Dez anos da Lava-Jato: operação forçou mudanças no financiamento de campanhas, mas também sofreu derrotas políticas

Dez anos da Lava-Jato: operação forçou mudanças no financiamento de campanhas, mas também sofreu derrotas políticas

Ações também tiveram como resultado prático a ascensão do discurso de combate à corrupção, que ajudou a impulsionar candidatos de direita nos últimos anos

De mudanças na forma de financiar campanhas eleitorais a regras mais rígidas para delações premiadas, a Operação Lava-Jato, que completa 10 anos neste domingo, causou um terremoto no cenário político nacional que culminou em uma série de alterações legais, tanto na forma de dar respostas à sociedade quanto no modo de reação de políticos investigados. 

As ações tiveram como resultado prático o ingresso de empresários na política e a ascensão do discurso de combate à corrupção, que ajudou a impulsionar candidatos de direita nos últimos anos.

Na esteira da descoberta de um esquema de desvio de dinheiro público na Petrobras, foram criadas regras para tentar reduzir a influência empresarial sobre políticos e, de outro lado, de políticos nas estatais. Foi nesse contexto que o Supremo Tribunal Federal (STF) proibiu que empresas financiassem campanhas eleitorais, em setembro de 2015, e o Congresso criasse a Lei das Estatais, um ano depois, com restrições para indicações políticas nas empresas públicas.

Essa primeira ofensiva contou com o apoio até mesmo de políticos que, mais tarde, se tornariam alvo — e críticos — da força-tarefa, como o então presidente do Senado, Renan Calheiros (MDB-AL), hoje em seu quarto mandato consecutivo na Casa.

— Eu era presidente (do Senado) e designei Tasso Jereissati (PSDB-CE) para fazer a Lei das Estatais, que era uma resposta rotunda à Lava-Jato — lembra o senador Renan Calheiros (MDB-AL), referindo-se ao tucano, na época oposição ao governo do PT. — Todo mundo só ficou contra (a Lava-Jato) quando começou a ver que as garantias (individuais) foram para as cucuias.

Reação no Congresso

Dez anos depois da operação, o que ficou marcado, contudo, foram outras “respostas rotundas”: as que limitavam o poder de investigadores. Uma delas, a Lei de Abuso de Autoridade, foi proposta em 2016 pelo próprio Renan, enquadrando como crime diversas condutas adotadas na Lava-Jato, como tornar público o conteúdo de interceptações telefônicas durante o processo. A medida só seria aprovada em 2020, quando a operação já vivia sua queda.

A resposta dos políticos à proibição do financiamento empresarial de campanhas também viria em seguida, em 2017, quando o Congresso criou um fundo bilionário com dinheiro público para bancar gastos de candidatos. Um ano antes, as disputas municipais haviam sido marcadas pela vitória de empresários ricos, que puderam usar seu próprio patrimônio para se eleger, como João Doria (PSDB), em São Paulo, e Vitório Medioli, em Betim (MG).

O turning point em relação à operação, contudo, aconteceria a partir de 2018. Eleito com discurso de combate à corrupção e, em especial, concentrando os votos antipetistas, Jair Bolsonaro levou para seu governo o então juiz da operação, Sergio Moro, dando peso à versão de interesses políticos da Lava-Jato. 

As críticas aumentam após revelação de trocas de mensagens entre procuradores da força-tarefa de Curitiba e o ex-magistrado. A suspeita de conluio, investigada na Spoofing, era o estímulo que faltava para políticos colocarem em prática mudanças na legislação que coibissem métodos da operação que estavam sendo questionados.

Uma delas foi a criação da figura do juiz de garantias, incluída à revelia no pacote anticrime apresentado pelo próprio Moro, enquanto ministro da Justiça, em 2019. A ideia tinha como justificativa conferir mais imparcialidade aos julgamentos, esvaziando poderes de magistrados como o que foi conferido ao juiz da Lava-Jato.

O mesmo projeto incluiu ainda restrições para as delações premiadas, recurso bastante usado pela operação, como a obrigação de o delator narrar apenas os atos ilícitos relacionados diretamente com os fatos investigados. Em 2017, a ministra Cármen Lúcia, que era a presidente do STF, havia homologado 77 delações de executivos e ex-executivos da construtora Odebrecht.

Mas, apesar de eleito na esteira do lava-jatismo, Bolsonaro também agiu contra a operação ao abraçar pautas da classe política que visavam a esvaziar o poder de investigadores. Entre suas ações está a escolha de um procurador-geral da República crítico à operação. Augusto Aras foi o responsável por colocar fim ao modelo de força-tarefa adotado na Lava-Jato e apurar a conduta de procuradores envolvidos nas investigações. Pouco tempo depois, também rompeu com Moro.

Em 2021, o ex-presidente sancionou as alterações na Lei de Improbidade Administrativa, considerada abusiva por políticos. A principal mudança foi a exigência da comprovação do dolo, ou seja, intenção do agente público de lesar a administração pública. Antes, a legislação previa punição ampla por ato culposo, ou seja, mesmo sem intenção.

O professor da FGV Direito Rio Thiago Bottino vê as mudanças na lei como herança positiva da Lava-Jato:

— O aprendizado para sociedade é que, para alcançar a justiça, você tem de seguir a lei. A Lava-Jato trouxe uma herança benéfica para a legislação penal. Na verdade, a nossa legislação penal acabou sendo aperfeiçoada principalmente na esfera de atuação das autoridades públicas. Trouxe mais responsabilidade e uma exigência maior de imparcialidade para as autoridades.

Por conveniência

Para Bolsonaro, contudo, o resultado foi que a defesa de bandeiras da Lava-Jato, consideradas decisivas em 2018, já não eram tão fortes na campanha de 2022, quando teve um apoio tímido do próprio Moro e do ex-coordenador da força-tarefa, Deltan Dellaganol, eleito deputado federal.

Do outro lado, o PT, o mais atingido pelos efeitos da operação, conseguiu se reerguer ao apostar no discurso de “perseguição política”.

— A herança institucional da Lava-Jato foi o descrédito nas instituições, especialmente do Ministério Público e do Judiciário, que hoje se esforçam para reconstruí-la — afirma a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, um dos alvos da operação.

Para o cientista político Sérgio Abranches, o principal legado da Lava-Jato foi o fim de um cenário parecido com o bipartidarismo, em que PT e PSDB dispunham uma vocação presidencial e lideravam as suas coalizões.

— Então veio a polarização em torno do impeachment de Dilma, começou a se formar a direita mais radicalizada, o Bolsonaro aproveitou esse sentimento de insatisfação mais enraivecido que se formou a partir de 2013, na verdade, mas que explodiu a polarização entre os favoráveis e contrários, e o PSDB naufragou. O fim do PSDB desarmou e desmontou o eixo da disputa presidencial — avalia.

As mudanças na legislação

2015 - Proibição de financiamento empresarial de campanha
  • Um ano depois das primeiras operações da Lava-Jato, o Supremo Tribunal Federal (STF) proíbe que empresas financiem campanhas eleitorais. Pouco antes, o Congresso já havia restringido esse tipo de doações aos partidos, vetando que o dinheiro fosse enviado a candidatos.
2016 - Lei das estatais
  • Arcabouço legal aprovado em 2016 com o objetivo de blindar estatais de ingerência política. Cria regras para compras, licitações e contratação de dirigentes. Na Petrobras, por exemplo, a troca do comando requer análise do nome do indicado, para assegurar que ele cumpra requisitos de conformidade e competência.
2017 - Fundo eleitoral público
  • Dinheiro público para o financiamento de campanhas, estipulado em R$ 4,9 bilhões neste ano, foi uma alternativa para compensar a proibição de doações de pessoas jurídicas a campanhas, determinada em 2015 pelo STF
2019 - Pacote anticrime

Juiz de garantias
  • Proposto pelo ex-juiz da Lava Jato Sergio Moro, quando ele era o ministro da Justiça durante o governo de Jair Bolsonaro. Moro quis implementar mudanças para tornar mais rígidas leis, como a de execução penal, porém o Congresso incluiu o juiz de garantias responsável pela primeira parte do trabalho, até o recebimento da denúncia. Outro juiz, sem conhecimento prévio da investigação, se encarregara do julgamento.
Delação premiada
  • Foi determinada a obrigação de delator narrar apenas os atos ilícitos relacionados diretamente com os fatos investigados e que medida cautelar ou recebimento de denúncia não poderá ser decretada ou apresentada apenas com as declarações do delator. Determina ainda que o Ministério Público poderá deixar de oferecer denúncia se a proposta de acordo de colaboração tiver sido apresentada sem que as autoridades responsáveis pela investigação criminal tivessem conhecimento prévio da infração.
2020 - Lei do Abuso de Autoridade
  • Entre as novidades trazidas por essa lei veio a determinação de que sejam consideradas crime as interceptações telefônicas e as quebras de segredo de Justiça sem autorização judiciais. Com isso, caso estivesse em vigor durante a operação, Moro, por exemplo, poderia ter incorrido em crime ao divulgar a conversa entre Lula e Dilma, em 2016.
2021 – Mudanças na lei da improbidade administrativa
  • A principal alteração foi para que a responsabilização por crimes de improbidade administrativa só ocorra se houver comprovação de dolo, ou seja, intenção do agente de lesar a administração pública. Antes, a legislação previa punição ampla por ato culposo, ou seja, mesmo sem intenção. A nova lei, sancionada por Bolsonaro, também estabeleceu que o prazo para prescrição de crimes de improbidade fosse antecipado e começasse a contar a partir do ato e não do fim do mandato.
2023 - Mudanças no estatuto da advocacia
  • Atualiza o Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) e prevê que operações policiais em escritórios de advocacia só são possíveis, desde que tenham como base “prova substancial” e não apenas delações premiadas.

Fonte: O GLOBO

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