, limitar a difusão de ideias e empobrecer a qualidade e variedade do debate público nas mais diversas arenas da sociedade civil", diz trecho da nota.

Advogados eleitorais ouvidos pelo GLOBO também criticaram a decisão. Antonio Ribeiro Júnior, integrante da Academia Brasileira de Direito Eleitoral e Político (Abradep), disse que houve censura, mas discordou de quem defende o mero de descumprimento da decisão. 

Para ele, é preciso apresentar recurso no TSE para derrubá-la. O advogado também afirmou que já houve manifestações da Corte antes contra decisões que possam levar à censura. Assim, não se pode proibir previamente manifestações. O correto é acionar a justiça depois, caso alguém avalie que tenha ocorrido algum tipo de abuso.

— É censura prévia. Nós temos vários casos em que o TSE e a Justiça Eleitoral podem até aplicar a multa, considerando a propaganda eleitoral, mas não vedam previamente a manifestação — disse Antonio Ribeiro Júnior.

O também advogado eleitoral Cristiano Vilela disse não vê no episódio os elementos que costumam ser considerados pela Justiça Eleitoral para caracterizar propaganda eleitoral antecipada:

— Foi uma decisão muito polêmica do ponto de vista jurídico, porque não teve alguns elementos de pedido de voto específico, houve uma manifestação política genérica. 

Aliás, a própria Anitta assim o fez uns dois dias antes. Não teve menção a número, cargo e à eleição concomitantemente, que é a tríade "exigida" pela Justiça eleitoral para configurar a propaganda antecipada. E foi feita por uma pessoa na forma de livre manifestação do pensamento.

Apoio à decisão

No meio jurídico, houve também manifestação de apoio à determinação do ministro Raul Araújo. O promotor Clever Vasconcelos, do Ministério Público de São Paulo, disse em sua conta no Twitter que a decisão "diz respeito a manifestações eleitorais, de antecipação de eventuais campanhas, mas não impede a liberdade de expressão genérica".

Em sua decisão, Raul Araújo avaliou que os artistas fizeram "comentários elogiosos ao possível candidato", no caso Lula, e "pediram expressamente que a plateia presente exercesse o sufrágio em seu nome, vocalizando palavras de apoio e empunhando bandeira e adereço em referência ao pré-candidato de sua preferência".

Ministro já negou pedidos para remover 'outdoors' favoráveis a Bolsonaro

Raul Araújo é um dos ministros responsáveis por analisar ações relacionadas a propaganda eleitoral no TSE. Nessa condição, ele já negou dois pedidos feitos pelo PT para remover "outdoors" que, na avaliação do partido, ou favoreciam Bolsonaro ou atacavam o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por outro lado, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde também é ministro, Araújo votou na última terça-feira a favor de Lula na ação em que ele pediu indenização ao ex-procurador da República Deltan Dallagnol.

No TSE, o PT apontou a existência de "outdoors" em Santa Catarina, Rio de Janeiro, Bahia, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. Para o ministro, uma parte pode em tese configurar propaganda eleitoral antecipada, mas o PT "deixou de apresentar provas do prévio conhecimento do representado Jair Messias Bolsonaro, não requereu diligência para identificação dos responsáveis pela confecção, nem forneceu os elementos indispensáveis para a obtenção dos dados".

Em outros outdoors, Araújo disse não ter visto conotação eleitoral. É o caso de um na Bahia em que Bolsonaro aparece abraçado ao ministro da Cidadania, João Roma, que é baiano, com a mensagem: “Bolsonaro e João Roma, juntos pelo Auxílio Brasil de R$ 400,00". Para o ministro do TSE, o "outdoor" retrata mais "uma das pautas políticas comuns a ambos, expostas provavelmente por ocasião da discussão do tema no Congresso Nacional, ano passado".

Pelo mesmo motivo, ele não mandou remover um outdoor em Paraíso das Águas (MS), que diz: “Pela democracia, por nossas famílias, por quem produz! Copper [Cooperativa dos Produtores Agropecuaristas do Paraíso e Região] e produtores da região juntos com Bolsonaro”. Também não determinou a retirada de outros outdoors em Chapecó (SC) com mensagens de apoio ao presidente.

A decisão foi tomada em fevereiro. Em março, no curso da mesma ação, ele analisou mais um pedido do PT, em razão de outdoors em Rondonópolis (MT), mas novamente o negou. 

Em sua decisão, ele destacou que não há mais certeza sobre a existência dos outdoors, "pois o vídeo apresentado pelo próprio representante [PT] revela que a publicidade acabou sendo retirada por terceiros, logo após a sua fixação". O ministro ainda não determinou o arquivamento da ação, mas rejeitou, por ora, os pedidos feitos pelo PT.

Raul Araújo também é ministro do STJ. Lá, ele votou a favor de Lula na última terça-feira na ação em que a Quarta Turma da Corte mandou o ex-procurador da República Deltan Dallagnol, que atuou na força-tarefa da Operação da Lava-Jato, indenizar o ex-presidente em R$ 75 mil. 

O STJ atendeu um pedido da defesa de Lula, que pedia uma indenização por danos morais em razão de uma apresentação de "power point" em que Dallagnol o apontou como comandante de um esquema criminoso que envolveu a Petrobras.

— Houve excesso de poder. Atuou para além de sua competência legal. O erro originalmente de tudo isso, me parece, deveu-se àquele típico juízo de exceção que se deixou funcionar em Curitiba. Criou-se um juízo universal. Sempre fui um crítico desse funcionamento, a meu ver, anômalo — disse Araújo durante o julgamento na terça.


Fonte: O GLOBO

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