Ao lado de portas pichadas e ameaças de prisão, fala de Putin sobre 'traidores' envia um sinal sombrio à sociedade russa

Ao lado de portas pichadas e ameaças de prisão, fala de Putin sobre 'traidores' envia um sinal sombrio à sociedade russa

Discurso do presidente, na quarta-feira, defendeu uma 'autopurificação' do país, e alguns dissidentes começam a sentir o impacto real das palavras do Kremlin


Porto Velho, RO — Alertas feitos com pichações nas portas de ativistas em Moscou. Uma blogueira de comida ameaçada com até 15 anos de prisão por “desacreditar” o Exército da Rússia. Um pedido para afastar um ex-integrante do governo por “traição” por se colocar contra a guerra na Ucrânia.

O presidente Vladimir Putin emitiu um violento alerta ao “traidores” na quarta-feira, dizendo que o Ocidente tentará usá-los como uma quinta coluna para destruir a Rússia, mas que os russos rapidamente serão capazes de diferenciar “os patriotas da escória”.

Horas depois do discurso de Putin, Dmitry Ivanov, um ativista de Moscou, disse que sua mãe se deparou com uma pichação na porta de seu apartamento: “Não traia a mãe pátria, Dima.”

A pichação trazia vários símbolos do “Z”, usado para demonstrar apoio ao que o Kremlin chama de “operação militar especial” para desarmar e “desnazificar” a Ucrânia. Os símbolos podem ser vistos nas laterais de blindados e tanques russos na guerra.

Ivanov, que protestou contra a guerra, disse que ele não tem ideia de quem está por trás da pichação, mas que tem conhecimento de pelo menos três pessoas, incluindo ativistas e um jornalista, que tiveram suas portas vandalizadas da mesma forma na noite de quarta.

— Não sei quais os objetivos deles: assustar, não assustar, ou só bagunçar sua mente. É difícil nos assustar com tais ações, estamos acostumados com esse tipo de atenção — disse o homem de 22 anos à Reuters. 

— É possível que essa ação seja para complementar o discurso de Putin. Especialmente quando observamos que essas marcações foram feitas de maneira bem improvisada.
'Traição nacional'

Putin, em seus comentários a ministros do governo na quarta-feira, disse que os russos iriam cuspir os traidores “como moscas”, e que a sociedade estaria melhor sem eles.

— Estou convencido de que uma autopurificação tão natural e necessária da sociedade só fortalecerá nosso país, nossa solidariedade, coesão e prontidão para responder aos desafios — afirmou.

Ao ser questionado sobre os comentários, o porta-voz, Dmitry Peskov, disse que algumas pessoas estavam, por conta própria, se revelando traidores.

Logo depois da fala de Putin, o Comitê de Investigações anunciou o nome da primeira pessoa, uma blogueira de comida, acusada formalmente de espalhar “falsas informações” sobre o Exército russo em seu blog. 

Esse crime, previsto em lei adotada no dia 4 de março, pode ser punido com até 15 anos de prisão, e foi criado depois de uma série de protestos contra a guerra.

Em entrevista à Reuters, Veronika Belotserkovskaya, que vive no Sul da França, não se disse surpresa ao aparecer como acusada, uma vez que se enquadra na imagem da pessoa que o russo médio pode odiar.

— Sabe, há essa mulher gorda e mimada vivendo na Côte D’Azur, na Provença ou na Itália, que produz foie gras e come lagostas, que também ousa falar frivolidades. 

Eu tenho todas as qualidades que uma pessoa normal consideraria nojentas — disse.

Depois da fala de Putin, um integrante da cúpula do partido governista Rússia Unida pediu a saída imediata do ex-vice-premier Arkady Dvorkovich da chefia de uma fundação que promove a inovação econômica. Dvorkovich, que também lidera a Federação Internacional de Xadrez, condenou a guerra em comentários à imprensa ocidental.

— Ele fez sua escolha — disse o senador Andrei Turchak, secretário-geral do Rússia Unida. — Isso é uma verdadeira traição nacional, o comportamento de quinta coluna, sobre o qual o presidente falou hoje [quarta-feira].


Fonte: O GLOBO

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