Os châteaux mais famosos de Bordeaux e os melhores vinhos do mundo

Os châteaux mais famosos de Bordeaux e os melhores vinhos do mundo


Saindo do centro urbano, a vida do campo dá as caras e nos revela vinhedos que nos fazem entender a fundo o estilo de vida e a maior riqueza da região: seu povo - sempre com uma taça na mão, é claro


Porto Velho, RO - Vinho para mim é sinônimo de mesa cheia com familiares e amigos. É como uma porção de alegria na taça: é degustar com calma, em pequenas quantidades e apreciar seus aromas, suas cores e sabores. Se estes rituais são feitos no local em que a uva é plantada, colhida e a bebida produzida, então voilà, a mágica aparece: entendemos que, na verdade, o vinho é feito de pessoas.

Bordeaux é assim. As simpáticas estradas que saem do centro da cidade nos levam até as comunas e vilarejos de suas sub-regiões, onde os fascinantes châteaux com suas incríveis arquiteturas nos contam o passado da região ao mesmo tempo em que engarrafam as safras futuras.

Este pedaço da França herda uma tradição de séculos na produção de vinhos, onde celebramos suas renomadas vinícolas categorizadas em classificações que elegem os melhores e mais caros da região. Digo com certeza que é uma viagem inexplicável para os amantes da bebida, assim como eu. Cheios de alma e história, os vinhos são produzidos em cenários de tirar o fôlego: cada lugar que visitei fica mais bonito – assim como os vinhos, só vão melhorando.

A história nos conta que a maioria dos vinhedos ficava no entorno dos châteaux, e as vinícolas acabaram batizadas com seus nomes. Assim, uma das grandes riquezas daqui é descobrir o cotidiano daqueles por trás dos rótulos mais ilustres do mundo. A maioria deles nos recebe para visitas e possuem até hotéis, enquanto outros são mais restritos – mas que você pode degustar comigo.

E um fato deixa tudo ainda mais especial: para a série de programas do CNN Viagem & Gastronomia em Bordeaux, visitei os châteaux bem na época da colheita, nas duas semanas que correspondem ao trabalho de um ano inteiro. Participar de uma colheita aqui é um privilégio. Foi definitivamente uma das experiências mais marcantes de trabalho que já tive na vida.

Com grandes histórias e vinhedos cultuados, é claro que degustar vinhos faz parte do conjunto: esta é uma das maneiras mais elegantes de se viajar no passado e na expertise dos grandes produtores. Com uma taça em mãos, embarque comigo pelas descobertas dos grandes châteaux e seus prestigiados vinhos: Château Gruaud Larose (Saint-Julien)

O Château Gruaud Larose fica na denominação de Saint-Julien, na sub-região do Médoc, na margem esquerda dos vinhedos de Bordeaux. Ele está “no equilíbrio entre a potência dos vinhos de Pauillac e a fineza dos vinhos de Margaux”, como define a responsável pelo enoturismo da propriedade, Maisa Mendonça.

A magnífica propriedade possui 130 hectares e a construção do château data de 1725 – a casa principal, porém, foi reformada há cinco anos, mas ainda podemos ver resquícios do passado pelas suas paredes e fotos antigas. Considerada grande para a região, a família Merlaut – te lembra alguma uva? – comprou o local em 1997 e desde então participa das decisões.

O château foi criado por um padre chamado Gruaud que, quando morreu, deixou a propriedade para o cavaleiro Larose. Por isso o nome do vinho principal é Château Gruaud Larose – classificado como deuxième (ou “segundo”) entre os Grands Crus Classés da histórica Classificação dos Vinhos de Bordeaux, de 1855.

O segundo vinho da casa é o Sarget Gruaud Larose, que leva ainda o nome do terceiro proprietário. Para vinhos tão marcantes, o solo tem um grande impacto na qualidade das uvas: aqui ele possui composição predominante de cascalho e argila. Recentemente, como pude ver com os próprios olhos, o château tem apostado numa produção que resgata o passado ao engarrafar vinhos biodinâmicos, em que sentimos mais o gosto da fruta.

Aberta ao público, a vinícola oferece diferentes tipos de excursões, como o básico, em que se conhece a propriedade, as vinhas, as adegas e prova-se os dois vinhos da casa, além de passeios entre as videiras, harmonizações e cursos.

Na época da colheita, o Gruaud Larose abre suas portas para um almoço na companhia de vindimadores precedido de uma visita à vinha, bem como prova das diferentes castas. O programa é perfeito para vermos o quanto de história passou por aqui e o quanto de história de vinho tem o entorno do lugar.

Château Lynch-Bages (Pauillac)

Com sua proximidade do rio Gironde, Pauillac é uma das comunas mais charmosas de Bordeaux. Lojinhas, veleiros e um clima praiano são características das ruas à beira-rio, onde dá para notar um pouco da origem do solo da região, que é bem argiloso.

É nessa atmosfera que fica o Château Lynch-Bages, considerado um dos “grandes tintos de Pauillac”, um cinquième cru (“quinto cru”) na Classificação dos Grands Crus Classés de Bordeaux de 1855.

Jean-Charles Cazes é o CEO do château, que data do século 18 e que há décadas colhe uma uva cabernet sauvignon bem concentrada. Falando em colheita, pude notar que o processo nos grandes châteaux da região é totalmente manual, o que garante mais precisão e uma escolha melhor das uvas.

No Lynch-Bages conseguimos ver que há um equilíbrio entre o uso da tecnologia e do trabalho manual, que se complementam. A construção, inclusive, onde o vinho é fermentado e onde estão as barricas para a bebida envelhecer possui traços modernos. Novíssimo, o espaço é todo envidraçado e foi pensado por Didi Pei, filho do arquiteto responsável pela pirâmide do Louvre.



Daniela Filomeno degusta os vinhos do Château Lynch-Bages, entre eles o Grand Classé da Classificação de 1855Crédito: CNN Viagem & Gastronomia



Cerca de 1.500 barris fazem parte da cave subterrânea do Château, em que cada um resulta em aproximadamente 300 garrafas de vinhoCrédito: Daniela Filomeno


Café Lavinal, o restaurante da encantadora Vila de Bages, vilarejo que faz parte do complexo do Château Lynch-BagesCrédito: Daniela Filomeno

Em seu patamar subterrâneo, a cerca de 10 metros abaixo do nível do chão, é onde fica um mar de perder de vista de barris. Jean-Charles me conta que são cerca de 1.500 deles, em que cada um tem cerca de 300 garrafas: ou seja, em uma conta rápida, são 450.000 garrafas que sairão dali.

Um dos aspectos mais interessantes do Lynch-Bages é o adorável vilarejo onde está inserido: o Village de Bages, que faz parte do complexo e possui café, wine shop, bikes para aluguel e lojinha. Um charme só! A família do negócio tentou recriar as sensações e os aspectos que as pessoas viviam aqui na infância. Há também um delicioso restaurante, o Café Lavinal, onde comemos muito bem – experimente o cordeiro com batatas fritas e salada – e, claro, bebemos vinhos de qualidade, como o próprio Château Lynch-Bages.

Mas afinal, qual a diferença entre o vinho que o pai de Jean-Charles fazia e que o CEO faz atualmente? “O meu é melhor, claro”, ri o profissional. Brincadeiras à parte, ele diz que Lynch-Bages conserva hoje o estilo tradicional, mas com um pouco mais de precisão. Um brinde!

Château Margaux (Margaux)

Se você é amante de vinhos, provavelmente já se deparou com o nome do Château Margaux nas listas de melhores ou mais conhecidos do mundo. E se não sabe, deve conhecê-lo! Ele é um dos cinco Premier Grands Crus Classés de Bordeaux, da Classificação de 1855, o que o torna um dos mais exclusivos e mais caros do mundo.

É conhecido por seu blend entre, principalmente, cabernet sauvignon e merlot que ao longo dos anos desenvolve ainda mais requinte, complexidade aromática e uma presença marcante na boca. Outros três vinhos são produzidos aqui: o tinto Pavillon Rouge; o branco Pavillon Blanc; e o também tinto Margaux du Château Margaux, feito em pequena escala e encontrado em poucos países.




Vinhos do Château Margaux, com destaque para o Premier Grand Cru Classé no centro, um dos mais bem avaliados e caros vinhos do mundoCrédito: Daniela Filomeno

Daniela Filomeno ao lado de Corinne Mentzelopoulos, que comanda o Château Margaux e é uma das poucas mulheres à frente das grandes vinícolas na regiãoCrédito: CNN Viagem & Gastronomia

Em Bordeaux, mais especificamente na região de Margaux, é possível conhecer essa propriedade histórica, que acumula séculos de tradição e excelência – o início do Château Margaux remonta ao século 16. É possível visitar as adegas apenas com hora marcada.

Para mim, porém, o mais marcante de estar aqui é conhecer Corinne Mentzelopoulos, uma das poucas mulheres a comandar uma das grandes vinícolas da região. Seu pai, André Mentzelopoulos, grego do Peloponeso, foi um dos primeiros estrangeiros a adquirir um château em Bordeaux e, a partir de 1977, começou a implementar algumas mudanças. Interessante é que, segundo a história, a safra de 1978 do Château Margaux foi considerada excepcional – primor mantido até hoje.
Château Smith Haut Lafitte (Pessac-Léognan/Martillac)

Considero o Smith Haut Lafitte uma das vinícolas mais especiais de Bordeaux. E não é somente pelo vinho de excelente qualidade, afinal ele é um dos 16 Crus Classés de Graves, mas também pela atmosfera de acolhimento que somos recebidos. Tudo no Smith Haut Lafitte gira em torna da família Cathiard, já que o casal Daniel e Florence Cathiard comprou a propriedade em 1990 para perpetuar os bons frutos.

Tive o prazer de dividir meus dias na vinícola entre os vinhedos e os ensinamentos de Florence – sempre que possível com uma taça do melhor vinho em mãos. Como já citei, visitei Bordeaux para o programa CNN Viagem & Gastronomia nas semanas da colheita, as mais importantes do ano. Poder entrar nos vinhedos e aprender a colher a uva de maneira manual certamente foi um dos pontos altos da experiência.

Aberta para o público mediante agendamento, a vinícola compartilha seus sabores e filosofias por meio de variados tipos de tours e workshops, que possibilitam visitas nos vinhedos, nas adegas, nas caves privadas e, de quebra, degustações com os vinhos da casa. Em seu subsolo, o château possui uma grande cave com teto preto e luzes fracas onde ficam os barris que maturam a bebida. “É como a catedral dos vinhos tintos”, define Florence.



Dani Filomeno colhe uvas no período da colheita no Château Smith Haut Lafitte, um dos mais prestigiados de BordeauxCrédito: CNN Viagem e Gastronomia



Visão do mirante para a propriedade, que conta com hotel cinco estrelas e obras de arte espalhadas nos gramados



Grandes tonéis onde os vinhos do Château Smith Haut Lafitte são armazenados e produzidosCrédito: Daniela Filomeno

A matriarca ainda me levou em sua adega particular supermoderna, escondida entre frestas do chão de uma das salas e que nos revela escadas para um cômodo também subterrâneo. Em tom de brincadeira, ela apelidada o local como “adega do James Bond”. Aqui há garrafas especiais, de safras passadas e celebradas, como a de 1982, que foi uma colheita excepcional e um ano muito comemorado no mundo dos vinhos. Outra surpresa é testemunhar a garrafa mais antiga: a de 1878. É história em formato de vinho.

Outro fato interessante que presenciei foi a produção própria dos barris. O château é um dos pouquíssimos de Bordeaux que os constroem ali mesmo, de maneira artesanal. O profissional que os monta usa os sentidos para saber se o barril está pronto: a visão (para atestar sua cor), o tato, o cheiro e o som (já que bate com um martelo para certificar-se de suas características finais). Na sala de trabalho podemos ver as diferentes madeiras tostadas que podem ser utilizadas na montagem de cada barril: dependendo do sabor que se quer dar no vinho, usa-se diferentes madeiras.

Château d’Yquem (Sauternes)

É um dos vinhos mais cobiçados e importantes do mundo, que carrega uma tradição de cerca de 400 anos. O Château d’Yquem fica em Sauternes, comuna na margem esquerda conhecida por seus vinhos brancos e pelo fungo microscópico que aparece nas videiras – um dos fatores que torna a bebida ainda mais especial. Na Classificação dos Vinhos de Sauternes, o Château d’Yquem é o único Premier Cru Supérieur, condecorado como superior aos demais.

O local só é aberto a visitas privadas, e ocorrem escolha de diferentes degustações de vinhos, tornando a experiência mais íntima e seleta. Logo, compartilhar o tempo passado aqui é mais que um privilégio, é uma emoção. E o espírito da casa segue moldes parecidos: inovar e renovar são lemas principais, junto de guardar o passado.

Digo que o château é como um sonho. A construção transpira tradição, muito cuidado e trabalho. Em algumas partes de seu interior há pedaços à mostra de paredes do século 15. O entorno é igualmente magistral, com seu gramado verdejante, árvores enormes e uma paz descomunal.

O vinho principal da casa, classificado como superior, é branco e categorizado como um vinho de sobremesa – assim como a maioria dos Sauternes – o que, porém, limita sua concepção. Degustei-o no pôr do sol ao lado de Lorenzo Pasquini, diretor técnico do château e pude comprovar que é um vinho equilibrado, leve e que serve para várias ocasiões. A facilidade que o vinho Chateau d’Yquem nos dá num gole é uma das grandes beleza deste lugar.

Se o dia todo é especial, a manhãzinha ganha contornos ainda mais mágicos em determinados meses do ano: é o momento em que podemos ver a névoa encobrindo os vinhedos numa temperatura que beira os 8°C, o que possibilita a ação do fungo característico da região. São condições perfeitas para o vinho de Sauternes, já que o sol começa a aparecer e ajuda a secar a uva e a concentrar açúcar.

É especial entrar nas ruas dos vinhedos, muito mais acompanhada pela chefe da vinícola do château, Sandrine Garbay. Junto de sua equipe, ela vai em média cinco vezes por dia para os vinhedos analisar os diferentes estágios da atuação do fungo. É muito trabalho manual! Um fato interessante na vinícola é que, se as uvas não estão nas condições ideais e de excelência, o château simplesmente não produz o vinho. Ao longo de sua história foram 10 safras não produzidas.

Fora dos vinhedos, a cave do château é o verdadeiro significado de uma boa herança, já que garrafas de vinhos de safras de séculos passados são armazenadas aqui. A garrafa mais antiga data de 1861. Já nos barris, conseguimos ouvir a uva no processo de fermentação: é o som da próxima safra!

Château Cheval Blanc (Saint-Émilion)

Uma mistura muito bem-vinda entre a simplicidade da vida no campo e a modernidade dos processos de produção do vinho na arrojada cave é um resumo do que podemos encontrar logo de cara no Château Cheval Blanc. A propriedade fica em Saint-Émilion, na margem direita do rio, um local agradável que apresenta em seus arredores paisagens e estilos de vida bucólicos.

Categorizado como um dos Premier Grands Crus Classés A na Classificação de Saint-Émilion, o vinho tinto é rico e poderoso na boca, em que a predominância é da uva merlot. Outros dois vinhos são produzidos aqui: o também tinto Le Petit Cheval e o branco Le Petit Cheval Blanc. Digo que, sem dúvidas, é uma das vinícolas mais lindas da vida, com equilíbrio entre os vinhedos e as construções modernas de traços finos.

Quem comanda a vinícola é Pierre Lurton, que vem de uma família de viticultores e preside também o Château d’Yquem. Ambos os châteaux são mais restritos ao público externo, o que nos levou a viver momentos únicos, interagindo com a vida local e acompanhando a produção de perto.

Pela proximidade com a região de Pomerol, o solo daqui é composto por uma grande parte de argila, assim como cascalho e areia, garantindo uma certa complexidade das uvas. Como nas outras propriedades, acompanhei um dia de colheita, assim como o trabalho do time técnico para degustar os vinhos que ainda estão num estágio que se parece com um suco. Estar aqui é ver a mágica acontecer!

“Todos os dias às 11h testamos todas as garrafas diferentes da sala dos tanques. A degustação é para testar se o extrato está bom. Pois em alguns meses vamos escolher o blend. Quanto mais a gente conhece as tramas, melhor a decisão”, diz Pierre-Olivier Clouet, chefe técnico do château.

Pierre Lurton, que é casado com a jornalista brasileira Alê Forbes, ainda nos levou para o Château Marjosse, casarão de 1782 em Entre-Deux-Mers (entre as margens esquerda e direita) onde reside. É um local histórico que transpira carinho e momentos únicos com pessoas especiais. Ali há uma variedade de uvas plantadas, mas uma das mais especiais é a malbec, com vinhas velhas que datam da II Guerra Mundial.

De volta ao Cheval Blanc, para coroar a experiência única, terminamos as degustações e as visitas à propriedade com um delicioso almoço nos jardins em uma grande mesa com toalhas quadriculadas. Porções de ostras, camarões no vapor, batata frita e os melhores vinhos do mundo foram servidos junto de gente feliz – uma síntese da alma do château e de toda Bordeaux.


Fonte: CNN Brasil


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